Acórdão nº 1083/10.0TBSLV-F.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 02 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução02 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 1083/10.0TBSLV-F.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Comércio de Loulé – J2 * Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório: A “Cooperativa de Habitação e Construção Económica (…), CRL” foi declarada insolvente por sentença proferida em 23/02/2011 e o subsequente incidente de qualificação da insolvência foi julgado procedente, tendo o afectado pela qualificação (…) interposto o recurso desta decisão.

* O incidente foi requerido pelo credor reclamante Município de Silves.

* O Administrador da insolvência veio apresentar o seu parecer e requereu que a insolvência fosse qualificada como fortuita.

* O Ministério Público emitiu parecer e requereu a qualificação da insolvência como culposa, propondo que sejam por esta afectados (…), (…), (…), (…) e (…).

* Foi ordenada a notificação da Insolvente e a citação dos indicados como propostos afectados pela qualificação da insolvência como culposa, nos termos e para os efeitos previstos no nº 6 do artigo 188º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

* Os citados (…), (…) e (…) deduziram oposição.

* Foi proferido despacho saneador, que fixou o objecto do litígio e enunciou os temas de prova.

* Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que qualificou como culposa a insolvência da “Cooperativa de Habitação e Construção Económica (…), CRL” e, em consequência, decidiu: a) declarar afectado pela qualificação (…).

  1. declarar (…) inibido, pelo período de 3 (três) anos, para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa.

  2. determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por (…).

  3. condená-lo a indemnizar os credores da “Cooperativa de Habitação e Construção Económica (…), CRL” no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património, a efectuar em liquidação de sentença.

    * O afectado pela qualificação (…) não se conformou com a referida decisão e o recurso apresentado continha as seguintes conclusões: «1 – O presente recurso é interposto da sentença decretou a qualificação de insolvência da Cooperativa de Habitação e Construção Económica (…), CRL, como culposa afectando o recorrente.

    2 – O património da insolvente em 2007 e até à data em que foi requerida a insolvência da mesma, era superior ao passivo.

    3 – A requerida tinha património e tinha compradores para esse património.

    4 – A insolvente passava por uma fase de falta de liquidez, mas tal deveu-se às inaceitáveis dificuldades criadas pela Câmara Municipal de Silves na aprovação de parte do licenciamento do empreendimento da insolvente.

    5 – Assim que o empreendimento fosse licenciado, a insolvente celebraria as escrituras de venda dos imóveis e as dificuldades seriam ultrapassadas.

    6 – A Cooperativa de Habitação e Construção Económica (…), CRL, não se encontrava em situação de insolvência.

    7 – Um mero detalhe administrativo impedia a insolvente de exercer a sua actividade.

    8 – A insolvente não encerrou as suas instalações em 2007. 9 – Em assembleia geral da insolvente datada de 09/06/2009, foi aprovado o encerramento das instalações da cooperativa sitas na Urbanização (…), em Silves.

    10 – Até lá o recorrente manteve-se nas instalações da insolvente, tentando ultrapassar a questão do licenciamento do empreendimento, garantir que todos os cooperantes conseguiriam concretizar a aquisição dos imóveis prometidos e que os credores tinham onde se dirigir para obter informações sobre o andamento do processo de licenciamento.

    11 – O recorrente não violou o "dever de requerer a declaração de insolvência" previsto na alínea a) do nº 3 do artigo 188º do CIRE.

    12 – A falta de contabilidade organizada não agudizou a situação financeira da cooperativa.

    13 – O montante das dívidas contraídas no período entre 2007 e a data em que foi requerida a insolvência, nunca seriam determinantes para a cooperativa fosse considerada insolvente.

    14 – O recorrente não agiu com culpa grave ao não manter a contabilidade da insolvente organizada.

    15 – Não violou o disposto na alínea h), do nº 2, do artigo 186º, do CIRE.

    16 – O administrador da insolvência não contactou os administradores da insolvente e prefere não o fazer, optando por realizar as diligências que entende por necessárias por sua conta e risco.

    17 – Não se pode considerar que o recorrente violou o dever de apresentação e colaboração previsto na alínea i), do nº 2, do artigo 186º, do CIRE, quando o método de trabalho do administrador da insolvência inviabiliza essa colaboração.

    18 – A factualidade provada nos presentes autos não permite concluir que o recorrente agiu com culpa grave, nem estabelecer nexo de causalidade entre a sua conduta e a criação ou agravamento da situação de insolvência da cooperativa.

    19 – Não foi devidamente considerado o parecer do administrador da insolvência que qualificou como fortuita a insolvência.

    20 – O Tribunal a quo fez uma errada interpretação do nºs 1 e 3, bem como, das alíneas h) e i) do nº 2, do artigo 186º do CIRE.

    21 – A insolvência deve ser qualificada como fortuita.

    Nestes termos e nos melhores de direito, requer-se que seja revogada a douta sentença recorrida e, em consequência, seja a presente insolvência qualificada como fortuita, assim se fazendo a costumada justiça.

    Assim se decidindo, far-se-á Justiça».

    * Não foram apresentadas contra-alegações.

    * Admitido o recurso, foram observados os vistos legais.

    * II – Objecto do recurso: É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do citado diploma).

    Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da questão da existência de erro na interpretação e aplicação do direito quanto à existência de conduta culposa na insolvência. * III – Decisão de facto: 3.1 – Factos provados: Com relevância para a decisão da causa, tendo presente o preceituado no artigo 11º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, resultaram provados os seguintes factos: 1. A “Cooperativa de Habitação e Construção Económica (…), CRL” pessoa colectiva nº (…), com sede na Rua (…), nº 21, 1º, 8300 Silves, foi declarada insolvente por sentença proferida em 23/02/2011, transitada em julgado.

    1. A declaração de insolvência da “Cooperativa de Habitação e Construção Económica (…), CRL” foi requerida pelo Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana em 27/09/2010.

    2. A “Cooperativa de Habitação e Construção Económica (…), CRL” tinha como objecto "o ramo a que a cooperativa se dedica é o da habitação e construção. A Cooperativa assume a natureza de Cooperativa Multisectorial. O seu objecto principal é a construção, promoção ou aquisição de fogos para habitação dos seus membros, bem como a sua administração ou remodelação. Assegurando assim as boas condições habitabilidade dos edifícios, cujas normas são definidas no Regulamento Interno desta Cooperativa, podendo eventualmente ser criado um Gabinete Técnico da Cooperativa, com estatuto próprio a definir pela Direcção. A Cooperativa tem ainda como objecto prosseguir, apoiar ou incentivar outras iniciativas de interesse para os cooperadores nos domínios social, cultural, material, desportivo, fomentando os princípios e a prática de cooperativismo, designadamente e a título exemplificativo, a criação de postos de abastecimento, lavandarias, serviços de limpeza e arranjos domésticos, creches, infantários, salas de estudo, salas e campos de jogos, lares para a terceira idade e centro de dia, sendo para tal criadas secções autónomas".

    3. Mostra-se registada pela AP. …/830510 a nomeação de (…), (…), (…), (…) e (…) como órgãos da direcção da “Cooperativa de Habitação e Construção Económica (…), CRL”.

    4. Pelo menos no início de 2007, devido ao incumprimento generalizado das suas obrigações e à existência de um passivo superior ao activo principalmente manifestado pela falta de liquidez, a insolvente deixou de exercer a sua actividade, tendo os membros dos órgãos sociais representados por (…), perante a impossibilidade de reerguer a cooperativa, fechado as respectivas instalações e deixado ao abandono os empreendimentos que estavam a construir.

    5. Os órgãos de gestão da insolvente representados por (…) tinham conhecimento da situação da cooperativa, pelo menos desde o início de 2007.

    6. O incumprimento do dever de apresentação à insolvência e o consequente arrastamento da situação de insolvência não declarada da cooperativa agravou a situação financeira desta, uma vez que entre 2007 e 2010 constituíram-se outras dívidas fiscais, a que acresceu a degradação dos activos imobiliários da insolvente, resultante da crise do mercado imobiliário entretanto ocorrida.

    7. O incumprimento do dever de apresentação da devedora à insolvência, agravou a situação financeira da mesma, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, sendo que entre o início do ano de 2007 e 27/09/2010, data em que foi requerida a insolvência, venceram-se impostos, nomeadamente IMI no montante de 11.798,50 euros, IRC no montante de 1.438,78 euros, Coimas e outros encargos, no montante de 1.065,43 euros, e subsídios no montante de 87.122,17 euros.

    8. Acresce que, ainda em 2007, a cooperativa insolvente contraiu dívidas para com particulares, em montante superior a 96.000,00 euros.

    9. Da lista definitiva de créditos reconhecidos pelo Administrador da insolvência consta que foram reclamados créditos no montante global de 6.765.892,83 euros.

    10. A cooperativa insolvente foi notificada da sentença, na pessoa do Presidente da Direcção, (…), sem que este tenha...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT