Acórdão nº 844/12.0TBVCD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Março de 2019
Magistrado Responsável | MARIA CECÍLIA AGANTE |
Data da Resolução | 26 de Março de 2019 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo nº 844/12.0TBVCD Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz 6 Acórdão Acordam no tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO F..., residente na Rua ..., Edifício ..., entrada, .., . CS ., ....-... Vila de Conde, instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra C... e marido, D..., casados sob o regime de comunhão de adquiridos, residentes na Rua ..., nº ., ..., ....-... Vila do Conde. Alegou, para tanto, ter a qualidade de herdeira de E..., falecido em 03/05/2011, e, por isso, sustentou que o prémio do sorteio «F...», no montante de €15.000.000,00 (quinze milhões de euros), levantado pelos Réus integra a herança aberta por óbito de seu falecido pai, mas eles dele se apropriaram. Formulou o seguinte pedido: a) “Se declare e condene os Réus a reconhecer que a Autora é herdeira e interessada na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de E...
”; b) “Se decrete e condene os Réus a reconhecer que o prémio obtido no jogo do «F...» em Maio de 2007 no valor de 15.000.000,00€ (quinze milhões de euros), acrescido dos juros e demais frutos recebidos pela aplicação dos mesmos - juros esses contados desde a data do recebimento do prémio até integral e respectivo pagamento – faz parte do acervo da herança”; c) “Se condene os Réus a restituir à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de E... todos os valores referidos em b)”.
Citados, os Réus invocaram a exceção de incompetência em razão do território e opuseram que foram eles próprios que preencheram, registaram e pagaram o boletim que foi premiado no sorteio do «F...» em causa. Por esse motivo, mediante a apresentação do boletim premiado junto da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, receberam o prémio monetário correspondente. Nunca o referido E..., pai da Autora e da Ré mulher, que faleceu cerca de 4 anos após o referido sorteio, se arrogou como titular de tal prémio. Ao invés, a atribuição do prémio aos Réus foi um facto público e publicitado e nunca foi questionado por quem quer que seja, designadamente pelo aludido E.... Configurando a Autora a ação como de petição de herança, prescreveu o seu direito, pois adquiriram, por usucapião, o direito de propriedade sobre aquele montante. Deduziram reconvenção, pedindo que à Ré mulher seja reconhecida a qualidade de cabeça de casal na herança aberta por óbito de E..., bem como o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o mencionado valor monetário, com fundamento no instituto da usucapião.
Foi apresentada réplica, na qual a Autora impugnou a matéria articulada pelos Réus e relativa às exceções deduzidas e ao pedido reconvencional.
Os Réus apresentaram tréplica, concluindo como na sua contestação.
Foi realizada audiência prévia, com admissão da reconvenção e elaboração do despacho saneador. Foi declarada a improcedência da exceção de incompetência territorial e foi indeferido o pedido reconvencional no tocante ao pedido de reconhecimento da Ré como cabeça de casal da herança aberta por óbito de E....
Selecionados os temas da prova, sem reclamação, realizou-se a audiência de julgamento, com observância do inerente formalismo legal. Foi prolatada sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto julgo a acção parcialmente procedente, por provada e em consequência, reconheço à Autora a qualidade de herdeira e interessada na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu pai E.... No mais, julgo a acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo os Réus dos demais pedidos formulados nos autos.
Mais decido julgar a reconvenção totalmente procedente, por provada, e consequentemente reconheço que os Réus adquiriram, por usucapião, a propriedade da quantia pecuniária titulada pelo boletim premiado no concurso da SCML n.º ../07, de 25.05.2017”.
Irresignada, apelou a Autora, B..., assim concluindo a sua alegação: “1. Não se verificam os Requisitos necessários à aquisição, por Usucapião, do Direito invocado pelos Recorridos desde logo por não se encontrarem verificados os requisitos de boa-fé e posse pacífica do bem; 2. Caindo, por aqui, o fundamento da Sentença que reconhece o direito invocado pelos Recorridos.
-
Não se apurou a verdade material relativa à forma como e, por quem, foi preenchida e paga a aposta premiada no sorteio F...; 4. Perante a constatação de uma situação de non liquet, neste particular, o Tribunal a quo poderia e deveria ter tido em conta, para a descoberta da verdade material, todos os “factos instrumentais” que a Recorrente carreou para os autos em sede de Procedimento Cautelar, inserindo-os, ou tendo os mesmos em conta para proferir a Decisão Recorrida; 5. Mediante o Recurso a tais factos e perante uma possibilidade de obtenção, por presunção, de matéria tendente a atingir a verdade material, o Tribunal deveria tê-lo feito - usando a dita prova por presunção - e não o fez; 6. A utilização de “factos instrumentais” como base para, por presunção, ter conseguido chegar à verdade material sobre a forma como a aposta premiada foi elaborada, era algo que o tribunal a quo deveria ter procurado ex oficio e, não o fez; 7. Ao (não) ter atuado desta forma, escusou-se, o Tribunal recorrido, a procurar a descoberta da verdade material; 8. Violou, por isso, ao proferir a Sentença, desta forma e desde logo, o conteúdo dos Arts. 5.º a 8.º, 588.º e 611.º todos do Código de Processo Civil; 9. Devendo, por isso, o Tribunal de Recurso proferir Decisão que, tendo em conta os factos invocados pela Recorrente a que o tribunal a quo não atendeu ao proferir a Decisão Recorrenda, altere o sentido da mesma, reconhecendo o direito da Recorrente no petitório que formula”.
Respondendo, os Réus finalizaram a sua alegação deste modo: “1. No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto, é processualmente exigido ao Recorrente sob pena de rejeição do mesmo, que concretize os pontos de facto que considere incorrectamente julgados; identifique concretamente os meios probatórios que impunham decisão diversa à proferida; e que concretize qual a decisão que no seu entendimento deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas, tudo como resulta do disposto no nº 1 do artº 640 do CPC., ónus não cumpridos pela Recorrente.
-
Não cumpriu a Recorrente, e por maioria de razão o ónus imposto pela alínea a) do nº 2 do artº 640 do CPC., 3. Impugnação essa, que deve constar obrigatoriamente das conclusões de recurso de uma forma precisa, já que servindo as mesmas para delimitar a sua abrangência e objecto, é essencial que naquelas conste a identificação dos pontos de facto que são objecto de impugnação por via de recurso.
-
Face a este incumprimento deve, e de imediato ser rejeitado o recurso, por violação do disposto nos artºs 639º e 640º do CPC.
-
De acordo com o disposto no artº 638 do CPC., o prazo para a interposição de recurso é de 30 (trinta) dias contados a partir da notificação da decisão, prazo esse que por força do disposto no nº 7 será acrescido de 10 dias se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada 6. Não decorre das alegações da Recorrente, nem das suas conclusões qualquer pedido de reapreciação da matéria de facto.
-
Não versando o recurso sobre a reapreciação da matéria de facto, tendo em atenção que a sentença foi proferida em 29-10-2018, colocada para notificação às partes na plataforma CITIUS em 30-10-2018 e que a Recorrente apresenta as suas alegações em 12-12-2018, terá o recurso de ser rejeitado por extemporâneo por então, já se mostrar decorrido o prazo do nº 1 do artº 638º do CPC.
-
Não foi requerida a alteração da matéria de facto, razão pela qual se deve dar a mesma como definitivamente fixada.
-
Das alegações da Recorrente, para as quais remetem as conclusões são explanados em diversos “itens”, de natureza solta que a mesma apelida de “factos instrumentais” e que alegadamente o Tribunal deveria ter utilizado para por “presunção” alcançar a verdade material e que nessa medida terá a douta sentença ora em crise violado os artºs 5º a 8º do C.P.C.; 588 e 611 também do C.P.C.
-
Ora, de acordo com o disposto no artº 5 do CPC. às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, podendo ainda o Tribunal para além dos factos articulados pelas partes tomar em consideração: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido as partes oportunidade de se pronunciar c)Os factos notórios e aqueles que o tribunal tem conhecimento em virtude das suas funções.
-
São pois factos instrumentais os que interessam indirectamente à solução do pleito, por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos factos pertinentes; não pertencem à norma fundamentadora do direito e são-lhe, em si, indiferentes, servindo apenas para, da sua existência, se concluir pela existência dos próprios factos fundamentadores do direito ou da excepção.
-
Sendo que os alegados “factos instrumentais” carreados para os autos em sede de alegações de recurso versam, conforme explanado na resposta às alegações, sobre matéria que não foi carreada e por isso não apreciada nos presentes autos, questões tratadas noutros processos judiciais, depoimentos de testemunhas transcritos de outros processos judiciais, documentação não sujeita ao contraditório pelos Recorridos e questões já transitadas em julgado e que não foram objecto de recurso em sede própria, e que nesse medida extravasam o âmbito dos presentes autos, por não terem qualquer relação com a matéria em juízo: “saber quem preencheu, registou e pagou o boletim premiado e a quem pertence o prémio do “F...” sorteado em 25.05.2007” 13. Pelo que não poderão esses “itens”, serem tomados em consideração por não terem qualquer relevância para apreciação da matéria em discussão, e muito menos para a decisão da causa, aliás mesmo sendo atendidas (o que só...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO