Acórdão nº 42/14.9PBVIS-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução27 de Março de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Por despacho proferido a 19 de setembro de 2018, a Ex.ma Juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Juízo Local Criminal de Viseu - Juiz 2, decidiu, ao abrigo no disposto no artigo 59º, nº2, alíneas b) e c) do C.P., revogar a pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade que foi aplicada ao arguido … nos presentes autos e, em consequência, determinar o cumprimento pelo arguido da pena de 4 meses de prisão que lhe foi aplicada na sentença.

Inconformado com o douto despacho dele interpôs recurso o arguido …, concluindo a sua motivação do modo seguinte: I. Conforme se descortina do requerimento de interposição de recurso, a presente peça revela o inconformismo do recorrente com a decisão proferida pelo tribunal a quo.

  1. Na verdade, entende o recorrente que o tribunal a quo deveria ter sopesado de forma diferente todo o circunstancialismo atinente à factualidade do caso concreto, o que, a ter sido feito, não levaria à determinação da revogação da pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade e, por conseguinte, à determinação do cumprimento pelo arguido da pena de 4 meses de prisão.

  2. Nos autos foi o arguido/recorrente condenado, como autor de um crime ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de prisão substituída por cento e vinte horas de trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 58.º, n.º 1 e 3, do Código Penal, a prestar as condições e no local que vierem a ser indicadas pela DGRS. Vindo, a 19/09/2019 o Tribunal a quo a proferir despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão anteriormente aplicada, determinando o cumprimento pelo arguido da pena de 4 meses de prisão.

  3. O despacho recorrido procedeu, salvo melhor opinião, a uma incorreta interpretação e, subsequente, aplicação da norma legal consagrada nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 59º do Código Penal.

  4. Ora, o aqui recorrente não infligiu grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado. O certo é que, havendo tal violação, o que apenas por hipótese remota se alcança, é imprescindível aferir da culpa do arguido nessa atuação. Termos em que o Tribunal a quo deve aferir se o incumprimento foi de facto grosseiro e por culpa do arguido.

  5. No caso em apreço, o Tribunal a quo deveria ter concluído que foi a envolvência do foro pessoal, familiar e económica do recorrente que lhe dificultou o cumprimento da pena substitutiva de prestação a favor da comunidade.

  6. Ora, nesse período em que foi determinada tal pena, o recorrente estava em Portugal desempregado, sem forma de sustento, a viver de ajudas de amigos e, a acrescer a essa situação, tinha a sua mãe, em Inglaterra, com graves problemas de saúde na medida em que se encontrava a lutar diariamente contra um cancro.

    VIII. O recorrente, perante tal situação, viu-se obrigado a sair do território nacional para ir ter com a sua mãe à Inglaterra. Pois, esta encontrava-se gravemente doente e muito debilitada, precisando de auxílio para as suas tarefas diárias e para realização dos tratamentos a que estava a ser sujeita e necessitava ainda de apoio psicológico para conseguir enfrentar o cancro.

  7. Situação à qual acresceu, o estado debilitado do próprio recorrente. Pois, sofre de hepatite C, o que lhe provoca um cansaço extremo muito facilmente, dores nas articulações, dores no abdômen, interferindo com a sua capacidade de conseguir trabalhar e, até mesmo de realizar as suas atividades da vida quotidiana.

  8. No entanto, o recorrente, além de ir apoiar a sua mãe, encarou essa ida para a Inglaterra como uma nova oportunidade para arranjar um emprego, por forma a orientar a sua vida económica e profissional.

  9. Estas circunstâncias marcaram profundamente o recorrente, provocando-lhe desorientação emocional e psíquica. O recorrente temia o que poderia vir a acontecer à sua mãe, o que fez com que ficasse de tal modo focado em a ajudar a enfrentar o dia-a-dia dia que em nada mais pensava, pois estava em causa a vida da sua própria mãe.

  10. Regressado de Inglaterra, o recorrente apresentava-se muito debilitado psiquicamente, encontrava-se desempregado, sem carta de condução.

  11. Em resultado de todo este circunstancialismo, o recorrente acabou não conseguir cumprir a condenação dos presentes autos.

  12. Por outro lado, o facto de ter vindo a praticar factos tipificados como crime no processo à ordem do qual se encontra, presentemente, preso a cumprir 7 meses de prisão fez com que o recorrente se consciencializasse da gravidade da sua conduta e das consequências que daí advêm, arrependendo-se amargamente da sua conduta. Pois, a sua reclusão em estabelecimento prisional é suficiente para o dissuadir da prática futura factos ilícitos.

  13. Acontece que, salvo melhor opinião, o Tribunal a quo não procedeu a uma valoração correta das mesmas. Pois que, dada a situação pessoal do recorrente, o Tribunal a quo deveria ter concluído que não estão, de forma alguma, comprometidas as finalidades que estiveram na base da decisão de aplicação da pena substitutiva de prestação a favor da comunidade, em conformidade com o disposto na alínea c), n.º 2 do artigo 59.º do Código Penal.

  14. Para além disso, o recorrente colaborou com o tribunal a quo na descoberta da verdade material, não efetuou quaisquer manobras dilatórias ou apresentou subterfúgios para tentar justificar os seus atos.

  15. Verifica-se, portanto, que o recorrente não prestou o trabalho a favor da comunidade por causa que não lhe foi imputável.

    XVIII. Nesta conformidade, ponderando todas as circunstâncias concretas e salvo melhor opinião, e atendendo que o não cumprimento da pena aplicada não foi imputável ao recorrente, de acordo com o disposto no n.º 6 do artigo 59.º do supra referido diploma legal, deverá o tribunal revogar o despacho recorrido e determinar, conforme o que se revelar mais adequado à realização das finalidades da punição, a substituição da pena de prisão fixada na sentença por multa até 240 dias; ou a suspensão da execução da pena de prisão determinada na sentença, por um período que fixa entre um e três anos, subordinando-a, nos termos dos artigos 51.º e 52.º, ao cumprimento de deveres ou regras de conduta adequados.

  16. Ao não decidir assim, violou a sentença recorrida o disposto no artigo 59.º n.º 6 do CP, pelo que deverá ser revogada, no que à aplicação da pena de prisão concerne, devendo ser substituída por outra nos termos supra expostos.

    Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento em toda a sua extensão e, consequentemente, deve ser alterada a decisão recorrida em conformidade, com as legais consequências.

    O Ministério Público no Juízo Local Criminal de Viseu respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do recurso e confirmação da decisão recorrida.

    O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder, mantendo-se integralmente o despacho recorrido.

    Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, o recorrente nada disse.

    Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    Fundamentação O despacho recorrido tem o seguinte teor: «Pelos fundamentos constantes na douta promoção que antecede, com os quais concordamos na íntegra, e que aqui damos por reproduzidos para todos os efeitos legais, decide-se ao abrigo no disposto no artigo 59º, nº2, alíneas b) e c) do C.P., determinar a revogação da pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade que foi aplicada ao arguido nos presentes autos e, em consequência, determina-se o cumprimento pelo arguido da pena de 4 meses de prisão que lhe foi aplicada na sentença.

    Notifique.

    Após trânsito comunique ao registo Criminal e ao TEP.» - A douta promoção para que remete aquele despacho é a seguinte: «O arguido … foi condenado nestes autos, por sentença transitada em julgado em 21/10/2014, tendo sido condenado na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 horas de trabalho a favor da comunidade, porquanto à data entendeu o Tribunal ser ainda de aplicar ao arguido uma pena de substituição não privativa da liberdade, por se entender que ainda havia um juízo prognose favorável à conduta e comportamento do arguido.

    Sucede que não obstante o tempo decorrido, e estando nós em Setembro de 2018, verificamos que ao longo dos quase 4 anos do trânsito em julgado o arguido com o seu comportamento revelou que se frustrou esse juízo de prognose efectuado pelo Tribunal à data da condenação, pois que conforme resulta dos autos foram efectuadas várias e inúmeras tentativas para que o arguido cumprisse o plano do trabalho a favor da comunidade conforme foi proposto pela DGRSP e constante dos autos.

    O arguido, alegando, quer problemas de saúde, quer problemas financeiros, quer problemas familiares, nunca chegou a dar início, nem quanto a nós...

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