Acórdão nº 215/16.0T9MTJ.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelFERNANDO ESTRELA
Data da Resolução11 de Abril de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I - No proc.º comum n.º 215/16.0T9.MTJ da Comarca de Lisboa, Juízo de Instrução Criminal do Barreiro, por decisão instrutória de 20 de novembro de 2017, foi decidido: - “por ilegitimidade do assistente, não admitir a acusação deduzida pelo assistente contra a arguida AA, onde lhe imputa a prática de um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelo art.° 205°, n.° 4, al. a) do Código Penal.” - ”não pronunciar as arguidas AA e BB pela prática do crime de difamação, p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 1, al. a) ambos do Código Penal, por que vêm acusadas, declarando extinto o presente procedimento criminal.” II – Inconformado, o Assistente CC interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões: 1. O Assistente sentiu-se vexado, ofendido na sua honra, dignidade e no seu bom nome, com a alegação das Arguidas de que o dinheiro que emprestou à Arguida não era desinteressado e apresentou denúncia disso nos presentes autos.

  1. Se a relação em causa se tratava de amizade ou de amor seria em termos latos sempre interessada - não foi isso que ofendeu o Assistente.

  2. A conclusão de que se trataria de amor Ou amizade por parte do Assistente é inútil para a decisão recorrida.

  3. O termo interessado denunciado não se refere a interessado em amor ou amizade, mas em interesse sexual - o que é ofensivo da honra, dignidade e bom nome de uma pessoa de bem e que efetivamente ofendeu o Assistente.

  4. A decisão recorrida afirma a dado momento na sentença que não é de amizade, que o Assistente trata numa carta dirigida à Arguida AA. É de amor! 6. Foi precisamente por o Assistente se sentir vexado com semelhantes alegações das Arguidas que apresentou a denúncia das mesmas.

  5. Note-se igualmente que nem o Assistente, nem as Arguidas se referem em algum momento dos autos a que a participação do Assistente, na relação com a Arguida AA seria de amor.

  6. Apenas a decisão recorrida desvenda tal novidade do comportamento do Assistente, dum postal que a Arguida AA juntou com a contestação aos presentes autos.

  7. Se se tratava de amor ou amizade, o interesse evidenciado pelo Assistente, na relação com as Arguidas tal seria questão do foro pessoal íntimo que a sentença não era convocada a explorar.

  8. A conclusão de que o comportamento das Arguidas poderia constituir crime de burla simples é do próprio Ministério Público nos presentes autos no despacho de arquivamento de 23/5/2017.

  9. As Arguidas, em especial a Arguida AA, aproveitando-se de ascendente que tomou sobre o Assistente pediu-lhe avultadas quantias de dinheiro que o Assistente mesmo não dispondo das mesmas diligenciou endividando-se por lhas prestar. As Arguidas simularam que devolveriam mas não devolveram as quantias obtidas do Assistente.

  10. E é por demais aviltante que as Arguidas venham aos autos alegar que o Assistente emprestou "interessado" com o significado que foi dado pelas Arguidas no contexto da relação destas com o Assistente e que o tribunal a quo pareça as acompanhar em coro nessa aviltante difamação.

  11. E o tribunal a quo sem qualquer cuidado e pudor pelo tema e pela sensibilidade já demonstrada pelo visado, o Assistente nos autos, bem como sem qualquer fundamento senão conclusões sem apoio expresso numa carta que o mesmo alegou estar excluída do seu contexto, compõe e expressa a conclusão que afirma na decisão recorrida.

  12. Não se verifica das alegações e demais elementos que Assistente e Arguidas fizeram constar dos autos que alguma vez em troca dos valores que o Assistente emprestou à Arguida AA que a esta fosse exigido ou sequer esperado ou pretendido que lhe pagasse com qualquer ato ou satisfação de amor, ou sexual.

  13. O que foi exigido e pretendido pelo Assistente em troca do dinheiro emprestado foi uma comum declaração de dívida.

  14. Em nenhum momento o Assistente condicionou, a prestação de qualquer valor à Arguida, com a contraprestação de qualquer pretensão além da normal devolução integral e a dado momento da garantia disso por um documento assinado.

  15. Os valores prestados pelo Assistente à Arguida AA resultaram determinantemente do ascendente que esta conseguiu sobre aquele.

  16. É determinante na relação jurídica entre o Assistente e as Arguidas o valor que este prestou àquelas e o motivo porque o fez e estas ambas questões o Assistente apresentou ao tribunal a quo para que este decidisse se seriam ou não crime.

  17. É falso que o Assistente tenha-se relacionado com a Arguida AA com intenção interessada.

  18. Não há fundamento de verdade na alegação ofensiva denunciada.

  19. A intenção interessada em causa não era em amor, ou amizade. Não foi esse o significado dado, nem o significado percebido pelo Assistente ou por quem objetivamente, no contexto da relação entre o Assistente e a Arguida AA, lesse a alegação em causa.

  20. Bem como mais pediu ao tribunal a quo que apreciasse igualmente a ofensa ao seu bom nome, dignidade e honra que consta das alegações de defesa das Arguidas de que intenção do Assistente com a Arguida AA não era desinteressada.

  21. O tribunal a quo na decisão recorrida toma posição sobre um aspeto que as Arguidas carrearam aos autos em sua defesa e que em si mesmo é efetivamente uma ofensa à dignidade, ao bom nome e honra do visado, o Assistente, e que em nada beneficiaria objetivamente a defesa das Arguidas sobre o crime de que eram acusadas, sendo desproporcionada a ofensa em face do bem visado.

  22. A decisão recorrida deve ser anulada e substituída por outra que se limite a decidir se é ou não ofensivo da dignidade, Honra e bom nome do Assistente a alegação das Arguidas de que "claramente demonstrou que a sua intenção para com a mesma não era desinteressada".

  23. Pelo exposto deve conceder-se provimento ao presente recurso, e em consequência deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que decida de forma objetiva e fundamentada, dentro dos limites do objeto dos autos.

    Com o que se fará a costumada JUSTIÇA! III – Em resposta, o Ministério Público na 1.ª instância veio formular parecer no sentido da improcedência do recurso interposto.

    IV – Transcreve-se a decisão recorrida.

    DECISÃO INSTRUTÓRIA Declaro encerrada a instrução.

    1- A.Arguidas: AA, …, empregada de balcão, nascida no dia …5,…; BB, …, cabeleireira, nascida no dia …2,…, 1- B. Assistente CC, electricista, nascido em …1,...; 2 - Decisão Comprovanda: Acusação particular deduzida pelo assistente e não acompanhada pelo Ministério Público que, por considerar a existência de indícios suficientes, imputa às arguidas a prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação, com publicidade e calúnia, p. e p.-pelos artigos 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 1, als. a) e b), ambos do Código Penal e a arguida AA, ainda, de um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelo art.° 205.º, n.º 4, al. a), também co Código Penal.

    3 - Fundamentos da Abertura da Instrução: Inconformadas, as arguidas requereram a abertura da fase de instrução, alegando, em síntese, que não tem o assistente legitimidade para deduzir acusação pela prática, pelas arguidas, do crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelo art.° 205.º, n.º 4, do Código Penal e que, tendo em conta a data dos factos alegados pelo assistente há muito que de correu o prazo legal para apresentação da respectiva queixa, tendo o mesmo caducado, quanto ao acusado crime de difamação, já que tais factos datam de 2009, altura em que o assistente deles tomou conhecimento, só tendo apresentado a presente queixa em 2016.

    Tendo em conta a factualidade que alegam, entendem as arguidas dever ser proferido despacho que as não pronuncie pelos crimes por que vêm acusadas.

    4 - Diligências Efectuadas: Não foi requerida a produção de prova, nem tal se mostrou necessário para as finalidades da presente fase processual.

    A seu tempo e com observância das legais formalidades, procedeu-se à realização do Debate Instrutório, de acordo com a respectiva ata, no decorrer da qual o assistente requereu a produção de prova que foi indeferida.

    5 - Pressupostos Processuais: O Tribunal é o competente.

    Vem o assistente deduzir acusação contra a arguida AA, imputando-lhe a prática de um crime de abuso de confiança, agravado, p. e p. pelo art.° 205°, n.° 4, al. a), do Código Penal.

    De acordo com o disposto no n.° 3, do art.° 205° do Código Penal, o procedimento criminal pelo crime de abuso de confiança tem natureza semipública.

    Atendendo à natureza semipública do crime em causa é o Ministério Público que tem legitimidade para acusar pela sua prática e, quando o não faz, tem o assistente a possibilidade de, nos termos do disposto no art.° 2870 do CPP, requerer a abertura de instrução.

    O Ministério Público determinou o arquivamento do procedimento quanto ao crime de abuso de confiança - cf. fls. 215 e 216 - pelo que ao assistente, no caso de discordar daquele arquivamento, não restaria que requerer a abertura de instrução.

    Nos termos acima referidos, por ilegitimidade do assistente, não admito a acusação deduzida pelo assistente contra a arguida AA, onde lhe imputa a prática de um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelo art.° 205°, n.° 4, al. a) do Código Penal.

    (…) 6 - Discussão e Apreciação: (…) Do que atrás se expendeu não pode, porém, concluir-se que a decisão de pronúncia, tal como a de acusar, possam ser proferidas de forma apressada ou precipitada. Com efeito, para a pronúncia, e não obstante não ser necessária a certeza da existência da infracção, os factos indiciários deverão ser suficientes e bastantes, por forma que, logicamente relacionados e conjugados, consubstanciem um todo persuasivo da culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade no que respeita aos factos que lhe são imputados (cf. Acórdão da Relação de Coimbra de 31 de Março de 1993, C.3., Tomo II, pág. 66). E como bem entendeu o já citado Acórdão da Relação de Lisboa, "(...) sujeitar alguém, seja quem for, a um julgamento, pode acarretar para além do natural...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT