Acórdão nº 415/14.7TAVRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Abril de 2019
Magistrado Responsável | ANT |
Data da Resolução | 08 de Abril de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1.
No âmbito do Processo Comum Singular nº 415/14.7TAVRL, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo Local Criminal de Vila Real, foram submetidos a julgamento os arguidos: 1.1.
“X - Engenharia, Lda.”, NIPC ..., com sede na Zona Industrial …, Vila Real; e 1.2.
-
M., casado, engenheiro civil, filho de … e de …, nascido no dia .. de … de 1979, residente na rua …, Vila Real.
*2.
Em 26/10/2017 foi proferida sentença, depositada no mesmo dia, em cujo dispositivo consta (transcrição 1): “Nestes termos, julgo a acusação pública totalmente procedente em consequência do que decido: - Condenar a arguida X - Engenharia, Lda. pela prática, na forma continuada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos artigos 107º, nº1 e 2, por referência ao artigo 105º, nº1 e 4, do Regime Geral das Infracções Tributárias, e pelos artigos 7º, nº1 e 3, e 12º, nº2, do mesmo diploma legal, na pena de 450 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 8,00 (oito euros), perfazendo um total de € 3.600,00 (três mil e seiscentos euros).
- Condenar o arguido F. M. pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 107º, nº 1 e 2, por referência ao artigo 105º, nº 1 e 4, do Regime Geral das Infracções Tributárias, e pelos artigos 14º, nº 1, 26º e 30, nº2, do Código Penal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo um total de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).
Mais decido, quanto ao pedido de indemnização civil: - Condenar a demandada X - Engenharia, Lda. a pagar ao pagar ao demandante Instituto de Segurança Social, IP a quantia de € 29.551,59 (vinte e nove mil, quinhentos e cinquenta e um euros e cinquenta e nove cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos calculados nos termos do disposto no artigo 3º do DL nº 73/99, de 16 de Março.
- Condenar o demandado F. M. a pagar ao demandante Instituto de Segurança Social, IP, a título subsidiário relativamente à demandada X - Engenharia, Lda., a quantia de € 29.551,59 (vinte e nove mil, quinhentos e cinquenta e um euros e cinquenta e nove cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos calculados nos termos do disposto no artigo 3º do DL nº73/99, de 16 de Março.
Vão ainda os arguidos condenados no pagamento das custas criminais, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça a cargo de cada um (artigo 513º, nº1, do Código de Processo Penal, e 8º, nº9, do RCP).
Custas do pedido cível a cargo dos demandados (artigo 527º, nº1 e 2, do CPC).
(…)”.
*3.
Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido F. M. interpor o presente recurso, cuja motivação é rematada pelas seguintes conclusões (transcrição): “A. A decisão recorrida reconhece que não apurou em concreto os rendimentos do arguido e, apesar disso, condena-o nos termos em que o faz, sem procurar colmatar a falha no seu conhecimento, designadamente pedindo a elaboração de relatório social às entidades competentes.
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Além disso, a decisão ignora o facto público e de conhecimento oficioso consubstanciado na situação de insolvência do Arguido ora Recorrente, declarada em 21/02/2017, por sentença proferida no processo nº 896/16.4T8VRL, que correu termos pelo Juiz 2 do Juízo Local Cível de Vila Real do Tribunal Judicial desta mesma comarca.
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Assim, a decisão recorrida não conhece de factos que estava obrigada a conhecer, por serem imprescindíveis na fixação em concreto da medida da pena e por influírem directamente na mesma, sendo de conhecimento oficioso, pelo que é nula, nos termos do artigo 379º, nº 1, al. c), do CPP, devendo ser revogada para todos os devidos e legais efeitos.
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Subsidiariamente e sem conceder, pelos mesmos motivos referidos nas conclusões A. e B., a decisão ora em causa afigura-se contrária à lei, porquanto viola o disposto no artigo 71º, nº 2, al. d), do CP, condenando o Arguido e Recorrente numa pena de multa consideravelmente exagerada, quando deveria, ao invés, ter fixado a mesma no mínimo legal.”.
*4.
Na 1ª instância o Exmo. Procurador-Ajunto respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
*5.
Neste Tribunal da Relação a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seu parecer, aderindo à resposta apresentada pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância, sustentando que o recurso não merece provimento.
5.1.
Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C.P.Penal, não foi apresentada qualquer resposta.
*6.
Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois conhecer e decidir.
*II. FUNDAMENTAÇÃO 1.
É hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal (2).
Ora, no caso vertente, da leitura e análise das conclusões apresentadas pelo recorrente, este coloca a este Tribunal as seguintes questões essenciais que importa decidir: - Nulidade da sentença, nos termos do disposto no Artº 379º, nº 1, al. c), do C.P.Penal, por omissão de pronúncia; e - Medida da pena.
*2.
Para uma melhor compreensão das questões colocadas e uma visão exacta do que está em causa, vejamos, por ora, quais os factos que o Tribunal a quo deu como provados e não provados, e bem assim a fundamentação acerca de tal factualidade.
2.1.
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição): “1º - A X - Engenharia, Ltda. é uma sociedade por quotas constituída em 2005 tendo por objecto social, além do mais, a prestação de serviços de engenharia e construção civil.
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- Por sua vez o arguido F. M., além de sócio, foi pelo menos desde Setembro de 2011 o seu único e efectivo gerente, bastando a sua assinatura para obrigar a sociedade arguida.
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- Foi ele quem, nessa qualidade e pelo menos a partir da altura assinalada, negociou com os fornecedores da sociedade arguida, contratou e pagou aos respectivos trabalhadores e tratou dos respectivos financiamentos bancários, e foi ainda ele quem geriu os dinheiros da sociedade decidindo a todo o tempo do pagamento ou não de todos tributos legais devidos ao Estado, incluindo das cotizações a entregar à Segurança Social.
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- Ora, durante o período compreendido entre Setembro de 2011 e Outubro de 2013, o arguido F. M. fez pagar aos funcionários da X - Engenharia, Ltda. e a si próprio como respectivo gerente os salários constantes das tabelas de fls. 336-339, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nos quais fez reter a percentagem respectivamente de 11 e 9,3 (11 a partir de Janeiro de 2013) a título de cotizações por eles devidas à Segurança Social, tudo nos seguintes valores totais: a) Funcionários: - Total de salários pagos: € 331.003,92 - Cotização retida: € 36.410,43 - Montante já pago: € 7.381,13.
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Gerente: - Total de salários pagos: € 28.873,23 - Cotização retida: € 2.785,35 - Montante já pago: € 2.263,06.
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- Tudo isto foi o arguido F. M. fazendo constar nas folhas de salários que fez enviar à Segurança Social nas datas acima assinaladas.
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- Porém, o arguido F. M. não fez devolver à Segurança Social a referida percentagem que reteve nos salários dos trabalhadores da sociedade arguida e no seu próprio salário nem até ao dia 20 do mês seguinte a que respeitavam as cotizações nem nos 90 dias seguintes.
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- Pelo contrário, o arguido F. M. utilizou tais valores para pagar aos fornecedores, financiadores e trabalhadores da sociedade arguida e em tudo o mais necessário à respectiva gestão corrente.
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- Fê-lo para conseguir que a sociedade arguida fosse sobrevivendo ao clima económico adverso que no período em referência se abateu sobre a respectiva actividade.
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- Só mais tarde, em data concretamente indeterminada mas seguramente anterior a 07/04/2015, é que o arguido F. M. fez pagar à Segurança Social os montantes assinalados nas sobreditas tabelas de fls. 336-339.
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- No dia 07/04/2015 os arguidos F. M. e X - Engenharia Ltda. (esta na pessoa daquele) foram notificados nos termos constantes respectivamente de fls.83 e 80 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, em cumprimento do disposto no artigo 107º nº 2 e 105º nº 4 al. b) do Regime Geral das Infracções Tributárias.
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- Porém, pelo menos até 25/06/2015, com ressalva dos valores que já antes pagos, ainda não haviam sido devolvidas à Segurança Social nem as cotizações em falta nem os respectivos juros.
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- Ao proceder desta forma o arguido F. M. agiu consciente e livremente, em nome e no interesse da X - Engenharia, Ltda., ciente de que as mencionadas quantias...
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