Acórdão nº 346/16.6PESNT.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelFERNANDO ESTRELA
Data da Resolução23 de Maio de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam na 9ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I - No proc.° n.° 346/16.6PESNT, da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Criminal de Sintra, Juiz 3, por sentença de 17 de dezembro de 2018, foi decidido julgar a acusação procedente e, em consequência condenar o arguido AA pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de maus tratos a animais de companhia, p. e p. pelo artigo 387.°, n.° 1 do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis euros), no total de € 600,00 (seiscentos euros).

II — Inconformado, o arguido AA interpôs recurso formulando as seguintes conclusões: 1. O Arguido foi condenado pela prática de um crime de maus tratos a animais de companhia, p. e p. pelo art. 387° do CP, na pena de multa de 100 (cem) dias à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo o total de € 600,00 (seiscentos euros).

2. Para fundamentar a sua decisão, o Tribunal a quo considerou credíveis os depoimentos das duas testemunhas de acusação e julgou que o Arguido praticou um acto intencional e deliberado, agindo com consciência da ilicitude do facto.

3. Julgou provados os seguintes factos: " 1 - No dia 27 de Agosto de 2016, cerca das 20h00 horas, na Rua …………………..São Marcos, o Arguido AA aproximou-se do canídeo de raça indefinida, de cor branco e castanho, pertencente a BB.

De súbito e sem que nada o justificasse, o Arguido desferiu um pontapé na zona abdominal do canídeo.

- Como consequência directa e necessária da conduta do Arguido, o canídeo sofreu dores na zona do corpo atingida.

- O Arguido ao actual da forma descrita, agiu com o propósito concretizado dc molestar fisicamente aquele canídeo e de lhe provocar dor e sofrimento, sem qualquer motivo que justificasse esta actuação.

- Agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei.

- O Arguido não tem antecedentes criminais registados." 4. Da prova realizada no julgamento emergiram testemunhos opostos das duas testemunhas de acusação relativamente ao facto como decorreu a suposta "agressão", para além de congruentes as declarações do Arguido e o depoimento da Ofendida, na forma e local como os factos sucederam, particularmente, que não foi o aqui Arguido que se dirigiu ao canídeo, mas sim o contrário, foi o canídeo que foi ter com o Arguido.

5. Face à prova produzida em sede de julgamento, o Recorrente, não pode concordar com o enquadramento jurídico e com a sentença à qual foi condenado pela prática do crime que lhe era imputado.

6. Ora, com o devido respeito, não é de todo essa factualidade que resulta das declarações prestadas pelo Arguido em sede de Audiência de Julgamento, uma vez que não existiu qualquer intencionalidade ou vontade de actuação, conforme de seguida se transcreve: (a voltas 3.40 a 9.30) (• ) 7. A mesma descrição factual é relatada pela ofendida e testemunha da acusação, Exma. Senhora BB, conforme depoimento que se transcreve de seguida: (a voltas 3.00 a 5:44): (• • .) 8. Ficou ainda provado que o canídeo vinha sem trela e sem açaime, e assim o Recorrente não tinha como saber se o cão se dirigia a si para lhe morder ou não, tendo em conta que a própria testemunha e dona do cão admite que ele costumava saltar para cima das pessoas, conforme se transcreve de seguida (a voltas de 8.20 a 8.35): (• ) 9. A acrescer a tudo isto, foi ainda relatado pela citada testemunha o seguinte: (a voltas de 16:33' 18:30): (• • .) 10. Versão contraditória sobre a localização e actuação do Arguido, resulta do depoimento da testemunha CC, cujo depoimento se transcreve de seguida: (a voltas de 24:15 a 27:27): (—) 11. Foi referido não só pelo Arguido corno pela própria Ofendida que o cão começou a correr nas costas do Arguido e em direcção a este último, e empoleirou as patas da frente nas pernas do Arguido, 12. Desse modo, e como o referido canídeo andava sempre sem trela e sem açaime e era frequente atirar-se para cima das pessoas, o Arguido, licitamente, pensou e acreditou que este lhe ia morder e num acto defensivo, comummente chamado "coice" (expressão e gesto inclusivamente usados pela Ofendida), afastou o animal com o pé.

13. Não existiu qualquer intencionalidade, na medida em que não é o Arguido que deliberadamente e em consciência, se dirige ao animal! 14. É precisamente quando sente as patas do animal no seu corpo, que ele instintivamente e num acto reflexo de defesa, flecte a perna e afasta-o, tocando-lhe, mas sem qualquer intenção de lhe provocar dor ou maus tratos! 15. A segunda testemunha de acusação assevera mais do que uma vez que o cão vinha de trás, que o Arguido se virou e que só depois de se virar e de ver o animal, levantou o pé e deu-lhe um pontapé! 16. Ora, esta testemunha não pode ter visto o que disse em Audiência de Julgamento, e não pode ter visto por um único motivo: Não assistiu aos factos!, até porque o Arguido cruzou-se com esta testemunha à porta do n° 15 da referida Praceta, quando o Arguido estava a entrar e a testemunha a sair do prédio, já depois dos factos terem ocorrido! 17. No que concerne ao enquadramento jurídico-penal, preceitua o art. 387° n° 1 do CP que "Quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus tratos físicos a um animal de companhia é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias".

18. Relativamente ao elemento objectivo do tipo de crime, " o tipo de ilícito é a figura sistemática de que a doutrina penal se serve para exprimir um sentido de ilicitude, individualizando uma espécie de delito e cumprindo deste modo, a função de dar a conhecer ao destinatário que tal espécie de comportamento é proibida pelo ordenamento jurídico", conforme defende o Professor Doutor Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo 1, 2.a edição, Coimbra Editora.

19. No que concerne ao elemento subjectivo do tipo de crime, refere ainda o Professor Doutor Figueiredo Dias que, " O art. 13° determina que "só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência".

20. Ainda segundo a mesma doutrina e mais precisamente na apreciação e definição dos especiais elementos subjectivos "são as "intenções" os especiais elementos subjectivos que mais próximos se encontram do dolo do tipo. A intenção pode constituir apenas uma das formas que assume o elemento volitivo do dolo, a forma a que chamámos de dolo intencional ou dolo directo de primeira grau." 21. No que se refere ao elemento subjectivo do ilícito, o crime de maus tratos a animais de companhia p. e p. pelo art. 387° do CP é um crime doloso, em que pressupõe a inexistência de um motivo legítimo, implicando dessa forma a intencionalidade da actuação do agente.

22. Concluindo, há dolo quando o agente quis o facto criminoso.

23. O Arguido e aqui Recorrente não quis agir daquela forma e produzir os efeitos e consequências inerentes à sua involuntária e defensiva conduta.

24. Para terminar, existindo dúvidas como os factos ocorreram, depoimentos contraditórios das testemunhas de acusação inquiridas em sede de Audiência de Julgamento e não tendo resultado provado o dolo, ou seja, o elemento subjectivo do tipo de crime, não pode o Arguido, em prol do princípio da verdade e da justiça material e na defesa do princípio in dúbio pro reo, ser condenado pela prática do crime que lhe era imputado! Nestes termos e nos mais de Direito deve o presente Recurso ser admitido e ser revogada a Sentença Condenatória Recorrida, substituindo-a por uma Sentença que absolva o Arguido e ora Recorrente, da prática em autoria material de um crime de maus tratos a animais de companhia, previsto e punido pelo art. 387° do Código Penal.

III — Em resposta, veio o Ministério Público na 1.a instância manifestar-se no sentido da improcedência do recurso do arguido.

IV — Transcreve-se a decisão recorrida.

RELATÓRIO: O Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, de: -AA, nascido em ………, divorciado, informático, actualmente desempregado, (...) - imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de maus tratos a animais de companhia, p. e p. pelo artigo 387.°, n.° 1, com referência ao artigo 389.°, todos do Código Penal, cujos factos constantes da acusação do Ministério Público para julgamento, aqui se dão por integralmente reproduzidos.

(• • .) FACTOS PROVADOS: 1 - No dia 27 de Agosto de 2016, cerca das 20h00, na Rua ………….. São Marcos, o arguido AA, aproximou-se do canídeo de raça indefinida pertencente a BB.

2 - De súbito e sem que nada o justificasse, o arguido desferiu um pontapé na zona abdominal do canídeo.

3 - Como consequência direta e necessária da conduta do arguido, o canídeo sofreu dores na zona do corpo atingida.

4 - O arguido, ao atuar da forma descrita, agiu com o propósito concretizado de molestar fisicamente aquele canídeo e de lhe provocar dor e sofrimento, sem qualquer motivo que justificasse esta atuação.

5 - O arguido sabia que a sua conduta era e é proibida e punida por lei penal.

6 - Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei penal.

Mais se provou que: 7 - O canídeo tem o porte de um caniche e pesa 10 kg.

8 - O arguido não tem antecedentes criminais.

9 - Vive com a mãe, em casa desta.

10 - Está desempregado há mais de um ano e não tem rendimentos próprios, sendo sustentado pela mãe.

11 Não tem filhos.

12 - Tem o 12.° ano de escolaridade.

13 - O arguido não demonstrou arrependimento nem interiorizou criticamente o desvalor do ilícito e do resultado perpetrado.

(• • .) MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: (• • .) O arguido referiu que foi amigo de BB, dona do canídeo, e que se desentendeu com esta quando a mesma expulsou a filha de casa, tendo o arguido dado guarida à mesma. Aduz que, doravante, BB começou a insultá-lo.

Efetivamente, BB corroborou ter sido amiga do arguido, sendo que este se dava muito bem consigo e com o...

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