Acórdão nº 20264/18.2T8LSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução24 de Abril de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 22.3.2018 Lúcia apresentou no Balcão Nacional de Arrendamento procedimento especial de despejo contra José António e contra Maria.

A requerente alegou, em síntese, ser dona de uma fração autónoma, correspondente ao 3.º andar direito de imóvel, situado em Lisboa, que identificou, o qual em 20.02.1976 fora dado de arrendamento a quatro pessoas que identificou, para o exercício de profissão liberal, in casu para o exercício de advocacia. Entre as partes ficou acordada autorização para a cedência, no todo ou em parte, por uma ou mais vezes, a colegas da mesma profissão liberal. Os requeridos são atualmente os arrendatários da relação locatícia em questão. Sucede que os requeridos não pagaram a totalidade das rendas vencidas em agosto, outubro, novembro e dezembro de 2017 e da renda vencida em janeiro de 2018. Sendo a renda no valor de € 716,85, os requeridos apenas efetuaram pagamentos parciais, estando em dívida o total de € 2 150,53. Interpelados para o pagamento do devido, os requeridos não o fizeram. Assim, a requerente procedeu à notificação avulsa dos requeridos, tendo em vista a resolução do contrato de arrendamento, resolução essa que operou, uma vez que os inquilinos não puseram fim à mora.

A requerente terminou pedindo a cobrança do valor em dívida, a título de rendas, no montante de € 2 150,53.

Os requeridos deduziram oposição, alegando deterem, no arrendamento, tão só uma quota ideal de 50%, pelo que efetuaram o pagamento do que era devido.

Os requeridos concluíram pela sua absolvição do pedido.

Foi dada à requerente a possibilidade de exercer o contraditório quanto ao alegado na oposição, o que aquela fez, reiterando o por si alegado e peticionado.

Realizou-se audiência final e foi proferida sentença na qual se emitiu o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, a) julgo improcedente, por não provada a oposição deduzida, julgando validamente resolvido o contrato de arrendamento de 20 de Fevereiro de 1976 formalizado no doc. 3 req. inicial, fls 230/231, e ordeno o despejo imediato da fracção autónoma designada pela letra “K”, correspondente ao terceiro andar direito do imóvel sito na Rua (…), n.º 33, em Lisboa; b) e condeno os Requeridos a pagarem à Requerente a quantia de € 2.150,53.

c) Custas pelos Requeridos.” Os requeridos apelaram da sentença, tendo apresentado alegações em que formularam as seguintes conclusões: A. O presente recurso vem interposto da sentença recorrida, porquanto, no entender dos ora Recorrentes, o Senhor Juiz “a quo” errou grosseiramente no julgamento da matéria de facto, como é certo que, para além de declarar o despejo com base em factos que não se verificaram e noutros que interpretou de forma errada e ínvia, errou no julgamento de Direito, violando, designadamente, o disposto nos artigos 236º n. 1, 334º 1022º e 1083º, n.ºs 3 e 4 do Código Civil, dando cobertura ao manifesto abuso de Direito praticado pela Requerente, como se demonstrará. B. Os ora Recorrentes aceitam sem reserva que o Senhor Juiz “a quo” julgou acertadamente, ao dar como provados os factos descritos nas al.s a) a s), na primeira parte da al. t), até “em curso” e nas al.s u) a z) e na al. b.1).

  1. Ao contrário, o Senhor Juiz “a quo” errou manifestamente no julgamento da matéria de facto, ao dar como provado o facto descrito na segunda parte da al. t), ou seja, quando deu como provado que João (…) respondeu à Requerente “que aceitava fazer cessar o contrato em 31/07/2017, a ser-lhe concedida moratória de desocupação até 31 de Agosto seguinte”.

  2. O Senhor Juiz “a quo”, ao ter dado como provado que o Dr. João (…) por tal carta de 16/07/2017, enviada à senhoria, aceitou fazer cessar o contrato em 31/07/2017, a ser-lhe concedida a moratória de desocupação até 30 de Agosto seguinte, tresleu a referida carta, interpretando-a grosseiramente e de forma errada, e dificilmente compreensível, pois que, do teor da mesma não se pode concluir – para quem saiba português – que o Senhor Dr. João (…) aceitou fazer cessar o contrato em 31 de Julho de 2017.

  3. O que o Senhor Dr. João (…) referiu foi coisa bem diferente e que não se pode confundir com o facto que o Senhor Juiz “a quo” deu como provado.

  4. O que resulta claríssimo desta carta que o Dr. João (…) enviou à senhoria é que ele estaria disposto ou inclinado, como ele refere, a acordar com a senhoria em fazer cessar o contrato de arrendamento a partir de 31 de Julho de 2017, na condição de a senhoria lhe conceder a possibilidade de, no mês de Agosto, ele poder retirar do seu gabinete o recheio que lhe pertence.

  5. O Dr. João (…), por tal carta, contrariamente ao que o Senhor Juiz “a quo” deu como provado, não aceitou fazer cessar o contrato em 31 de Julho de 2017! O que ele escreveu e é bem diferente, é que aceitaria tal possibilidade se a condição por ele posta à senhoria se verificasse.

    Em síntese: Ele não renunciou ao arrendamento com efeitos a partir de 31 de Julho de 2017! H. Por isso, terminou tal carta, escrevendo: “na expectativa de uma resposta favorável”, o que quer dizer que o facto que o Dr. João (…) admitia como possível de fazer cessar o contrato de arrendamento a partir de 31 de Julho de 2017, dependia da Senhoria lhe conceder a moratória de 30 dias a partir de tal data para ele poder desocupar o arrendado dos seus bens pessoais.

    I. De qualquer forma estaria sempre fora de causa, porque remeta de tal carta, que o Dr. João (…) se manteria sempre como arrendatário até 31 de Julho de 2017.

  6. A senhoria, por carta registada com aviso de recepção de 24 de Julho de 2017, enviada ao Dr. João (…), comunicou-lhe que acedia à sua pretensão, autorizando-o a “desocupar o locado até 30 de Agosto do corrente ano”.

  7. Nessa carta, de que não há registo de ter sido recebida pelo destinatário, em 24 de Julho de 2017 e por essa mesma carta, a senhoria reconhece que o Dr. João (…) é um dos arrendatários do imóvel sito na Rua (…) n.º 33, 3º Dto, em Lisboa, solicitando-lhe que a informe a partir de que data deixaria o local arrendado – Cfr. Doc. 3 anexado ao requerimento com data de 16 de Julho 2018 da Requerente com a referência 30720157.

    L. Não tendo tomado ainda conhecimento de tal carta da senhoria, em 28 de Julho de 2017, data em que era arrendatário de tal imóvel de pleno direito e não tendo, nessa data, renunciado ainda à sua qualidade de coarrendatário do mesmo, o Dr. João (…) cedeu a sua posição contratual de co-arrendatário em tal imóvel, em que detinha uma quota ideal correspondente a 50% do direito ao arrendamento, ao ora Recorrente e seu co-arrendatário à data, José António (…).

  8. Em 28 de Julho de 2017 o Dr. João (…) tinha toda a legitimidade como co-arrendatário de tal imóvel em apreço e no qual detinha uma quota ideal correspondente a 50% do direito ao arrendamento, para ceder a sua posição contratual ao seu co-arrendatário e ora Recorrente, José António (…), o que fez, celebrando com o mesmo o contrato de cessão da posição contratual de arrendatário que se anexou como Doc. 1 à oposição oferecida nos autos em referência.

  9. Por via de tal cessão, o ora Recorrente José António (…) passou a deter uma quota ideal correspondente a 100% do direito referente a tal fracção autónoma, razão, pela qual, nessa mesma data de 28 de Julho de 2017, o Recorrente cedeu à sua colega, Maria (…), uma quota ideal de 25% daquela quota que passou nessa data a deter em tal arrendamento.

  10. Atento o atrás exposto, é evidente que, quer o Dr. João (…), quer os ora Recorrentes, tinham em 28 de Julho de 2017, legitimidade para, validamente, celebrar tais contratos de cessão da posição contratual de arrendamento, P. Os ora Recorrentes informaram a senhoria por carta de 28 de Julho de 2017, enviada sob registo e com aviso de recepção, por ela recebida em 1 de Agosto de 2017, notificando-a do envio dos dois referidos contratos de cedência da posição de arrendatário. Q. Do teor desta carta, a senhoria foi notificada por via de correio electrónico em 28 de Julho de 2017, ou seja, em data em que, quer o Dr. João (…), quer os ora Recorrentes eram co-arrendatários do escritório em apreço, como, aliás e relativamente ao Dr. João (…), a senhoria reconheceu na carta que lhe enviou em 24 de Julho de 2017 e que ela anexou como Doc. 3 ao seu referido requerimento com a referência 30720157.

  11. Inacreditavelmente, a senhoria, por carta de 5 de Agosto de 2017, dirigida aos ora Recorrentes, sob registo postal e com aviso de recepção, acusando a recepção da carta destes de 28 de Julho de 2017, veio comunicar aos ora Recorrentes que se opunha “à cedência da posição contratual do Senhor Dr. João (…) ao Senhor Dr. José António (…), uma vez que o Senhor Dr. João já havia manifestado a sua renuncia ao arrendamento por carta com data anterior à da cessão pretendida por V. Exas.

    ”, S. A senhoria estava a reportar-se à carta que o Senhor Dr. João (…) enviou em 16 de Julho de 2017 e que foi, aliás, a única que esse Senhor Advogado lhe remeteu.

  12. Só que a Senhoria, pelos vistos, tresleu tal carta, subvertendo o seu sentido e conteúdo, pois que, contrariamente ao por si referido nesta carta, que em 5 de Agosto de 2017, enviou aos ora Recorrentes, o Senhor Dr. João (…), como já ficou demonstrado, na carta que lhe enviou em 16 de Julho de 2017, não renunciou ao arrendamento, sendo absolutamente falso o escrito pela senhoria, ao escrever que, “o Senhor Dr. João já havia manifestado a sua renuncia ao arrendamento por carta com data anterior à da cessão pretendida por V. Exas.” U. A senhoria por tal carta, comunicou aos ora Recorrentes que não os reconhecia como cessionários da quota ideal que o Dr. João (…) detinha e correspondente a 50% do direito ao arrendamento de tal escritório.

    V. Este é o facto angular do presente processo, pois que, ao opor-se a tal...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT