Acórdão nº 961/17.0PBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelBRIZIDA MARTINS
Data da Resolução05 de Junho de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

* I.

Relatório.

1.1. Junto da 2.ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Viseu, correram termos uns autos de inquérito crime tendentes a averiguar da eventual verificação de diversos ilícitos, sendo também distintos os seus agentes.

No momento processual azado, e ao que ora releva com interesse para o presente recurso, o Ministério Público proferiu despacho ditando o arquivamento respectivo na parte em que se indagou da eventual emergência de um crime de ameaça p.p.p. 153.º do Código Penal, sendo seu agente o arguido … e vítima a assistente …, ambos entretanto já mais identificados [cfr. fls. 189/193].

No intuito de obter a pronúncia deste arguido, a também mencionada assistente requereu a abertura da fase facultativa da instrução, apresentando para o efeito o libelo acusatório que é fls. 274/276.

Tramitada a fase facultativa instaurada, a M.ma JIC prolatou a decisão instrutória que é fls. 319 e segs., por cujo intermédio decidiu, no que concerne, “Não pronunciar o arguido … pelos factos e pelo crime de ameaças, p.p.p. artigo 153.º do CP, que constam do RAI da assistente.” [sic fls. 333] 1.2. Mostrando-se agora irresignada com o teor da decisão instrutória, e visando obter a pronúncia denegada, recorre a assistente para este Tribunal da Relação, sendo que da motivação com que fundamentou tal dissídio extraiu as seguintes conclusões, que se transcrevem [fls. 350/1]: «1- O Tribunal a quo decidiu não pronunciar o arguido … pela prática do crime de ameaça, p.p. 153.º do Código Penal, entendendo que as expressões “Que lhe ia fazer a vida negra” e “Que na inauguração dos “ ... ” iria fazer um escabeche e arruinar-lhe a vida”, proferidas no dia 4 de julho de 2014, dirigidas, publicamente, à recorrente não tinham a intenção de provocar inquietação e perturbação; 2 - Mais concluiu que não vislumbrava qual o crime com que o arguido estava a ameaçar a recorrente; 3 - Com esta interpretação jurídica, o Tribunal a quo errou; 4 - Errou, em primeiro lugar, porque as expressões geraram medo e prejudicaram a liberdade de determinação da recorrente, que receou, justificadamente, que o arguido quisesse e pudesse arruinar a sua reputação, naquela data, suportando o medo inerente a essa conduta anunciada; 5 - As expressões reproduzidas em 1. tiveram o intuito de atemorizar e coarctar a liberdade de actuação da recorrente, através de uma intimidação futura, determinada, que, mediante um mal importante, a constrangeu a suportar essa ameaça.

6 - Assim sendo, estão preenchidos os elementos objectivos do crime de ameaça.

7 - Quanto ao tipo subjectivo de crime de ameaça, exige-se que a actuação do arguido tenha sido perpetrada com dolo (artigo 14.º do C. Penal), em qualquer uma das suas modalidades.

8 - O arguido … demonstrou um animus de lesar a recorrente na sua liberdade pessoal no evento da inauguração, através da indução de que lhe provocaria embaraço na inauguração dos “ ... ”, concretizando, publicamente, a sua intenção.

9 - Mantendo-a suspensa acerca da forma como iria arruinar a sua vida, causando-lhe medo e inquietação que abalaram, de forma grave, a sua estabilidade psicossomática.

10 - Por último, no âmbito estrito da instrução, para que exista pronúncia apenas é necessário que existam indícios suficientes da prática do crime.

11 - Por tudo o exposto, errou, na sua interpretação jurídica, o Tribunal a quo ao não pronunciar o arguido … pelos factos e pelo crime de ameaça, p.p. artigo 153.º do C. Penal.

12 - Com esta decisão, o Tribunal a quo violou as normas constantes dos artigos 153.º do C. Penal, assim como o artigo 308.º n.º 1 do CPP.» 1.3. Proferido despacho admitindo o recurso, bem como fixando o seu regime de subida e efeito [fls. 372], seguiram-se respostas dos sujeitos processuais visados com essa interposição, sufragando ambos o seu improvimento. Assim: Do Ministério Público que em síntese conclusiva rematou com a seguinte ordem de ideias [fls. 381]: «1 – No inquérito instaurado, com os elementos então constantes dos autos[1] foram reunidos indícios entendidos como suficientes para deduzir acusação contra o arguido … pela prática de um crime de ameaça.

2 – As diligências levadas a efeito em sede de instrução também não trouxeram aos autos novos elementos que infirmassem as conclusões do inquérito.

2 – Como consequência concluiu a Sr.ª Juíza a quo ser mais possível a absolvição do arguido em sede de julgamento do que a sua condenação.

4 – Por tal razão, foi proferido despacho de não pronúncia do arguido, como se impunha.» Bem como do arguido … [fls. 382//3] que, coligindo alguma jurisprudência, sufraga não assumirem as expressões por si proferidas idoneidade para o preenchimento do tipo de ilícito apontado.

1.4. Observadas as formalidades devidas, remeteram-se os autos para este Tribunal da Relação, onde, aquando do momento previsto pelo art.º 416.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer conducente também ao improvimento do recurso interposto.

No âmbito do subsequente art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, a recorrente/assistente não apresentou qualquer resposta a tal parecer.

Aquando do exame preliminar dos autos, porque se não descortinou a emergência de fundamento que obstasse ao prosseguimento do recurso, ordenou-se a recolha dos vistos devidos, o que sucedeu, e sua submissão a conferência.

Dos trabalhos desta emerge a presente apreciação e decisão.

* II.

Fundamentação.

2.1. O despacho recorrido[2] tem o teor que segue: «I-Relatório: Iniciaram-se os presentes autos com a denúncia apresentada...

Por seu turno no âmbito do NUIPC 963/17.7PBVIS … apresentou queixa contra …, … e …, por factos ocorridos no mesmo dia, onde refere que estava na esplanada do ... , quando o suspeito … lhe disse que lhe ia fazer a vida negra, que na inauguração dos ... , iria fazer um escabeche e arruinar-lhe a vida...

Findo o inquérito...

Por seu turno, a assistente/arguida … veio requerer a abertura de instrução, pretendendo a pronúncia do arguido …, pela...

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