Acórdão nº 180/17.6GBACB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução24 de Abril de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo Local Criminal de Alcobaça, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal singular, o arguido …, filho de … e de …, natural da freguesia e concelho da ..., nascido a 11-08-1981, solteiro, empregado de …, residente em …, …, … ..., imputando-se-lhe a prática de factos suscetíveis de o constituírem, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º n.º 1, alínea a), do Código Penal.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 13 de novembro de 2018, decidiu julgar procedente a acusação e condenar o arguido…, pela prática, em 11.08.2017, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos n.º 292.º, n.º 1 e 69.º n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de três meses de prisão, descontada de um dia por força da detenção (cfr. artigo 80.º do C.P.), a executar em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão e sem prejuízo das ausências que venham a ser autorizadas e, ainda, na sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de seis meses.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido …, retirando da sua motivação as seguintes conclusões: 1ª O arguido, ora recorrente, foi condenado pelo cometimento, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 3 meses de prisão.

2º Na temática da ponderação entre a aplicação de uma pena privativa e não privativa da liberdade, o Tribunal a quo escolher pela aplicação de uma pena de prisão.

  1. Ao fazê-lo, interpretou erroneamente o disposto nos artigos 70º e 71º do Código Penal.

  2. Deveria ter interpretado no sentido de considerar que, ao caso concreto, era suficiente a aplicação de uma pena não privativa da liberdade.

  3. O critério e as circunstâncias do art.71.º do CP são contributo quer para a determinação da medida concreta proporcionalmente compatível com a prevenção geral (que depende da natureza e do grau de ilicitude do facto face ao maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), quer para identificar as exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), fornecendo ainda indicações exógenas objectivas para a apreciação e definição da culpa do agente.

  4. In casu, o grau de ilicitude do facto é reduzido, face à taxa de alcoolemia apresentada, perto do mínimo legal. Por outro lado, e não obstante se fazer referência ao facto do arguido ter participado num acidente de viação, nada mais é, quanto a este, alegado ou dado como provado. Quem teve culpa no acidente? Em momento algum, através da sentença, se pode concluir que tal facto é imputável ao arguido. Ademais, o mesmo não foi, sequer, acusado pela prática de um crime de condução perigosa – o que releva para efeitos de não se considerar que a actuação do arguido foi marcada pela perigosidade.

  5. As necessidades de prevenção geral têm, ainda, de ser coordenados, em concordância prática, com as exigências de prevenção especial, quer no sentido de evitar a reincidência, quer na socialização do agente com vista a respeitar os valores comunitários fundamentais tutelados pelos bens jurídico-criminais.

  6. O Tribunal, nesta sede, apenas teve em consideração o longo cadastro criminal do arguido, alicerçando-se na ideia de que este era incapaz de actuar conforme o direito, não valorando factores importantes, como: nunca antes o arguido ter sido condenado por outro crime de condução de veículo em estado de embriaguez, o facto do seu registo criminal ser marcado pela prática de crimes de condução sem habilitação legal e este já ser, na data da prática dos factos, habilitado para conduzir; e por este, durante mais de 10 anos, não ter praticado qualquer crime.

  7. Atentos os condicionalismos do caso concreto, o Tribunal a quo deveria ter considerado como suficiente e adequado a aplicação de uma pena de multa ao arguido – o que se requer.

  8. Por outro lado, o Tribunal a quo sustenta a sua decisão, sobretudo, no longo registo criminal do arguido.

  9. Contudo, ao fazê-lo, viola o disposto na legislação que determina o cancelamento dos registos criminais pelo decurso do tempo.

    12º A lei exige o “cancelamento dos registos”, o que significa que as sentenças canceladas se consideram extintas no plano jurídico. A estas não se pode atribuir qualquer efeito, designadamente quanto à medida da pena.

  10. Verificado o decurso do tempo que determina o cancelamento, o registo da condenação deixa de poder ser considerado contra o arguido, assim sucedendo independentemente da circunstância de se ter ou não procedido prontamente à real efetivação do cancelamento.

  11. O aproveitamento judicial de informação que por inoperância do sistema se mantenha no CRC é ilegal, e viola ainda o princípio constitucional da igualdade, pois permite distinguir um arguido de um outro que, nas mesmas condições, tenha o CRC devidamente “limpo”.

  12. O Tribunal a quo deveria ter aplicado ao caso em apreço o disposto no artigo 11º da Lei n.º 37/2015, não atendendo à informação que já não deveria constar do registo criminal.

  13. O tribunal a quo violou o disposto nos artigos 40º e 70º do Código Penal.

  14. - O Tribunal a quo interpretou os citados normativos, no sentido de que a conduta do arguido e os seus antecedentes criminais justificam a condenação numa pena de prisão.

  15. Fê-lo sem ter analisado ou alegado a personalidade do arguido demonstrada nos seus actos.

  16. Não foram considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente: o denominado binómio factos - personalidade do agente. Mais, nenhum facto foi alegado ou provado quanto à personalidade do arguido no sentido da perigosidade para voltar a delinquir, pelo que tal elemento não pode fundamentar a aplicação da pena de prisão.

  17. Por outro lado, e se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal deve dar preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - art.º 70 do C. P., devendo fundamentar cabalmente essa decisão, o que não se verificou.

  18. Por outro lado, não corresponde à verdade, nem o mesmo se pode aferir por qualquer dos comportamentos demonstrados pelo arguido, que este revele um total desinteresse pelo destino do processo. O arguido confessou sem reservas os factos em causa, demonstrou o seu arrependimento e referiu, ainda, que se encontrava em procura activa de emprego. O arguido está integrado familiarmente. Toda esta factualidade não foi apreciada e valorizada pelo Tribunal a quo.

  19. O crime em causa nos presentes autos, é de natureza e gravidade de delinquência menor. O grau de culpa é menor.

  20. No caso de crimes puníveis em alternativa, com prisão ou multa, escolhida a primeira destas penas, pode ainda ser substituída por outra não detentiva que seja legalmente admissível, como por exemplo o trabalho a favor da comunidade, desde que a prisão não seja in casu, imposta por razões de prevenção, medida essa que atendendo ao caso concreto, alcançaria, com maior sucesso, os fins pretendidos.

  21. O tribunal a quo deveria, não obstante o passado judiciário do arguido ter optado pela aplicação de uma pena não privativa da liberdade - o caso de prestação de trabalho a favor da comunidade - visando consolidar no arguido a consciencialização da necessidade de um comportamento cívico e do cumprimento definitivo das suas obrigações.

  22. Deveria, pelo menos, tendo em conta os elementos no processo, considerar que estavam reunidos os pressupostos da substituição da pena de prisão.

  23. Deste modo, na medida em que na sentença ora recorrida não foi dada preferência à pena não privativa da liberdade, capaz de, in casu, realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, violou o referido aresto o disposto nos artigos 40º, 43º e 70º do CP.

  24. A pena aplicada, tendo por base apenas os antecedentes criminais do arguido, é manifestamente excessiva, por terem sido sobrevalorizadas as condenações anteriormente sofridas e não ter sido relevada a confissão sem reservas deste, o seu comportamento em julgamento e a integração familiar – vide Ac. Rel. Évora, de 07/04/2015.

  25. - Atentas as conclusões supra, o Tribunal a quo deveria ter interpretados os referidos normativos penais no sentido contrário. Precisamente, no sentido de que in casu é excessiva a aplicação da pena de prisão e, quando muito, a sua não substituição por outra pena não privativa da liberdade.

  26. - A sentença recorrida deve ser revogada, determinando-se a sua substituição por uma outra que, na procedência do recurso, aplique ao arguido uma pena não privativa da liberdade.

    O Ministério Público no Juízo Local Criminal de Alcobaça respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do recurso.

    O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder, mantendo-se a douta decisão recorrida.

    Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, o recorrente nada disse.

    Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    Fundamentação A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes da sentença recorrida é a seguinte: Factos provados: 1. No dia 11 de Agosto de 2017, pelas 17h25, o arguido … conduzia o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula …, na Rua da ..., após ter ingerido bebidas alcoólicas e apresentando uma taxa de álcool no sangue de 1,27 g/l, correspondente à taxa de 1,46 g/l, determinada, após a dedução de erro máximo admissível.

    1. Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, o Arguido envolveu-se em acidente de...

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