Acórdão nº 1538/17.6T9LSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelANTERO LUÍS
Data da Resolução06 de Junho de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


DECISÃO SUMÁRIA Efectuado exame preliminar dos autos supra identificados, nos termos do disposto nos artigos 417.º, n.º 6, alínea b) e 420.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, afigura-se-nos, pelas razões a seguir aduzidas, que não pode este Tribunal da Relação conhecer do presente recurso, devendo o mesmo ser rejeitado.

  1. Relatório Nos autos de Instrução que correram termos na Comarca de Lisboa, Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, Juiz 4, com o Nº 1538/17.6T9LSB, em sede de Decisão Instrutória, a Meritíssima Juiz proferiu, a 11 de Dezembro de 2018, despacho de pronúncia constante de fls. 368 a 400, nos seguintes termos: (transcrição) “Investigou-se em sede de inquérito a prática por AA dos crimes de perseguição e ameaça agravada p.p. pelos artigos 1542. - A n° 1 e 153°, 155º n° 1 al. a) com referência ao artigo 132º n° 2 al. f) do C.P..— Findo o inquérito, o M°P° proferiu o despacho de arquivamento de fls. 155 a 161.

O assistente BB acusou para julgamento em processo comum da competência do tribunal singular AA imputando-lhe, pelos factos constantes da peça acusatória de fls. 168 a 174, a prática dos crimes de difamação e injúria p.p. pelos artigos 180° e 181° do C.P. (cfr. fls. 174).— O M°P° não acompanhou a acusação particular, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 207 e seg..

O assistente requereu a abertura de instrução nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 214 a 225, pedindo a pronúncia do arguido pela prática dos crimes p.p. pelos artigos 153° e 154° - A do C.P..

Procedeu-se a instrução com a junção de documentos, tomada de declarações ao assistente, inquirição de testemunhas e realizou-se o debate instrutório.— O tribunal é competente.- O M°P° tem legitimidade para exercer a acção penal.- Inexistem outras excepções, nulidades ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.-- No caso concreto, a fase de instrução decorreu apenas a impulso do assistente.

Logo, não tendo o arguido requerido a abertura de instrução, está vedado ao tribunal a apreciação dos factos que se fizeram constar na acusação particular ou dos indícios que a sustentem.

Quanto ao mais: 1.

Pretende o assistente ver o arguido pronunciado pela prática dos seguintes crimes: Perseguição, p.p. pelo art° 154º - A do C.P., preceito que dispõe: «1 - Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal. 2 - A tentativa é punível. 3 - Nos casos previstos no nº 1, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição. 4 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.5 - O procedimento criminal depende de queixa.

» Ameaça, p.p. no art° 153° do C.P.: «1 - Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias. 2 – O procedimento criminal depende de queixa.» No caso, a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (cfr. art.° 286° n.° 1 do C.P.P.).

Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos (cfr. art.° 308° n.° 1 do C.P.P.).

Considera-se que existem indícios suficientes quando existe um conjunto de elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado pelo crime que lhe imputam (vide Germano Marques da Silva in "Curso de Processo Penal", 1994, vol. III, pág. 184).

De acordo com o relato feito no requerimento de abertura de instrução, em síntese, o arguido, depois de ter sido despedido com justa causa de uma empresa gerida pelo assistente, começou a persegui-lo nos trajectos habitualmente percorridos por este de casa para o escritório. Mais, abordou-o proferindo expressões ameaçadoras e intimidatórias, o que também fez em mensagens enviadas. Colocou no perfil da conta skype expressões do mesmo cariz.

  1. Dos elementos de prova recolhidos:

    1. No inquérito: O assistente juntou aos autos o contrato de trabalho celebrado entre a S…………. Lda. e o arguido (fls. 19 a 28), a carta de despedimento e o relatório final do processo disciplinar (fls. 29 a 53), fotografias (fls. 54 a 57) e impressões de mensagens e posts (fls. 58 a 66).

      O ofendido foi ouvido a fls. 82 e segs., confirmando a denúncia e juntou ainda dois documentos, impressões da sua página de facebook (frl. 86 e 87). Acrescentou que no dia 4.5.2016 o arguido se posicionou em frente ao local de trabalho do assistente durante cerca de uma hora. Acrescentou que o depoente e a sua família tiveram de alterar as suas rotinas diárias, tendo aumentado as preocupações do ofendido com os filhos quando estes saem sozinhos, por ter receio de represálias contra os mesmos.

      A testemunha CC, ouvida a fls. 88, disse ter sido a própria que fez as fotos de fls. 54 a 57 e ouviu o arguido dizer para ao ofendido em tom intimidatório "temos de conversar". Que teve conhecimento dos comentários de fls. 56 a 58 pelo denunciante e pelos seus colaboradores, que lhes acederam através das redes sociais. Que a situação a que se reportam os autos fez com que a testemunha e o denunciante alterassem as suas rotinas diárias, por terem receio que algo lhes aconteça bem como à restante família.

      A testemunha DD (fls. 90), disse que trabalha na empresa do ofendido desde 2016, razão por que conhece o arguido. Que viu no dia 4.5.2017 a viatura do arguido estacionada em frente ao escritório do denunciante, encontrando-se o arguido no interior da mesma.

      A testemunha EE (fls. 92 e seg.), labora na mesma empresa. Presenciou os mesmos factos que foram presenciados pela testemunha Inês Gomes. Acrescentou que o arguido permaneceu naquele locar cerca de duas horas.

      A testemunha FF (fls. 94 e seg.), disse ter reparado que, no início do ano de 2017 e depois de o arguido já não trabalhar na empresa, o denunciante e a mulher andavam nervosos e alterados, tendo o ofendido comentado que o arguido o andava a perseguir. Já depois do denunciado ter deixado de trabalhar na empresa, viu o carro deste estacionado em frente ao escritório do denunciante, em dois dias diferentes.

      A testemunha GG (fls. 96 e seg.), disse que trabalha na empresa do denunciante desde 2005, razão pela qual conhece o arguido. Que tem o contacto skype do arguido, conseguindo visualizar todos os comentários que o mesmo coloca; viu os post de fls. 59 a 65, que imprimiu e entregou ao denunciante. No princípio de 2017 e já depois de o arguido ter sido despedido, quando com o denunciante se dirigia ao escritório, viu a viatura do arguido estacionada a cerca de 50 metros do escritório, tendo o ofendido chamado a sua atenção para esse facto e comentando que mais uma vez o denunciado se encontraria nas proximidades. Que no início de 2017 o ofendido se mostrou ansioso e preocupado, o que o afetou na vida pessoa e profissional.

      A testemunha HH (fls. 99 e segs.), esclareceu que o denunciado foi seu chefe durante cerca de um ano; por essa razão, comunicava com o denunciado por skype, identificando o perfil do denunciando como sendo aquele mencionado a fls. 98. Depois de o arguido ter sido despedido e em data que não se recorda mas que terá sido entre os meses de Setembro e Outubro de 2016, viu a viatura do arguido estacionada perto do local de trabalho do ofendido. Que através da sua conta skype teve acesso aos posts documentados de fls. 59 a 65.

      JJ., a fls. 110 e seg., disse que, talvez no final de 2016, e por ter deixado de ver o arguido estacionar no parque onde trabalha como vigilante, viu-o perto do parque e dirigiu-se-lhe; o arguido disse-lhe que já não estacionava naquele local por ter deixado de trabalhar na empresa, por se ter chateado com o sócio. Quando o denunciante ia a entrar no parque, o arguido disse "vem aí o gajo', altura em que olhou para o ofendido e disse "tás a olhar para mim, com essa cara", não se recordando se o denunciante respondeu.

      O arguido usou do direito ao silêncio a fls. 106, prestando declarações de fls. 142 a 144. No que ao caso interessa, disse então: que por via do comportamento assumido pelo assistente quanto à rescisão do contrato de trabalho, os seus objectos pessoais ficaram nas instalações da empresa sem que a eles tivesse acesso. Todas as quartas-feiras participa num almoço no Hotel ………., facto que é do conhecimento do assistente. No dia 4.1.2017, quando abandonava esse almoço, verificou que a viatura do assistente se encontrava parada em frente da sua, sem ocupantes; por ter achado tal conduta estranha, voltou ao hotel, de onde saiu novamente acompanhado por KK e LL; nessa altura, KK cumprimentou o assistente e falou com ele, encontrando-se o assistente dentro do carro do lado do condutor; de seguida, o casal abandonou o local. Voltou a falar com o assistente na Av. da República, num parque público onde são estacionados as viaturas da empresa. O MM pediu-lhe que recebesse uns currículos; no momento em que chegou o assistente disse-lhe "contigo não falo' e virou-lhe...

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