Acórdão nº 20644/15.5T8LSB.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelCELINA NÓBREGA
Data da Resolução15 de Maio de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa Relatório Nos presentes autos em que é sinistrada AAA, realizada a tentativa de conciliação, o Ministério Público considerou as partes como não conciliadas em virtude da Seguradora BBB, S.A.” não reconhecer a caracterização do acidente como de trabalho e não reconhecer o nexo causal entre as lesões que ocasionaram a morte e o acidente.

Nessa sequência, veio, CCC, residente na Rua (…) Ramada, ao abrigo do disposto no artigo 117.º n.º 1 alínea a) do Código de Processo do Trabalho, intentar acção declarativa com processo especial emergente de acidente de trabalho contra: 1 - BBB, S.A., pessoa colectiva nº (…), com sede na Rua (…) Lisboa; 2- DDD, E.P.E.

, com NIF (…), com sede na Rua (…) Lisboa, pedindo que a acção seja julgada procedente e, consequentemente, as Rés sejam condenadas no pagamento das seguintes prestações:

  1. Despesas de funeral, no montante de €1.700,00; b) Pensão anual e vitalícia - actualizável - no montante de € 17.918,60, com início em 16-07-2015, uma vez que já se encontra o 1º A. reformado; c) A quantia de € 5.533,70, a título de subsídio por morte; d) O direito a indemnização por despesas de transporte, no valor de €15,00; e) Juros vencidos e vincendos até integral pagamento, nas custas, procuradoria e demais encargos.

    Para tanto invocou em resumo: -No dia 10 de Julho de 2015, pelas 19.15 h., AAA foi vítima de atropelamento, com arrastamento, na via pública em Lisboa (…), no sentido (…) no trajecto entre o seu local de trabalho, Hospital de (…) e a sua residência, no percurso que fazia diariamente e de forma habitual; -O acidente ocorreu numa sexta-feira, em hora de trânsito; - Na sequência do acidente de que foi vítima, advieram para a mesma, necessária e directamente, as lesões corporais descritas e examinadas no relatório de autópsia as quais lhe determinaram a morte ocorrida no dia 11-07-2015, pelas 00.15 h; -Ao tempo do acidente, a vítima trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização do (…), E.P.E. exercendo as funções de enfermeira chefe, auferindo uma retribuição mensal de € 3.125,94, bem como subsídio de refeição no valor de € 93,94 que corresponde a uma remuneração anual de € 44.796,50; -A 2ª R. tinha a sua responsabilidade transferida para a entidade seguradora “BBB, (…), S.A.”; -A vítima deixou como seu beneficiário legal o cônjuge sobrevivo e, herdeira, uma filha, de 27 anos de idade; -Encontra-se a correr processo-crime, para averiguação da responsabilidade do condutor que atropelou a vítima, mulher e mãe dos A.; -Na tentativa de conciliação, a 2ª R. reconheceu a existência de contrato de seguro de acidentes de trabalho, abrangendo, porém, apenas a remuneração anual da sinistrada no valor total de € 35.552,86 (€2.082,34 x 14 M + € 93,94 x 11 + € 197,23 x 12 M), não reconhecendo a existência e a caracterização do acidente como acidente de trabalho, nem reconhecendo o nexo causal entre as lesões que ocasionaram a morte e o acidente; e - O sinistro ocorreu enquanto a sinistrada se encontrava a trabalhar sob ordens, direcção e fiscalização da Ré.

    Citadas, as Rés contestaram.

    A Ré BBB, SA, aceitou que o acidente ocorreu no (…) quando a sinistrada se deslocava do trabalho para a sua residência, mas acrescentou que a conduta da desditosa sinistrada tem enquadramento nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, uma vez que a sinistrada se colocou consciente e voluntariamente na condição de poder ser atropelada, situação que veio a ocorrer e que, atenta a matéria de excepção que invocou não pode vingar a presunção de existência e caracterização de acidente de trabalho vertida nos artigos 8º e 9ºda LAT.

    Pediu, a final, que a acção seja julgada improcedente com todas as consequências legais.

    O Réu DDD, EPE defendeu-se invocando, em síntese, que a massa salarial auferida pela sinistrada, nos 12 meses anteriores ao acidente de viação, foi de € 41.995,66 que deve considerar-se totalmente transferida para a Companhia de Seguros, que a sinistrada demorou quase duas horas a vencer a distância entre o (…) e o (…) em dia que não ocorreu qualquer constrangimento de trânsito, o que indicia que a sinistrada não se dirigia para casa quando foi atropelada o que legitima a descaracterização do acidente, que foi a sinistrada que se envolveu na situação dos autos interrompendo o trajecto e colocando-se no meio da faixa de rodagem à mercê do comportamento de que acabou por ser vítima, que foi a conduta da sinistrada que provocou o desfecho do incidente, uma vez que se encontrava a conduzir uma viatura, a qual lhe pareceu que havia colidido com outra, o que despoletou que saísse do carro e ficasse à mercê do comportamento do outro condutor, sem cuidar de se proteger, permanecendo no passeio ou chamando as autoridades.

    Finalizou pedindo que a acção seja julgada improcedente com a sua absolvição do pedido.

    O Autor foi convidado a aperfeiçoar a petição inicial, o que fez, invocando que o tempo estimado sem trânsito do local de trabalho da sinistrada e a sua residência é de 47 minutos, sendo que no dia em causa era sexta-feira e estava trânsito.

    Respondeu a Ré seguradora reafirmando o alegado em sede de contestação e acrescentando existirem fundadas dúvidas de que a sinistrada, no momento do acidente, estivesse no tempo e local de trabalho.

    Foi proferido despacho saneador, fixados os factos assentes resultantes da tentativa de conciliação e elaborada a base instrutória.

    Teve lugar a audiência de julgamento, tendo a Ré seguradora declarado nos autos que a retribuição que lhe foi transferida era de €41.995,66 como alegado pela entidade empregadora, aceitando, assim, o facto 16º da base instrutória.

    Foi proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo: “Face ao exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a presente acção especial emergente de acidente de trabalho e, consequentemente, decide-se condenar a ré BBB, SA a pagar ao autor CCC: a) a pensão anual e vitalícia, actualizável, desde 12-07-2015, no valor de € 12598,70 (doze mil, quinhentos e noventa e oito euros e setenta cêntimos) até à idade de reforma por velhice, e no valor de € 16798,26 (dezasseis mil, setecentos e noventa e oito euros e vinte e seis cêntimos) a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ou a outra que vier a ser legalmente fixada, desde 12-07-2015, até integral e efectivo pagamento; b) o subsídio por morte no valor de 5533,70€ (cinco mil, quinhentos e trinta e três euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ou a outra que vier a ser legalmente fixada, desde 12-07-2015, até integral e efectivo pagamento; No mais absolvo os RR do pedido contra eles formulado.

    Nos termos do art. 120º do C.P.Trabalho, fixa-se o valor da causa em 181814,71€.

    Custas pelo Autor e pela Ré BBB, SA, na proporção de 10% para o primeiro e 90% para a segunda.

    Registe e notifique.” Inconformada com a sentença, a Ré seguradora recorreu e formulou as seguintes conclusões: “1ª A ora Apelante não se pode conformar com a douta sentença que foi proferida nos presentes autos, por considerar que não foi feita a melhor apreciação jurídica dos factos provados.

    1. Foi a sinistrada quem deu causa, única e exclusiva, ao acidente de que veio a ser vítima sendo, com o devido respeito, evidente a forma temerária como a sinistrada parou o veículo na faixa de rodagem, abordou o outro condutor e depois se agarrou ao tejadilho do veículo que se encontrava em movimento.

    2. A sinistrada era enfermeira, não podendo por isso ignorar o risco de vida que a sua conduta acarretava para sua integridade física, e também por este facto, deve a sua conduta ser considerada negligência grosseira.

    3. O percurso da sinistrada, não teve apenas uma, mas sim duas interrupções, sendo que a última ocorreu no momento em que aquela parou o veículo em plena faixa de rodagem, motivando tal atitude de seguida uma sucessão de factos, em crescendo, que culminaram com a sua morte.

    4. Entende Apelante que a paragem da sinistrada em plena faixa de rodagem, numa altura em que havia trânsito na via, não deve ser considerada uma interrupção ou desvio determinado pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, nem houve caso de força maior ou fortuito, nem há prova de que o veículo atropelante tenha colidido com o veículo da sinistrada no momento anteriores ao acidente.

    5. Não pode beneficiar o Apelado do disposto no artº 9º da LAT no que concerne à extensão do conceito de acidente de trabalho, previsto no sobredito dispositivo legal, atenta as interrupções injustificadas ocorridas no trajecto da sinistrada.

    6. No que concerne à primeira interrupção, é certo que, não resulta provado nos autos a que horas a sinistrada abandonou as instalações do Hospital, todavia com o devido respeito, essa prova não cabia à Ré Apelante, atento o disposto nos artº 342º nº1 e 346º, ambos do CC, o que se alega para todos os devidos e legais efeitos, sendo que se provou que o acidente ocorreu quase duas horas após a picagem do cartão de saída.

    7. Não é aceitável que a sinistrada interrompa o seu trajecto, para interpelar o condutor de um outro veículo e muito menos se agarre ao tejadilho de um carro que entrou em movimento, tal situação não é compaginável com uma situação de necessidade atendível do trabalhador, não é um caso de força maior, nem um caso fortuito.

    8. O comportamento da desditosa sinistrada foi motivado única e exclusivamente por questões da sua esfera privada, pessoal e intransmissível, alheio a qualquer desiderato ou qualificação de necessidade atendível e igualmente alheio à prestação de trabalho e ao poder de autoridade, ainda que difuso, da entidade empregadora.

    9. Analisando devidamente os factos provados, não tem dúvida a ora Apelante que a situação de facto descrita e provada na fundamentação de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT