Acórdão nº 57/18.0T8LMG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelISAÍAS PÁDUA
Data da Resolução28 de Maio de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra I- Relatório 1. No Juízo de Família e Menores de Lamego do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, o autor, M...

, instaurou (em 27/02/2018) contra o réu, S...

, ambos melhor identificados nos autos, a presente ação, com forma de processo comum, de investigação e reconhecimento de paternidade.

Para o efeito, alegou, em síntese, o seguinte: Ter nascido em 13/06/1957, na freguesia de ..., tendo sido registado apenas como filho de F..., no estado de solteira e residente no Lugar de ..., não constando do mesmo assento de nascimento o nome do pai.

No ano de 1954, e quando tinha apenas 17 anos de idade, a sua mãe foi trabalhar para quinta que os pais do R. exploravam e onde o último também trabalhava.

A mãe do autor e o réu passavam então muito tempo juntos, surgindo uma relação de proximidade entre ambos, tomando-se de amores um pelo outro.

Nessa sequência de tal, o R. aproveitando-se da fragilidade e inexperiência da mãe do autor (que era então virgem) conseguiu seduzi-la, de modo a convencê-la a consentir em ter relações sexuais com ele.

A partir daí o R. e a mãe do A. passaram a ter regulamente relações sexuais, de cópula completa, como se casados fossem, e que levaram à conceção e nascimento do autor.

Nunca até então, e nomeadamente nos primeiros 120 dias dos 300 que precederem o nascimento do A., a sua mãe manteve relações sexuais com outrem, a não ser com o R..

Como o réu, não pretendia assumir qualquer tipo de compromisso com ela -, ameaçando-a para não contar a ninguém que era ele o pai -, a mãe do autor ocultou a gravidez e nunca contou a ninguém sobre a paternidade do autor, que nunca soube, por isso, quem era o seu pai.

A mãe do autor acabou por falecer sem nunca lhe dizer quem era o seu pai.

Porém, só há cerca de sete meses o autor veio a ter conhecimento de que o réu era o seu pai, através de uma conversa com pessoas da referida freguesia de ..., que ali tinham visto a mãe do autor a trabalhar e lhe disseram que o réu era o seu pai e que era isso que constava, devido à proximidade que sempre se viu entre os dois antes do seu nascimento. Versão essa que depois veio a ser confirmada por um irmão do R., o qual, na sequência de um conversa que com ele manteve, afirmou ser seu tio, pois que o R. era seu pai, como o mesmo sempre soube.

No entanto, o réu nunca aceitou falar com o autor para esclarecer a veracidade ou não de tais factos, o que o levou a instaurar a presente ação.

Pelo que terminou o A. pedindo que, por via de decisão judicial a proferir nesta ação, seja estabelecida a sua filiação paterna, declarando-se que o R. é seu pai, ou, seja, que o A. é filho dele, devendo, consequentemente, condenar-se o R. a reconhecê-lo, ordenando-se ainda, e em consequência, que essa paternidade/filiação seja averbada no seu respetivo assento de nascimento.

  1. Na sua contestação, o réu defendeu-se, por impugnação e por exceção.

    No que concerne a primeira defesa contraditou, na sua essencialidade, os factos alegados pelo A., negando que ser o pai dele.

    No que que concerne à segunda defesa, invocou a caducidade do direito (de ação) do autor.

    Para tanto, e em síntese, alegou que, nos termos do disposto no artº. 1817º, nº. 1, ex vi artº. 1873º, do CC, dispunha o A. do prazo de dez anos, após atingir a sua maioridade, para instaurar a presente ação de investigação de paternidade.

    Acontece, que, tendo o autor nascido em 13/06/1957, já decorreram mais de 42 anos sobre a data em que atingiu a sua maioridade – tendo o mesmo inclusive conhecimento, pelo menos há mais de 40 anos, do envolvimento do réu com a sua mãe, e portanto, sempre também, e de qualquer modo, há muito mais de 7 meses que teve conhecimento das circunstâncias alegadas que o levaram considerar o réu como seu pai -, e daí ter já caducado o seu direito (de ação).

    Pelo que, em qualquer circunstância, terminou pedindo a improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido.

  2. Respondeu o autor alegando e reafirmando que, não obstante terem decorrido mais de 10 anos sobre a data em que atingiu a maioridade, só teve conhecimento de que o réu seria o seu pai, e das circunstância por si alegadas na petição inicial que o levaram a esse seu conhecimento, no verão anterior à data da instauração de ação, ou seja, cerca de 7 meses antes de a mesma ter sido proposta, pelo que o fez dentro do dentro do prazo estatuído no nº. 3 do artº. 1817º do CC (sendo, aliás, de qualquer modo, inconstitucional a estipulação do prazo consagrado no nº. 1 do citado artº. 1817º ).

    E daí ter concluído pela improcedência da exceção de caducidade do seu direito (de ação) invocada pelo R..

  3. Na audiência prévia a sra. juíza a quo - depois de para o efeito ter obtido a concordância dos ilustres mandatários das partes – decidiu (por entender nisso ser proferível, até porque haveria que suportar, desde logo, custos elevados com a realização do necessário exame pericial) conhecer em primeiro lugar da matéria relativa à aludida exceção de caducidade, e só depois – no caso de a mesmo vir a ser julgada improcedente –, conhecer do fundo/mérito da causa (ordenando então o prosseguimento dos autos para esse efeito).

    Desse modo, designou audiência para inquirição das testemunhas arroladas para a discussão da matéria factual sobre a aludida exceção de caducidade, a qual decorreu no dia 03/12/2018, com a gravação dos depoimentos nela prestados.

  4. Realizada tal audiência, a sra. juiza a quo proferiu sentença, no final da qual, julgando procedente a aludida execeção de caducidade invocada pelo R., decidiu nos seguintes termos: « Pelo exposto e por se entender não ter logrado o Autor, conforme lhe competia, demonstrar que não tinha conhecimento prévio da identidade do pretenso pai até à data em que alega ter ocorrido tal conhecimento, sem identificar as pessoas de quem ouviu a tal “conversa” e tendo o irmão do Réu negado a confirmação que o Autor lhe atribui, considero procedente a exceção perentória da caducidade invocada pelo Réu e, em consequência, absolvo o Réu do pedido, determinando o oportuno arquivamento dos autos.) » 6. Inconformada com tal decisão, dela apelou o autor, tendo concluído as respetivas alegações de recurso nos seguintes termos: ...

  5. O réu contra-alegou, concluindo as suas contra-alegações nos seguintes termos: ...

  6. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.

    II- Fundamentação 1.

    Do objeto do recurso.

  7. Questão prévia.

    Quando impugne a decisão da matéria de facto, o recorrente deve obrigatoriamente especificar/indicar, sob pena de rejeição, (artº. 640º, nº. 1, CPC) “os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” (al. a)) e quais “os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b)) – cujo sentido deve indicar (al. c)) -, sendo que, no caso de os meios probatórios terem sido gravados, lhe incumbe ainda, “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº. 2 al. a) ).

    No nº. 1 do citado normativo (als. a), b), e c), estabelece-se, pois, um ónus primário (que se traduz no dever de delimitação e de fundamentação da impugnação da decisão da matéria de facto) e no nº. 2 al. a) desse mesmo normativo um ónus secundário (traduzido no dever da exata indicação as passagens da gravação em que se funda o recurso, quando os meios probatórios invocados como fundamento no erro na apreciação da prova tenham sido gravados).

    Muto embora o A./apelante refira, tout court, que a decisão proferida é contrária à prova produzida em audiência de julgamento e que a análise da prova levada a efeito pelo tribunal não traduz fielmente as declarações das testemunhas, fá-lo, todavia, de forma genérica e ambígua, sem que tenha cumprido os ónus atrás referidos, e mais concretamente sem que tenha especificado os concretos pontos de facto por si considerados incorretamente julgados e o sentido que, no seu entender, deverá ser proferida a decisão sobre eles, sendo certo ainda que no que concerne aos meios probatórios, igualmente, de forma genérica e vaga, refere as testemunhas ... (omitindo, em relação a esta, por completo, qualquer referencia à passagem do seu depoimento gravado), pelo que se efetivamente foi a intenção do A. impugnar a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal a quo (e não estamos certos/seguros que o tenha sido, cfr. nomeadamente o teor das conclusões 3ª, 6ª e 8ª, e do próprio corpo das alegações que as precedem de fls. 774/775 e ss.), então, por inobservância daquele citado normativo legal, rejeitaremos tal impugnação dessa decisão de facto.

    Aliás, sempre diremos ainda, de forma perfunctória, que mesmo que se admitisse tal impugnação, ela estaria sempre votada ao fracasso, pois que – tendo mesmo chegado a ouvir a sua gravação, e cujo teor se descreve, na sua essencialidade, na sentença com acentuada fidelidade –, e até pela contraditoriedade que muito dos depoimentos prestados em audiência apresentam, persistiria, em nós, a dúvida sobre a realidade desses factos, e particularmente quanto à essência daqueles alegados pelo A., para além dos que constam como provados na decisão da matéria de facto.

    1.2 Posto isto, é sabido que é pelas...

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