Acórdão nº 1166/10.7TACBR-G.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução15 de Maio de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Por despacho de 23 de novembro de 2018, o Ex.mo Juiz do Juízo Central Criminal de Coimbra - Juiz 2, decidiu, designadamente, não ser tempestivo analisar a pretensão da arguida … apresentada por requerimento de folhas 505 a 531, adiantando, ainda assim, que a competência para a decisão pretendida pelo requerente radica no Tribunal de Execução de Penas.

Inconformado com o douto despacho dele interpôs recurso a arguida …, concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1. O presente recurso tem por objecto aferir da competência do tribunal recorrido para decidir acerca da pretensão da recorrente, modificação da execução da pena, bem como do mérito da mesma; 2. O tribunal a quo é do entendimento que a competência para tal decisão radica no TEP, por força da al. j) do n.º 4 do art.138.º do CEPMPL, sendo a recorrente da opinião que, neste momento, o poder decisório ainda pertence ao tribunal recorrido; 3. A recorrente fundou a sua pretensão no art.122.º do CEPMPL, que veio permitir a aplicação do regime da modificação da execução da pena ao momento da condenação; 4. Parece resultar da decisão recorrida que o tribunal a quo entendeu estar já ultrapassado o momento da condenação e ainda não iniciado o momento da execução, interpretação com a qual não concordamos, por não tomar em devida conta as regras da hermenêutica jurídica; 5. A lei não fornece qualquer definição para o que se possa considerar momento da condenação e como o tribunal recorrido também não avançou, de forma expressa, com nenhuma da sua autoria, a recorrente só pode assumir que este adoptou o entendimento de que tal momento coincide com o da leitura da sentença, prevista no art.373.º do CPP; 6. Em oposição, somos da opinião que o momento da condenação, nos termos e para os efeitos do art.122.º do CEPMPL deve estender-se para além da leitura da sentença, até ao momento em que o arguido dá entrada no estabelecimento prisional, sob pena de se esvaziar de conteúdo aquele normativo legal; 7. Pois, basta imaginar a situação de um arguido que espera meses ou anos entre a leitura da sentença e a condução ao estabelecimento prisional e nesse período de tempo de espera a sua saúde deteriora-se de tal forma que o facto de o mesmo ter de permanecer na prisão pode colocar em causa a sua sobrevivência; 8. Queremos com isto demonstrar que o mecanismo do art.122.º do CEPMPL só faz sentido se o arguido dele se puder socorrer antes de iniciar a fase da execução da pena; 9. Não faz sentido que após a leitura da sentença o tribunal da condenação deixe de ser competente para apreciar um pedido desta natureza, obrigando o arguido cujo estado de saúde se deteriora, a esperar por dar entrada no estabelecimento prisional, de modo a suscitar o mesmo pedido perante o TEP; 10. Pois, não obstante a natureza urgente do processo, a verdade é que o arguido teria sempre que cumprir dias ou semanas de pena na prisão, quando o seu estado de saúde, por via da própria lei, impunha a modificação da execução da pena; 11. Se o arguido, ainda não recluso, não puder socorrer-se do regime do art.122.º do CEPMPL, tal extensão não faz qualquer sentido; 12. Não se diga que o art.122.º não pode ser aplicado na fase que medeia entre a leitura da sentença e a entrada no estabelecimento prisional por causa da tramitação prevista no art. 127.º, ambos do CEPMPL, o qual exige a elaboração de relatórios e pareceres por parte do estabelecimento prisional; 13. O art.122.º é claro quando exige apenas a verificação dos requisitos materiais, o que em nosso entender remete somente para o art.118.º, também do CEPMPL; 14. Ou seja, se o tribunal da condenação tiver em sua posse elementos que permitam subsumir a situação concreta do arguido em alguma das alíneas daquele art.118.º, não necessita da elaboração dos pareceres e relatórios do art.217.º do CEPMPL, que em nosso entender são requisitos meramente formais que permitirão a verificação, ou não, dos requisitos materiais do art.118.º do CEPMLP; 15. O que significa ainda que o art.122.º derroga a aplicação do art.217.º, ambos do CEPMPL, por não exigir a emissão dos tais relatórios e pareceres, não sendo também aplicável a tramitação prevista nos arts 216.º a 222.º do citado diploma legal; 16. Outro argumento é o que resulta da própria redacção da al. j) do n.º 4 do art.138.º do CEPMPL, o qual atribui competência ao TEP para decidir sobre a modificação da pena relativa a reclusos, a qual nos parece querer significar que o legislador apenas pretendeu atribuir competência ao TEP para tal decisão somente após o início da execução da pena; 17. Se, nos termos do art.122.º do CEPMPL, o arguido ainda não recluso solicitar a modificação da execução, tal competência caberá, por força do que atrás se referiu, ao tribunal da condenação; 18. É necessário então interpretar convenientemente o conceito de momento da condenação, pois, como já mencionado, considerar que este se limita ao acto da leitura da sentença é esvaziar o art.122.º do CEPMPL de conteúdo e utilidade; 19. A lei não estabelece qualquer definição para esse conceito, o que não quer significar estarmos perante uma lacuna, insusceptível de integração por analogia, nos termos do n.º 3 do art.1.º do Código Penal; 20. Será antes um problema interpretativo, passível de se resolver com recurso às regras da interpretação contidas no art.9.º do Código Civil, nomeadamente a interpretação extensiva, não proibida pela lei penal e aceite na nossa jurisprudência; 21. Se analisarmos todos os argumentos que se têm vindo a expor, resulta deles que o conceito de momento da condenação deve abranger todo o período de tempo que decorre desde a leitura da sentença até à entrada do arguido no estabelecimento prisional; 22. Só esta interpretação faz sentido e justifica que o legislador tenha instituído um regime com finalidades humanitárias, permitindo assim ao arguido recorrer a este mecanismo quando a sua saúde se deteriora e o mesmo ainda não começou a cumprir a pena em que veio condenado; 23. Poder-se-ia contrapor que o poder do tribunal se esgota após proferida a sentença, mas o entendimento postulado pela recorrente em nada belisca aquele princípio, pois, o tribunal limitar-se-á a modificar a forma como o arguido vai cumprir a pena, a sua execução e não a medida concreta ou a natureza da pena aplicada; 24. Aliás, pode-se até afirmar que o art.122.º do CEPMPL configura uma excepção ao princípio do esgotamento do poder jurisdicional; 25. O mesmo vale para os casos em que a decisão condenatória ainda não transitou em julgado, pois, repita-se, este regime apenas trata da forma da execução da pena e não da sua medida concreta ou natureza, tanto que, por exemplo, se o arguido não cumprir com os deveres previstos no art.121.º, é posteriormente aplicável o disposto no n.º 4 do art.120.º, todos do CEPMPL; 26. Caso assim não se entenda, o entendimento normativo que o tribunal recorrido extraiu da conjugação dos arts. 118.º, 122.º, n.º 1 e 138.º, n.º 4, al. j) do CEPMPL, no sentido de não ser possível a modificação da execução da pena de prisão depois do momento da condenação, entendido como o acto processual de leitura da sentença, e antes do início da execução da pena de prisão, é materialmente inconstitucional, por violação dos arts. 18.º, n.º 3, 20.º, n.º 5 e art.64.º, n.º 1.º, todos da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade material que expressamente se invoca para todos os legais e devidos efeitos.

27. Concluindo-se nos termos supra expostos, somos do entendimento que a recorrente preenche todos os requisitos do art.118.º do CEPMPL, estando então reunidas todas as condições para ver apreciada a sua pretensão, a qual deve ser deferida, o que expressamente se requer, com todas as legais consequências; 28. Foi violado o art.9.º do Código Civil, os arts. 118.º, 122.º e 138.º do CEPMPL e o n.º 3 do art.18.º, o n.º 5 do art.20.º e o art.º 64, estes últimos da Constituição da República Portuguesa. Nestes termos e nos melhores de direito e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via do mesmo, revogar-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra que defira a requerida modificação da execução da pena de prisão.

O Ministério Público no Juízo Central Criminal de Coimbra respondeu ao recurso interposto...

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