Acórdão nº 4141/16.4T8GMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução14 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório “– Papel Comercial”, fundo de recuperação de créditos do qual “X – SGFTC, S.A.”, é a Entidade Gestora, veio, ao abrigo do nº 2 do art. 356º do CPC, requerer a sua habilitação, na qualidade de cessionário, por apenso aos autos de acção declarativa com forma de processo comum, em que são autores J. C. e mulher M. A. e são Réus Y & ASSOCIADOS - SOCIEDADE DE REVISORES OFICIAIS DE CONTAS, S.A. e Outros.

Como fundamento alegou, em síntese: - No âmbito do processo principal os Autores peticionam o pagamento de um crédito, de que são titular sobre os Réus, resultante da comercialização de papel comercial emitido pela RF Investments, S.A..

- A constituição do F. resultou da iniciativa do Governo de Portugal, Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, Banco A e da – Associação de Indignados do Papel Comercial, que, em conjunto, promoveram a criação de uma solução que visou minorar, de forma justa e equitativa, as perdas dos investidores não qualificados, entre os quais se encontram os Autores.

- Os Autores aderiram ao F., mediante a celebração com este de um Contrato de Adesão através do qual transmitiram para o F. os valores mobiliários representativos de dívida de prazo igual ou inferior a 397 dias, leia-se papel comercial, emitido pela Banco A International, S.A., ao abrigo do Decreto-Lei n.º 69/2004, de 25/03, bem como os créditos e direitos associados aos mesmos, o que inclui o crédito objeto dos autos principais.

- Na sequência da celebração do referido Contrato de Adesão, o F., cessionário, é atualmente o titular de todos os créditos, atuais, futuros, contingentes, litigiosos ou de qualquer outra natureza, que os Autores, cedentes, detenham ou possam vir a deter, decorrentes do papel comercial emitido pela Banco A International, S.A. e pela RF Investments, S.A., o que abrange o crédito sub judice.

- O contrato de adesão tornou-se plenamente eficaz aquando da verificação da condição suspensiva, conforme resulta das suas Cláusulas 6.1 e 6.5, pelo que, de harmonia com o disposto no art. 59.º, n.º 1 da Lei n.º 69/2017, de 1 de Agosto, a cessão de créditos produziu efeitos em relação aos respetivos devedores, Réus na acção principal.

*Citadas as partes primitivas, a Y apresentou-se a contestar, pugnando pelo indeferimento do requerimento de habilitação do Requerente como cessionário (cfr. fls. 18 a 22).

Alega, em resumo, que: a) os créditos alegados pelos autores sobre a Y não estão abrangidos pela Lei 69/2017, de 1 de Agosto; b) não há lugar à transmissão do alegado direito à compensação de danos não patrimoniais; c) há prejuízo processual para a Ré Y, porquanto o art. 10º da Lei 69/2017, de 1 de Agosto estabelece um regime especial que que beneficiaria o adquirente dos créditos, ficando a requerida impedida de invocar meios de defesa contra o Requerente.

*Notificado, o F. pronunciou-se nos termos que constam de fls. 60 a 63, invocando a inadmissibilidade dos fundamentos alegados na contestação.

*Datada de 19.11.2018, o Tribunal “a quo” proferiu a seguinte decisão: «Por tudo o exposto, julgo parcialmente procedente o presente incidente e, em consequência, habilito o F. – I. – Papel Comercial como cessionário dos créditos de índole patrimonial peticionados pelos autores nos autos principais, com excepção do ponto 4) do petitório (…)».

*Inconformado com esta decisão dela recorre a co-requerida Y, formulando, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (cfr. fls. 131 a 135): «1.ª — A Lei n.º 69/2017, de 1 de Agosto, visou apenas abranger os créditos emergentes ou relacionados com vendas culposas de produtos financeiros não adequadas às necessidades dos clientes, pelo que somente os créditos indemnizatórios daí emergentes podem ser objecto de cessão ao Fundo, não tendo sido propósito da lei abranger todas e quaisquer pretensões indemnizatórias que os clientes do BANCO A pudessem invocar contra a Y enquanto ROC e auditor desse Banco.

  1. — Os créditos que o Fundo diz ter adquirido aos Autores não são créditos que resultem ou estejam relacionados com a aquisição ou detenção de papel comercial da K pelos Autores, mas antes com alegadas más práticas da Y enquanto auditora e ROC do BANCO A — o que afasta a aplicação das normas da Lei n.º 69/2017, de 1 de Agosto, e impede a aquisição de tais supostos créditos pelo Fundo.

  2. — Não ocorre na petição inicial, e nomeadamente nas passagens assinaladas na lista de factos dados como provados na sentença recorrida, a alegação de quaisquer concretos factos que relacionem a Y com a aquisição de papel comercial da K pelos Autores.

  3. — Os Autores invocam na petição inicial que foram levados pelo BANCO A a fazer uma aplicação que pensavam ser um depósito a prazo, com garantia do reembolso do capital e dos juros, que foi por isso que fizeram tal aplicação e que só depois é que descobriram que o dinheiro foi aplicado num produto diferente, o papel comercial da K, no qual não teriam investido se a sua verdadeira natureza lhes tivesse sido explicada pelo BANCO A (cfr. os arts. 17.º a 50.º e, na numeração aposta na petição inicial, 1.º a 28.º que por lapso se sucedem ao art. 50.º) — são esses os factos que são alegados relativamente à aquisição do papel comercial da K, aos quais a Y é alheia.

  4. — As escassas afirmações conclusivas feitas na petição inicial sobre a suposta responsabilidade da Y pela não revelação da alegada real situação do BANCO A ao longo dos anos, caso possam constituir causa de pedir de um pedido indemnizatório com fundamento em responsabilidade extracontratual — e no entender da Y não constituem, conforme oportunamente alegou nos autos principais —, sempre diriam respeito a uma pretensão não relacionada com a aquisição do papel comercial da K nem dela decorrente.

  5. — Uma vez que a aquisição dos pretensos créditos sobre a Y não é autorizada pela Lei n.º 69/2017, de 1 de Agosto, nem pelo Regulamento de Gestão do Fundo, a aquisição pelo Fundo é nula e ineficaz relativamente à Y.

  6. — Sendo inválida e ineficaz a aquisição dos alegados créditos sobre a Y, justifica-se plenamente que seja indeferida na totalidade a pretendida habilitação do Fundo.

  7. — A rejeição do pedido de habilitação justifica-se também pelo facto de a substituição processual requerida prejudicar a posição processual da Y.

  8. — Na situação dos autos, não é exigível que fique demonstrada a existência de um propósito malicioso na transmissão dos alegados créditos para que seja indeferido o pedido de substituição dos Autores pelo Fundo.

  9. — Isto porque o que está em causa não é apurar se se justifica proteger a Y contra a substituição dos Autores por um contendor mais forte ou aguerrido; do que se trata é, antes, de a proteger contra uma substituição do cedente pelo cessionário que em si mesma, objectivamente, é capaz de a prejudicar por força do regime legal mais favorável de que o cessionário pode beneficiar.

  10. — Assim, contrariamente ao que se afirma na sentença recorrida, o facto de a cessão dos créditos ter sido alegadamente feita ao abrigo de um regime legal estabelecido com vista a permitir a recuperação de parte do montante investido em papel comercial, mesmo que se entenda que afasta o propósito malicioso, não preclude o direito da Y de impedir a substituição dos Autores pelo Fundo por esta a prejudicar.

  11. — A Lei n.º 69/2017, de 1 de Agosto, contém normas que conduzem a que o Fundo, caso se substitua aos Autores como adquirente dos alegados créditos contra a Y, beneficie de uma posição mais vantajosa do que a dos Autores.

  12. — Em particular, está em causa a norma do art. 10.º da Lei n.º 69/2017, de 1 de Agosto, que pretende estabelecer um regime especial de que beneficiaria o adquirente dos créditos em matéria de contagem do prazo de prescrição.

  13. — No entender da Y, esta norma é clamorosamente inconstitucional, por violação, entre outros, do princípio da protecção da confiança nas expectativas legítimas, designadamente previsto no artigo 2.º da Constituição.

  14. — No entanto, o facto de o Fundo, caso se substituísse aos Autores, poder surgir a fazer valer na acção um alegado direito aparentemente sujeito a um prazo prescricional cujo termo inicial é determinado em termos que lhe são muito mais favoráveis do que aqueles que resultam do regime geral — e que conduz, na prática, a um significativo alargamento do período temporal dentro do qual os alegados créditos indemnizatórios poderiam ser exercidos — constitui uma vantagem significativa para o Fundo e um prejuízo notório para a posição processual da Y.

  15. — Deve entender-se, por conseguinte, que da substituição processual requerida resulta uma posição mais dificultada para a Y.

  16. — A douta sentença recorrida violou, por errada interpretação e aplicação, a norma do art. 356.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil e dos arts. 2.º, 10.º e 56.º da Lei n.º 69/2017, de 1 de Agosto, sendo que da sua aplicação deveria resultar considerarem-se preenchidos os requisitos da não admissão da habilitação requerida, por ser inválida e ineficaz a cessão de alegados créditos sobre a Y invocada pelo Fundo e por a substituição dos Autores pelo Fundo prejudicar a Y.

Termos em que deverá julgar-se procedente o recurso e, consequentemente, revogar-se a decisão recorrida na parte em que deferiu parcialmente o pedido de habilitação, devendo indeferir-se na totalidade o requerimento de habilitação do Fundo como cessionário».

*Contra-alegou a recorrida, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da decisão recorrida (cfr. fls. 107 a 118).

*O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

*Foram colhidos os vistos legais.

*II.

Objeto do recurso Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de...

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