Acórdão nº 72/18.1PCSRQ-A.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelCRISTINA BRANCO
Data da Resolução16 de Maio de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa I. Relatório 1. Nos autos com o n.º 72/18.1PCSRQ, findo o inquérito, que correu termos na Procuradoria da República da Comarca dos Açores, Departamento de Investigação e Acção Penal – Secção de São Roque do Pico, o Ministério Público deduziu contra o arguido AA…, melhor identificado nos autos, a acusação que constitui fls. 3-11 destes autos de recurso, requerendo o seu julgamento perante Tribunal Singular, ao abrigo do disposto no art. 16.º,n.º 3, do CPP, pela prática de três crimes de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204.º, n.º 2, al. e), um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204.º, n.º 1, al. f), três crimes de furto qualificado, sob a forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º e 204.º, n.º 2, al. e), três crimes de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, e quatro crimes de dano simples, p. e p. pelo art. 212.º, n.º 1, todos do CP.

  1. Remetidos os autos à distribuição, pelo Senhor Juiz do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo de Competência Genérica de São Roque do Pico, foi proferido o despacho a que alude o art. 311.º do CPP, no qual decidiu rejeitar a acusação «por incompetência material para os autos, visto não ser competente para conhecer o mérito da causa (art. 311º, n.º 1 do Cód de Proc Penal)».

  2. Não se conformando com tal decisão, interpôs o Ministério Público o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição): «1. Por decisão proferida nos autos em epígrafe, datada de 10 de janeiro de 2019, o Mmo. Juiz a quo decidiu rejeitar a acusação formulada, "por incompetência material para os autos, visto não ser competente para conhecer o mérito da causa (artigo 311º, n.° 1 do Código do Processo Penal)".

  3. Para tanto, o Mmo. Juiz a quo considerou que, tendo o Ministério Público acusado AA.. pela prática de, pelo menos, 3 crimes de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204°, n.º 2, alínea e), do Código Penal, e que a moldura penal prevista para os mesmos se encontra definida entre dois e oito anos de prisão, na eventualidade de condenação por todos estes crimes, teria necessariamente que ser aplicada uma medida mínima de pena de prisão de seis anos (3*2 anos).

  4. Assim o Mmo Juiz a quo, considerou que se verificava uma exceção dilatória, uma vez que o Ministério Público, por simples lapso algébrico, fez aplicação indevida do mecanismo disposto no artigo 16°, n.º 3, do Código do Processo Penal, porque não se afigura matematicamente possível, nos presentes autos, aplicar pena de prisão inferior a 6 anos, logo a competência para conhecer do mérito da causa pertence, necessariamente, ao Tribunal colectivo, nos termos do artigo 14°, n.° 2, alínea b), do Código do Processo Penal.

  5. Salvo melhor entendimento, não assiste razão ao Mmo. Juiz a quo e o Ministério Público não incorreu em qualquer lapso aritmético.

  6. Nos autos supra mencionados, o Ministério Público deduziu acusação contra arguido AA… imputando-lhe a prática de 3 crimes de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204°, n.º 2, alínea e), 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204°, n.° 1, alínea f), 3 crimes de furto qualificado sob a forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23° e 204°, n.° 2, alínea e) e 22°, 3 crimes de furto simples, p. e p. pelo artigo 203°, n.° 1, e 4 crimes de dano simples, p. e p. pelo artigo 212°, n.° 1, todos do Código Penal.

  7. Do artigo 311°, n.° 2, resulta que a acusação apenas pode ser rejeitada no caso de vir a ser considerada como manifestamente infundada, ou seja, quando não identifique devidamente o arguido ou não contenha a narração dos factos ou não indique as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam ou ainda quando os factos não constituírem crime.

  8. Assim, e considerando que a acusação deduzida contra AA.. contém todos os requisitos formais e substanciais exigidos, aquela nunca poderia ser rejeitada.

  9. E nunca poderia ser rejeitada com fundamento na alegada incompetência do tribunal singular, uma vez que essa não constitui causa para rejeição da acusação.

  10. Assim, ao rejeitar a acusação o Mmo. Juiz a quo violou o disposto no artigo 311º, n.ºs 2, alínea a), e 3 do Código do Processo Penal.

  11. Quanto à alegada incompetência do Tribunal Singular, o Ministério Público requereu, no momento próprio e ao abrigo do disposto no artigo 16º, n.º 3, do Código do Processo Penal, o julgamento perante o Tribunal Singular e sob a forma de processo comum, alegando que: 11.

    "Aos crimes supra mencionados cabe, em abstrato, pena de prisão cujo limite máximo é superior a 5 anos, em conformidade com o disposto no artigo 77º, n.º 2, do Código Penal. Teria, assim, lugar julgamento perante Tribunal Coletivo, conforme prescreve o artigo 14º, n.º2, alínea b), do Código do Processo Penal.

  12. No entanto, e não descurando a gravidade dos factos praticados, o grau de ilicitude dos mesmos, bem como a intensidade do dolo, é manifesto que, em concreto, não lhe deverá ser aplicada pena de prisão superior a 5 anos.

  13. De facto, e pese embora o arguido já tenha antecedentes criminais pela prática de crimes contra o património, não podemos olvidar que os factos foram praticados num espaço de tempo bastante reduzido, que os artigos subtraídos foram, quase na totalidade produtos alimentares e que as quantias subtraídas não foram elevadas e foram quase todas recuperadas.

    " 14. Para o que ora releva, o artigo 16º do Código do Processo Penal dispõe que "Compete ainda ao tribunal singular julgar os processos por crimes previstos na alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º, mesmo em caso de concurso de infracções, quando o Ministério Público, na acusação, ou, em requerimento, quando seja superveniente o conhecimento do concurso, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a 5 anos." 15. Conforme referem Simas Santos e Leal Henriques (Código do Processo Penal Anotado - Volume I, Rei dos Livros, 2008), "A opção do Ministério Público, uma vez tomada, é vinculativa para o tribunal, não apenas no que toca à competência daí decorrente (o juiz não pode rejeitar o requerido) como ainda no que respeita ao tecto sancionatório a cumprir pelo tribunal (em julgamento não poderá ser aplicada pena superior aos limites fixados na lei - cfr. n.º4 do artigo).

  14. Importa então aferir se o Mmo. Juiz pode rejeitar o requerimento do Ministério Público, apresentado nos termos do disposto no artigo 16º, n.º, do Código do Processo Penal.

  15. Conforme refere Figueiredo Dias, "é o juiz singular que julga, como é ele que determina concretamente a sanção dentro dos limites abstractos em que a lei lhe permite que mova a sua discricionariedade vinculada (...)lei' é também, e a igual título, o preceito do Código que limite a convicção do juiz pelo máximo das sanções que ele pode aplicar, quando o Ministério Público - como representante do Estado e porta-voz, portanto, do seu poder punitivo - entenda que, no caso, aquele máximo não deve ser ultrapassado." [cf. 'Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal', Centro de Estudos Judiciários, Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1988, pp. 3 e segs., especialmente pp. 19-22.]" 18. Também o Tribunal Constitucional se tem pronunciado sobre a constitucionalidade de tais normas, considerando que nem o princípio da independência dos Tribunais nem o da independência dos juízes é violado pelo artigo 16°, n.° 3, do Código do Processo Penal, pois quem julga é o Juiz e não o Ministério Público.

  16. Por outro lado, "para determinar se é o tribunal colectivo ou o singular, o competente para o julgamento penal, deve atender-se à moldura da infração mais grave e não à resultante da soma das penas abstractas correspondentes aos diversos crimes" (Ac.STJ de 91-07-04, BMJ 409-633), conforme fez o Mmo. Juiz a quo.

  17. De facto, em caso de concurso de crimes regem as regras contidas nos artigos 14°, n.° 2, alínea b), 15° e 16°, n.° 3, do Código do Processo Penal. Assim, da interpretação conjugada destas três normas resulta que compete, em caso de concurso, ao tribunal coletivo julgar os processos que respeitem a crimes cuja pena máxima abstractamente aplicável for superior a 5 anos de prisão, mesmo quando seja inferior o limite máximo correspondente a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT