Acórdão nº 1014/15.1T8STR-C.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelRUI MACHADO E MOURA
Data da Resolução30 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

P. 1014/15.1T8STR-C.E1 Acordam no Tribunal da Relação de Évora: (…), (…), (…), e (…), (…), (…), (…) e (…), na sua qualidade de credores e ex-trabalhadores da sociedade, entretanto declarada insolvente, (…), Transportes e Bombagem de Betão, Lda., inconformados com a sentença de verificação e graduação de créditos, na parte em que não reconheceu aqueles trabalhadores reclamantes o privilégio imobiliário especial pelo produto da venda do imóvel correspondente à verba nº 1 do auto de apreensão (graduando os respectivos créditos em primeiro lugar), vieram apelar de tal decisão para esta Relação.

Assim temos que, (…), (…), (…) e (…) apresentaram as suas alegações de recurso tendo terminado as mesmas com as seguintes conclusões: 1 - O Privilégio creditório especial de que gozam os créditos dos trabalhadores “incide sobre os imóveis que integram de forma estável a organização empresarial da insolvente a quem pertencem os trabalhadores, independentemente das funções concretas exercidas por estes e da localização do seu posto de trabalho.

2 - O crédito dos Recorrentes que conduziam veículos pesados da insolvente e estavam classificados com a categoria de motoristas de pesados, gozam de privilégio imobiliário especial para além do privilégio mobiliário geral, relativamente ao imóvel apreendido nos autos que estava afeto à atividade empresarial da insolvente, onde se fazia a revisão e reparação dos veículos que conduziam, não obstante trabalharem no exterior na condução dos veículos que transportavam betão para as obras.

3 – A douta decisão recorrida violou o principio da igualdade, constitucionalmente consagrado e as al.s a) e b) do art. 333º do Cód. do Trabalho, pelo que, 4 - Deve ser revogada e substituída por outra que reconheça que os créditos dos Recorrentes gozam de privilégio imobiliário especial sobre o bem imóvel apreendido como verba n° 1 dos autos, mantendo-se o privilégio mobiliário geral já reconhecido.

5 - O facto do Sr. Administrador de Insolvência ter referido na lista de credores que alguns trabalhadores trabalhavam no imóvel, omitindo-o em relação a outros tantos, não condiciona a decisão do Sr. Juiz - Nesse sentido AC TRE de 16 Abril 2015, P. 2816/10.TBEVR-E.E1; TRL de 17.3.2011, P. 1058/10.OT2SNT-G.4; Ac. STJ 25.11.2008, P. 083102 disponível em www.dgsi.pt; Ac. TRC de 16.10.2007, P. n.° 3213/04.2TJCBR-A2.4.

Por sua vez, (…) também apresentou as suas alegações de recurso, terminando as mesmas com as seguintes conclusões: 1- Salvo o devido respeito, melhor e douta opinião em contrário, é manifesta na douta sentença recorrida, a violação quer do disposto nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 333º do CT, quer de um dos princípios basilares do Estado de Direito que é o principio de igualdade constitucionalmente consagrado, ao distinguir duas classes de trabalhadores (uma com privilégio imobiliário especial sobre o bem imóvel apreendido como verba nº 1 e mobiliário geral sobre todos os bens móveis apreendidos e outra apenas com privilégio mobiliário geral sobre todos os bens móveis apreendidos, onde englobou o ora Recorrente ) baseando-se apenas na mera indicação, feita pelo Sr. administrador que determinados trabalhadores exerciam a sua atividade sobre o imóvel da insolvente.

2- Na lista definitiva que elaborou em 16.08.2017 ao abrigo do disposto no artigo 129º do CIRE, o Administrador de Insolvência veio a reconhecer todos os créditos laborais como privilegiados.

3- De referir que o único imóvel apreendido para a massa e descrito sob a verba nº 1, era onde a insolvente tinha as suas instalações e a sua sede, pelo que a douta sentença recorrida deveria ter reconhecido a todos os créditos laborais (incluindo o do Recorrente) o privilégio imobiliário especial sobre tal imóvel.

4- O ora Recorrente em requerimento dirigido ao Administrador de Insolvência veio reclamar um crédito no valor global de € 17.218,49 (respeitante a salários, férias, subsidio de férias e de Natal, proporcionais de férias, de subsídio de férias e de natal e compensação pela cessação do contrato de trabalho), requerendo que o seu crédito seja verificado, reconhecido e graduado na posição que legalmente lhe competir, com os privilégios que resultam do facto de serem créditos resultantes da prestação de trabalho e da cessação do respetivo contrato de trabalho.

5- Mais alegou o Recorrente na sua reclamação de créditos, que era motorista de pesados ao serviço da insolvente, pelo que, salvo o devido respeito, entende que não seria necessário invocar outros factos para que se verifiquem os direitos do ora Recorrente de serem pagos pelo produto da venda do imóvel da insolvente.

6- O imóvel apreendido nos autos identificado sob a verba nº 1 é o local onde se faziam as revisões e reparações dos veículos que o Recorrente conduzia.

7- Pelo que o Recorrente como motorista de pesados que foi ao serviço da insolvente, tem também direito ao produto da venda de tal bem, tal como os que lá alegadamente trabalhavam as 8 horas diárias.

8- A jurisprudência dominante dos tribunais superiores sufraga o entendimento, de que o privilégio imobiliário especial conferido pela al. b), do artigo 333º CT que beneficia os créditos dos trabalhadores “incide sobre os imóveis que integram de forma estável a organização empresarial da insolvente a quem pertencem os trabalhadores, independentemente das funções concretamente exercidas por estes e da localização do posto seu trabalho” – Veja-se nesse sentido o Ac. RC de 24.02.2015, processo nº 3475/12; Ac. TRE de 26.03.2015, processo nº 1172/13, AC. TRC de 16.05.2017, processo nº 923/11.1TBCTB-C.C2: e Ac. STJ de 30 de Maio de 2017, processo nº 4118/15.7T8CBR-B.C1.S1.

9- Veja-se também nesse sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21.02.2018, processo nº 7899/16.7T8CBR-C.C1, in www.dgsi.pt, que refere que: “Importa, pois, desde logo, averiguar do âmbito/alcance do mencionado artigo 333.º, ao referir que o privilégio em causa incide sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade. No que a tal respeita e em primeiro lugar – salvo aqui o respeito por entendimento diverso – não se vê que o legislador só tenha imaginado conceder o privilégio em questão relativamente ao imóvel ou imóveis nos quais, regular ou habitualmente, o trabalhador haja executado a sua prestação para a entidade patronal… Depois há inúmeras situações de trabalhadores que, pela natureza das suas funções, têm de exercer a sua actividade necessariamente fora do imóvel ou imóveis em que se concentram o processo produtivo ou administrativo da empresa: veja-se o caso dos motoristas, dos trabalhadores de veículos de transporte…..todos eles naturalmente contratados para desempenharem tarefas no exterior dos imóveis em que eventualmente se posicionem as instalações da entidade empregadora”.

“... Trata-se, pois, de averiguar se o imóvel em causa, integra ou não a organização empresarial da insolvente, se o mesmo era relevante para a prossecução do escopo societário da insolvente”.

10- Conforme vem sufragado no citado Acórdão: “local onde o trabalhador exerce a actividade”, tem vindo a ser entendido de forma lata, abrangendo todos os imóveis da entidade patronal que estejam afectos à sua actividade empresarial, à qual os trabalhadores estão funcionalmente ligados, independentemente da localização, em concreto, do respectivo posto de trabalho. Devendo atender-se ao critério lato acima referido, por se mostrar o mais ajustado com a realidade das coisas, para além de que é o que, maioritariamente, se segue no STJ. Neste sentido, por último o seu Acórdão de 30 de Maio de 2017, Processo n.º 4118/15.7T8CBR-B.C1.S1 e no qual se faz uma resenha jurisprudencial da questão ora em apreço”.

11- O facto do Sr. Administrador de Insolvência ter referido na lista de credores que alguns trabalhadores trabalhavam no imóvel, omitindo-o em relação a outros tantos, não condiciona a decisão do Sr. Juiz. Veja-se nesse sentido o Ac. TRE de 16 de Abril de 2015, processo nº 2816/10.T8EVR-E,E1; TRL de 17.3.2011, proc. nº 1058/10.0T2SNT-G.4; Ac. STJ de 25.11.2008; Ac. TRC DE 16.10.2007, processo nº 3213/04.2TJCBR-A2.4 in www.dgsi.pt. e o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, de 06/07/2016, Processo nº 3144/11.0TBCLD-B.C1, in www.dgsi.pt.

12- O tratamento igualitário de todos os créditos laborais, ainda que alguns não tenham invocado devidamente algum dos privilégios que lhes são concedidos por lei, impor-se-á, não só, pelo interesse público que subjaz ao processo de insolvência, refletido no princípio par conditio creditorum, expressamente consagrado no nº 1 do artigo 194º CIRE – o interesse do Estado na insolvência e o fim do instituto consistem na realização coativa do dever de conceder um tratamento paritário aos credores – mas, essencialmente, pela especial natureza dos créditos em causa.

13- A favor de tal entendimento está a proteção tradicionalmente conferida aos créditos laborais, uma vez que a própria concessão de privilégios é suportada numa imposição constitucional – dispondo o nº 3 do artigo 59º da CRP que “os salários gozam de garantia especial, nos termos da lei” – traduzindo uma “discriminação positiva dos créditos salariais em relação aos demais créditos sobre os empregadores].

14- O direito ao salário elevado ao nível de direito fundamental do trabalhador – enquanto garantia da sua subsistência e do seu agregado familiar – concretizado nos princípios da indisponibilidade, irredutibilidade e impenhorabilidade, rejeita um tratamento diferenciado na insolvência aos trabalhadores de uma mesma empresa quando, reconhecidamente e face aos elementos a que o AI teve acesso todos eles gozam de um mesmo privilégio sobre determinado bem, só porque alguns deles não o invocaram ou alegaram insuficientemente a materialidade que lhe subjaz.

15- Numa interpretação ampla do aludido preceito defende a maioria da jurisprudência que tal privilégio imobiliário especial abrange todos os imóveis do empregador afetos à sua...

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