Acórdão nº 888/17.6PCBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Abril de 2019
Magistrado Responsável | AUSENDA GON |
Data da Resolução | 29 de Abril de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório No âmbito do referenciado processo comum singular do Juízo Local Criminal de Braga, do Tribunal Judicial da mesma Comarca, por decisão proferida e depositada em 7/11/2018 foi a arguida Maria condenada como autora material de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 65 (sessenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), perfazendo a multa de € 325 (trezentos e vinte cinco euros), e ainda, a pagar à demandante cível a quantia de € 300 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.
Inconformada, a arguida interpôs recurso, cujo objecto delimitou com as seguintes conclusões (sic): «1º - Da prova produzida em audiência de Julgamento, conforme decorre da audição da gravação em suporte digital - sistema de gravação Habilus Media Studio, onde está gravada a prova produzida e da acta do dia 24.09.2018, constata-se que as declarações da arguida (Conf. gravação em suporte digital com o seu início pelas 15:49:56 horas e o seu termo pelas 16:12:13 horas), estão inaudíveis, não se conseguindo decifrar muitas das palavras do que declarou em julgamento.
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- Estando também parcialmente inaudíveis as declarações da assistente, T. L., conforme decorre da audição da gravação em suporte digital - sistema de gravação Habilus Media Studio, onde está gravada a prova produzida e da acta do dia 24.09.2018, conforme gravação em suporte digital com o seu início pelas 16:13:17 horas e o seu termo pelas 16:34:42 horas e principalmente durante os cinco primeiros minutos da gravação.
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- Assim como está irremediavelmente imperceptível o que depôs a testemunha S. M., acerca da matéria dos autos, conforme gravação em suporte digital - sistema de gravação Habilus Media Studio, com o seu início pelas 16:56:15 horas e o seu termo pelas 17:12:58 horas e acta do dia 24.09.2018.
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- Pelo que, fica assim irremediavelmente coarctado o direito de defesa da arguida, que, pretendendo impugnar a matéria de facto dada como provada, não poderá a mesma ser reapreciada, pelo menos no que toca a estes depoimentos, 5º - Encontrando-se coarctado o direito de defesa da arguida bem como o de recurso, uma vez que a prova gravada é parcialmente inaudível no que toca aqueles depoimentos supra referidos e nos quais assentam a acusação da arguida.
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- Sendo certo, que os depoimentos supra referidos, importantíssimos para a descoberta da verdade, para além de nada se apreender, diga-se, nem sequer é possível compreender o que deles decorre com razoável segurança, o que consubstancia nulidade processual - vide entre muitos outros - Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, processo 1159/04.3TBACB.C1, de 02-02-2010, acessível em - www.dgsi.pt e Ac. da Relação de Guimarães, processo n.º 327/07.0GAPTL.G1 de 03-05-2010, acessível em www.dgsi.pt.
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- Razão pela qual deverá ser considerada nula a produção de prova e a prova gravada dos autos em epígrafe, e produzida em audiência de julgamento, devendo em consequência ser ordenada a repetição do julgamento.
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- Ou se assim não se entender, tem de se extrair da deficiência da gravação o efeito próprio de uma nulidade processual: o de anulação e repetição do acto viciado e dos actos posteriores que dele dependam, 8º - Por outro lado, foi efectuada uma incorrecta apreciação da prova testemunhal e que resulta de alguns excertos que se conseguem perceber.
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- O depoimento da testemunha S. M. e o depoimento da assistente, nos moldes em que foram prestados (e do pouco que se consegue perceber) não deveriam ser suficientes para sustentar a condenação da arguida, 10º - Devendo a arguida ser absolvida do crime de que vem acusada».
O recurso foi regularmente admitido por despacho proferido a fls. 113.
O Ministério Público respondeu ao recurso, sustentando que deve considerar-se sanada a nulidade suscitada por não ter sido atempadamente invocada e considerar-se igualmente improcedente o recurso quanto ao mérito da decisão.
Também a assistente respondeu ao recurso dizendo, em suma, que a nulidade invocada deve considerar-se sanada por não ter sido arguida no prazo de 10 dias contado da audiência de julgamento em que em que ocorreu a deficiente gravação e, quanto à matéria de facto, asseverou perfilhar na íntegra o plasmado na decisão do Tribunal a quo, não existindo qualquer erro de julgamento e espelhando o recurso apresentado apenas a visão e convicção pessoal da arguida.
E, neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o art. 416º do CPP, emitiu douto parecer, defendendo a improcedência do recurso com pertinentes considerações.
Cumprido o art. 417º, n.º 2, do CPP, a arguida respondeu ao parecer do Ministério Público, dizendo entender que a aplicação ao caso concreto do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 13/2014, nos termos propugnados, violaria o seu direito de defesa, pelo que o Aresto é inconstitucional.
Efectuado exame preliminar e, colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, nos termos do art. 419º, n.º 3, al. c), do CPP.
*II – Fundamentação Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo de questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, neste recurso suscitam-se as seguintes questões: 1ª - a nulidade processual decorrente das deficiências da gravação; 2ª - a impugnação da matéria de facto.
Importa apreciar e decidir, para o que deve considerar-se como pertinentes os factos considerados provados e não provados, bem como a motivação da respectiva decisão (sic): «1.
A assistente T. L. e a arguida Maria são vizinhas entre si, residindo ambas na Rua …, em Braga, encontrando-se desavindas.
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No dia 4 de Setembro de 2017, cerca das 19H30, quando a assistente se encontrava na companhia de S. M., no interior do veículo desta, na sequência de um desentendimento de estacionamento, a arguida ao constatar que nessa viatura se encontrava a assistente, em voz alta e agressiva, olhando para a assistente, dirigiu-lhe a seguinte expressão: “sua cabra”.
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Tais palavras foram proferidas de forma a poderem ser ouvidas por quem estivesse próximo da assistente e nas proximidades do prédio onde ambas residem.
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Ao apodar a assistente de “sua cabra”, a arguida pretendeu atingir a assistente na honra e consideração que lhe são devidas, tendo perfeita consciência que tal expressão era susceptível de ofender o bom nome, a honra e consideração pessoal da assistente, como conseguiu.
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Apesar disso, actuou da forma descrita, livre, consciente e voluntariamente, dirigindo à assistente tais expressões, com o propósito de a ofender, como ofendeu, na sua honra e consideração pessoal.
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A arguida sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
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A assistente é professora de português, educada e respeitada por aqueles que com ela privam.
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Em consequência da conduta da arguida, a demandante sentiu vergonha e humilhação.
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A arguida trabalha como empregada doméstica, auferindo €5,00/hora.
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Vive com o marido, reformado e uma filha de maior idade, habitando em casa própria.
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Como habilitações possui o 6º ano de escolaridade.
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A arguida não possui antecedentes criminais.
Factos não provados (com relevo para a decisão): - Os factos apurados ocorreram às 21H44M.
- No contexto de tempo e lugar constante dos factos apurados, quer ainda pelas 21H44M, quando a assistente se cruzou com a arguida no prédio em que ambas habitam, a arguida dirigiu à assistente, em voz alta: “qualquer dia, vou-te partir a cara.
- A arguida quis intimidar a assistente e provocar-lhe medo, bem sabendo que esse anúncio era idóneo e apropriado a provocar nesta, pelo seu tom sério e agressivo, ficando a assistente com receio que a arguida atentasse contra a sua integridade física.
- Agiu a arguida de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito de convencer a assistente que viria a efectivar os males prometidos, perturbando-a assim no seu sossego e tranquilidade, a prejudicar-lhe a sua liberdade de determinação e deixou-a com um sentimento de insegurança, com receio de levar a cabo o mal anunciado, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
- No apurado circunstancialismo de tempo e de lugar, quer ainda pelas 21H44M, a arguida, depois de sair do seu veículo automóvel e enquanto descarregava as compras que trazia no carro e após a chegada ao local da filha da arguida e de outra pessoa, a arguida dirigiu à assistente, para além da expressão constante do ponto 2 dos factos provados, a expressão: “Tu vais ver onde vais parar!”.
- Tal expressão foi proferida de modo a poder ser ouvida pelos moradores do prédio onde a assistente habita e por demais pessoas que habitam em prédios vizinhos que conhecem a assistente.
- Em consequência da conduta da arguida/demandada: - A assistente temeu e continua a temer pela sua integridade física, sentindo insegurança e medo.
- A demandante ficou durante as semanas que se seguiram em permanente estado de ansiedade e teve insónias, tendo de retomar a medicação (Triticum), cuja toma já havia suspendido, para conseguir dormir e acalmar a ansiedade.
- E deslocou-se ao médico de família no dia 27/09/2017 para prescrição da referida medicação.
- Passou a ficar apreensiva sempre que entrava e saía do prédio, o que ainda sucede, com receio que a arguida venha a concretizar o mal anunciado, vendo assim limitada a sua liberdade de determinação.
- Teve de ficar acompanhada da amiga S. M. e contactou a amiga Maria e estiveram a aguardar por um momento tardio da noite para a assistente estrar em casa.
- Nas semanas seguintes, sempre que entrou em casa, fê-lo acompanhada por amigos ou por familiares.».
Motivação: «O Tribunal baseou a sua convicção no conjunto da prova produzida em audiência, à luz do princípio da livre apreciação da prova consagrado no artº 127º do Código de Processo...
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