Acórdão nº 1041/14.6TBPTM-C.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução30 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 1041/14.6TBPTM-C.E1 Em embargos de executado deduzidos por (…) – Promoção Imobiliária, Lda., contra Hipoteca (…), SARL, a embargante interpôs recurso de apelação do despacho saneador, formulando as seguintes conclusões:

  1. Sem prejuízo da apelante ter interposto recurso do despacho saneador na parte em que julgou a determinação das custas a cargo da executada e a aplicação de sanção processual de taxa sancionatória excepcional, o que foi feito tempestivamente em recurso próprio, o presente recurso é apresentado por existirem fundadas reservas relativamente à (falta de) fundamentação do tribunal na decisão sobre a que julgou improcedentes as excepções invocadas, sendo que tais questões também poderiam ter sido analisadas pela discussão oral desta questão na audiência prévia, entretanto dispensada, conforme 2.º § do despacho saneador. O presente recurso é, assim, também, apresentado como forma de acautelar os direitos do apelante face a uma decisão cuja motivação não se afigura clara.

  2. Importa recordar que a apelante não é devedora de qualquer crédito à apelada, ou aos anteriores cedentes do crédito hipotecário, sendo antes apenas um interveniente enganado pela complexa teia de sistemas de créditos bancários à construção.

  3. De facto, apelada exequente e primitivos cedentes do crédito hipotecário só têm contra a ora apelante, executada nos autos, um crédito hipotecário, cujas hipotecas foram enganosamente registadas e não distratadas com a cumplicidade de construtora e banco e ardilosamente cedido entre participadas do banco e compradoras de ativos tóxicos em Portugal, sem que alguma vez a executada, ou mesmo o devedor original, o tenha consentido.

  4. Perante a flagrante injustiça, a apelante fez uso do direito que lhe assiste o artigo 731.º do CPC, utilizando, além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729.º, na parte em que sejam aplicáveis, quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.

  5. Foi no uso deste direito que a apelante invocou nos seus embargos de executado diversos fundamentos de oposição, a saber: i) A falta de personalidade, ou de capacidade judiciária da exequente para figurar na presente lide; ii) A falta de prova do mandato da exequente, ou insuficiência ou irregularidade do mesmo; iii) A inexistência de título executivo quanto à executada; iv) A nulidade do contrato de cessão de créditos entre o Banco (…) à (…), por inexistência de citação do devedor e falta de habilitação da exequente; v) A ilegalidade do registo predial no registo do contrato de cessão de créditos entre o Banco (…) à (…), mormente nos termos da alínea c) do art.º 16.º do Código de Registo Predial; vi) A existência de litispendência dos presentes autos com a ação que se encontra a correr termos no 1.º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão, processo n.º 1015/11.9BPTM; vii) A nulidade da cessão de créditos operada entre o banco e a (…), por ser contrário à lei o negócio celebrado, quer porque o seu objecto social não o permite, quer por falta de resolução do negócio, quer ainda por falta de citação do devedor principal; viii) A nulidade da cessão de créditos operada entre a exequente e a (…); ix) A redução da hipoteca; x) A condenação do Banco (…) em litigância de má-fé, enriquecimento sem causa e extinção da hipoteca; xi) O benefício de excussão prévia do património da devedora principal, suspendendo-se os presentes autos quando à executada; xii) E posterior aos embargos, no requerimento de folhas 461 a 465, o conhecimento oficioso da nulidade da cessão de crédito por força do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2016, publicado em Diário da Republica na 1.ª série, n.º 4, de 7 de Janeiro de 2016, alegando, em síntese, que a cessão de crédito é interdita por lei a instituições que não sejam instituições de crédito.

  6. Sobre a falta de personalidade, ou de capacidade judiciária, o tribunal a quo não põe em causa o direito da executada, mas considera que esse pedido não é compatível com a função destinada ao apenso declarativo de oposição mediante embargos de executado.

  7. Não assiste razão ao tribunal a quo na medida em que, como é admitido pelas partes, a executada não é a devedora originária, nem parte na relação material da obrigação exequenda, pelo que só foi confrontada com a questão na execução, sendo obrigada a opor-se em sede de embargos.

  8. A executada, antes da execução, não conhecia, nem tinha qualquer interesse directo, ou legitimidade processual, que justificasse demandar a exequente numa acção a pedir a cessação da atividade da exequente e liquidação do seu património.

  9. A exequente não juntou qualquer certidão comercial, mas apenas um número de identificação de pessoa colectiva não residente para efectuar em Portugal um acto isolado, apesar da própria cessão de créditos ser há mais de um ano e de centenas de activos e milhões de euros e portanto, objetivamente, não um acto isolado.

  10. Assim, a executada, na sua defesa, para além dos meios de defesa próprios dos embargos, solicitou e bem a intervenção do ministério público (a quem cabe a legitimação activa para a acção do artigo 4.º, n.º 3, do CSC) para a verificação do incumprimento de obrigações fiscais da exequente, assim como para ordenar a cessação e liquidação do património à luz do artigo 4.º do Código das Sociedades Comerciais o que, a confirmar-se, obrigará à nulidade do processo, excepção dilatória não suprível, de conhecimento oficioso, vide alínea b) do art.º 577 CPC.

  11. Por outro lado, a questão é matéria de enormíssima relevância de interesse público que cabe especialmente ao ministério público e que ultrapassa a presente execução. Nas palavras do Prof. Dr. Pedro Leitão Pais de Vasconcellos, “os interesses protegidos pelo art. 4.º são aqueles para os quais o seu regime jurídico apresenta utilidade para atingir o fim do sujeito que interesse ao direito proteger. Estes fins são de duas ordens: por um lado, o regime do art. 4.º do CSC é útil proteger o comércio em geral: a concorrência, o mercado, o lucro, a troca, por exemplo. … A par destes interesses, verificam-se interesses colectivos, como sucede com a protecção de direitos de personalidade e dados pessoais relativamente a sociedades que emitam dívida ao público (por exemplo, papel comercial) …. Nestes casos, face à dispersão dos interesses pela colectividade, é fundamental a protecção por parte do Ministério Público. O mesmo regime é também útil para proteger os “interesses individuais homogéneos”, que consistem no reflexo particular de alguns fins protegidos pelo art.º 4.º CSC. O interesse de um concorrente na lealdade da concorrência, ou na estabilidade do mercado. Para além destes interesses que são gerais, o art.º 4.º CSC é útil para a protecção de fins específicos de determinados sujeitos. Ao obrigar à instituição de uma representação permanente e ao respeito pelas regras de registo, o art.º 4.º é útil para informações sobre a sociedade comercial estrangeira que permite accioná-la judicialmente, por exemplo, ou que permite enviar-lhe uma qualquer declaração negocial. Também estes interesses particulares são relevantes para o art.º 4.º, n.º 3, do CSC, porquanto sem este regime o art.º 4.º, n.º 1, deixa de apresentar uma tutela para as pessoas que ele pretende proteger.” L) No caso concreto, sendo a cessão de créditos que subjaz a execução uma operação com um valor de aquisição de créditos hipotecários de € 15.400.000,00 (quinze milhões e quatrocentos mil euros), correspondente a centenas de créditos hipotecários, uma decisão do ministério público no sentido da verificação da situação, não só trará uma eventual concreta e relevante contingência fiscal de incumprimento de obrigações fiscais da exequente, mas pode levantar o véu sobre a duvidosa legalidade do mercado de transmissão dos activos tóxicos das instituições financeiras em Portugal a operadores não registados.

  12. Por outro lado, não podemos concordar com a posição restritiva e simplista que defende o tribunal a quo quando afirma que a sociedade com sede no estrangeiro não se encontra obrigada às disposições nacionais no que respeita ao registo da sua constituição e capacidade para praticar actos vinculativos, senão vejamos: N) Sem prejuízo da douta troca de opiniões entre autor do artigo 4.º do CSC e críticos (Prof. Dr. António Caeiro e Prof. Dr. Moura Ramos), a única obra doutrinária específica particularmente recente sobre o artigo 4.º do CSC é da autoria do Prof. Dr. Pedro Leitão Pais de Vasconcelos.

  13. Refere o citado professor na obra citada, folhas 52 e 53, “No caso das sociedades comerciais portuguesas constituídas em Portugal, a falta de registo importa a falta de personalidade jurídica. No caso das sociedades comerciais portuguesas constituídas noutro estado (e admitindo que tenham adquirido personalidade jurídica de acordo com a lei desse estado) estas podem manter a sua personalidade jurídica (art.º 3.º, n.º 2), desde que procedam ao registo do contrato junto do registo comercial português. O art.º 3.º, n.º 3, do CSC determina que o regime do art.º 3.º, n.º 2, do CSC apenas atinge os seus efeitos com o registo do contrato. Assim, quer a sociedade comercial portuguesa tenha sido constituída em Portugal ou noutro estado, a falta de registo implica a falta de personalidade jurídica. Em consequência, todas as sociedades comerciais portuguesas estão obrigadas a proceder ao registo do contrato, sob pena de falta de personalidade jurídica. Na prática, a consequência aplicada é a da inactividade da sociedade comercial enquanto tal… Uma sociedade comercial portuguesa que pretenda exercer a actividade durante 1 (um) ano sem proceder ao registo, não o pode fazer, porquanto não beneficia de personalidade jurídica. Como tal as sociedades comerciais portuguesas não podem exercer atividade enquanto pessoas coletivas sem procederem ao registo. Por sua vez, as sociedades comerciais estrangeiras podem exercer a actividade em Portugal por...

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