Acórdão nº 1700/17.1T9VIS-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelHELENA BOLIEIRO
Data da Resolução22 de Maio de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório 1.

No processo tutelar educativo que, sob o n.º 1700/17.1T9VIS-B, corre termos Juízo de Família e Menores de Viseu – Juiz 1 – do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, após a realização da audiência, o tribunal colectivo misto proferiu acórdão em que decidiu aplicar ao menor … a medida de internamento em centro educativo em regime aberto, pelo período de 9 (nove) meses.

  1. Inconformado com a decisão, dela recorreu o menor … que, no termo da respectiva motivação, apresentou as seguintes conclusões: “I- No âmbito dos presentes autos foi aplicada ao jovem … a medida tutelar de internamento em centro educativo, em regime aberto, pelo período de nove meses, pela prática de factos que, à luz da lei penal, consubstanciam um crime de furto qualificado previsto e punido pelos artigos 203º, nº1, 204º, nº1, alínea a) e 2, alínea e) e f) do Código Penal, com referência ao artigo. 202º, alínea a) e d), ambos do Código Penal e um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, nº1 e 2 da Lei nº2/98, de 3/01, por referência aos artigos 121º e 122º do Código da Estrada.

    II- Não obstante a enorme deferência que nos merece o Tribunal a quo, entendemos que a referida medida se revela desproporcional, excessiva e demasiado penalizadora no caso sub judice, pois que III- O jovem confessou os factos e entende a censurabilidade dos mesmos, sendo certo que não podemos olvidar que o jovem padece de limitações de ordem cognitiva/mental, tanto ao nível das competências verbais como de realização; no mais, cumpriu medida tutelar anterior, encontrando-se em execução uma outra; além disso, sempre que compareceu às aulas mostrou-se simpático e afável, sendo no relacionamento com os adultos respeitoso, educado e cooperante, o que nos leva a crer que que o jovem não é tão avesso ao dever-ser jurídico como se refere no douto acórdão proferido e que sabe comportar-se em sociedade.

    IV- Por outro lado, a personalidade do menor, que se apresenta tímido e com um grande medo de rejeição e ansiedade de separação, com grande necessidade de atenção e afeto, aliado ao facto de ser de etnia cigana, vivendo segundo as tradições tão singulares daquele grupo étnico, leva-nos a concluir que o internamento em centro educativo agravará, ainda mais, a sua fragilidade emocional, desenraizando-o, e em nada contribuirá para a sua reeducação e reinserção, antes pelo contrário, poderá originar um sentimento de revolta, incompreensão e desânimo, podendo vir a revelar-se contraproducente e deseducativa.

    V- Pelo que face a estas necessidades/características entendemos, salvo o devido respeito, que deve ser aplicada ao jovem uma medida não institucional, mais concretamente, a medida de acompanhamento educativo prevista no artigo 16º da Lei Tutelar Educativa, pois permitirá incutir no jovem o respeito pelos valores ético-jurídicos fundamentais da comunidade, reeducando-o e preparando-o para a sua reintegração na sociedade.

    VI- Com efeito, entendemos que tais competências lhe devem ser atribuídas, preferencialmente, no seu meio, mantendo-o ocupado, fazendo-o sentir-se útil, impondo-lhe a frequência na escola da sua área de residência, com aproveitamento; a proibição de frequentar certos locais e acompanhar determinadas pessoas; frequentar eventuais acções de formação, fazendo, inclusivamente, voluntariado numa instituição do concelho ou do distrito, convivendo com os seus pares mas também com os restantes membros da comunidade, estabelecendo laços e conexões, só deste modo se alcançando os fins subjacentes à Lei Tutelar Educativa.

    Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso merecer provimento em toda a sua extensão e, em consequência, ser o douto acórdão revogado, aplicando-se ao menor a medida tutelar educativa não institucional de acompanhamento educativo prevista no artigo 16º da LTE ao invés da medida de internamento em centro educativo, em regime aberto, aplicada.

    Assim decidindo, farão Vs. Exas. Justiça”.

  2. Admitido o recurso, o Ministério Público veio responder, pugnando pelo seu não provimento e formulando as seguintes conclusões: “1- O jovem praticou em 05-07-2016 factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelos art. 203º, nº 1, 204º, nº 2, al e) com referência ao art. 202º, al d) do CP, pelos quais lhe foi aplicada medida tutelar de realização de 50h de prestação de trabalho a favor da comunidade, a qual já foi declarada extinta por decisão proferida em 26-10-2018 e já transitada em julgado no processo apenso nº 1700/17.1t9vis.

    2- No âmbito destes autos praticou o furto qualificado no dia 26/11/2017.

    3- No âmbito do Inquérito Tutelar Educativo nº 453/18.0T9vis, por decisão de 26-6-2018 foi determinada a suspensão do mesmo pelo período de 8 meses, mediante cumprimento do plano de conduta apresentado, designadamente 50h de prestação de trabalho a favor da comunidade, por factos recondutíveis ao crime de furto simples e praticados no dia 3/2/2018.

    4- No âmbito destes autos praticou crime de condução ilegal no dia 25/5/2018.

    5- Por decisão proferida em 16-03-2018 nos autos apensos de promoção e protecção nº 1700/17.1t9vis-A, o jovem … ficou sujeito à medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais prevista nos art. 35º, al a) e 39º da LPCJP pelo prazo de um ano, com revisão trimestral e com acompanhamento da Segurança Social, encontrando-se a mesma em fase de revisão.

    6- Os comportamentos descritos e dados como assente são geradores de alarme social e espelham bem a conduta desviante por que o menor ingressou, dos seus estilos de vida, das suas personalidades, até porque ao mesmo já havia sido aplicada anteriormente medida tutelar por factos de 5/7/2016, que, apesar de cumprida, não serviu de correcção, já que o menor em 3/2/2018 e 25/5/2018 volta a cometer crimes, sendo que este último (o da condução ilegal no âmbito deste PTE) já em plena execução de medida de promoção e protecção, o que demonstra bem que o menor continuou a adoptar comportamentos disruptivos e a não investir na sua formação pessoal e profissional.

    7- …. não sabe ler nem escrever, apenas aprendeu a "desenhar" o nome.

    Apesar de ter iniciado a frequência escolar em idade própria, esteve matriculado vários anos no 1º ano, tendo transitado no ano lectivo 2014/2015 para o 2º ano de escolaridade, no qual ainda se encontra retido.

    O jovem relaciona-se primordialmente com elementos da sua família, nuclear e alargada, e, em situação de abandono escolar, não apresenta rotinas estruturadas no seu quotidiano.

    Privilegia o convívio com pares e adultos conotados com práticas criminais e com consumos de estupefacientes.

    … revela capacidades de compreensão do motivo da intervenção judicial, embora se revele pouco envolvido no aprofundamento da sua conduta.

    Muito centrado em transferir as responsabilidades para terceiros, o jovem revelou dificuldades ao nível da descentração e do pensamento consequencial, bem como sentimentos de culpa inadequados.

    O jovem não revela abertura à intervenção das estruturas sociais que o poderiam ajudar na mudança comportamental, nomeadamente escola e o sistema de protecção.

    O jovem … tende a adoptar atitudes de desafio perante a imposição de normas e regras.

    O jovem apresenta limitações de ordem cognitiva/intelectual mais acentuadas ao nível da compreensão verbal, conceptualização, raciocínio lógico e abstracto e planificação, tendo em conta a antecipação das consequências, mas tal não compromete a sua capacidade de funcionamento básico em contextos de menor exigência nem a capacidade para perceber a censurabilidade dos factos acima descritos.

    O jovem apresenta um perfil de funcionamento tendencialmente submisso, passivo e vulnerável à influência dos outros e do meio envolvente.

    8- Quer os factos em análise quer os anteriormente cometidos, em que foram violados diferentes bens jurídicos revelam o alheamento do jovem em relação a tais bens.

    9- Neste momento, seria totalmente ineficaz uma medida tutelar a executar no ambiente habitual de vida do jovem, até porque, conforme resulta do relatório pericial, é muito influenciável, logo seria facilmente conduzido pelas práticas do meio social em que se insere.

    10- Existe, desta forma, um perigo notório e concreto de que o jovem, na continuidade do meio natural em que se insere, pratique novos delitos criminais de gravidade, acrescendo o facto de que o jovem actualmente já penalmente imputável.

    11- Não descurámos o facto do menor, desde o início do inquérito tutelar educativo até à fase de julgamento, ter assumido os factos, o que não deixou de abonar em seu favor, daí o prazo da medida ter sido de apenas 9 meses, ou seja, pouco acima do limite mínimo.

    12- Por fim, a medida de internamento em regime aberto visa proporcionar ao menor, por via do afastamento temporário do seu meio habitual e da utilização de programas e métodos pedagógicos, a interiorização de valores conformes ao direito e a aquisição de recursos que lhe permitam, no futuro, conduzir a sua vida de modo social e juridicamente responsável, sem, contudo, deixar de ter contacto com o exterior.

    13- Nestes termos deverá manter-se o acórdão...

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