Acórdão nº 961/18.3T8VFR-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelMADEIRA PINTO
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Procº nº 961/18.3T8VFR-A.P1 Relator: Madeira Pinto Adjuntos: Carlos Portela Joaquim Correia Gomes* SUMÁRIO:........................................................

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* I - Relatório:Na presente acção declarativa comum em que é autor B… e ré C… - Companhia de Seguros, SA, foi determinada a realização de perícia médico-legal, a realizar pelo Gabinete Médico Legal D… do Instituto de Medicina Legal, para verificação de danos corporais doa autor.

Mediante requerimento com a referência Citius 30411077, a Ré solicitou que nesse exame pericial estivesse presente um assessor técnico, clínico por si indicado.

Em 14.11.2018 o senhor juiz a quo proferiu o seguinte despacho: “A ré pretende que na perícia médica determinada esteja presente um assessor técnico por si indicado, estribando a sua pretensão nos termos do art.º 480.º, n.º 3, do CPC que, genericamente, permite à parte assistir à diligência e fazer-se assistir assessor técnico, salvaguardando os casos em que se possa ofender o pudor ou quebrar algum sigilo.

Dispõe o art.º 3.º, n.º 1, da Lei nº 45/2004, de 19 de agosto, que “as perícias médico-legais solicitadas por autoridade judiciária ou judicial são ordenadas por despacho da mesma, nos termos da lei de processo, não sendo, todavia, aplicáveis às efetuadas nas delegações do Instituto ou nos gabinetes médico-legais as disposições contidas nos artigos 154.º e 155.º do Código de Processo Penal”.

Estas disposições do processo penal relacionam-se com o consultor técnico, não sendo, assim, possível, a assistência da parte por consultor (assistente técnico).

O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a questão de saber se a referida norma da Lei 45/2004 violava os direitos de defesa e o exercício do contraditório, respondendo negativamente. Na verdade, lê-se no Acórdão do TC nº 133/2007, de 27-02-2007 (Cons. Pamplona de Oliveira): «(…) Não pode inferir-se directamente da Constituição a existência de um direito dos participantes processuais a acompanharem os exames médico-legais, realizados no âmbito do próprio Instituto Nacional de Medicina Legal, por si ou através dos consultores técnicos que os coadjuvem nas matérias técnico-científicas envolvidas na prova pericial. Ocorre, porém, perguntar se a Constituição consente ao legislador liberdade para moldar um regime específico quanto àquelas perícias que devem ocorrer no Instituto Nacional de Medicinal Legal, regime que é mais restritivo quanto ao direito de acompanhar a diligência que é conferido aos intervenientes processuais e, portanto, também ao arguido. Mas a análise da evolução legislativa que esta matéria sofreu revela que não tem verdadeiro fundamento a alegação do recorrente quanto à não existência de "justificação razoável – técnica, científica ou processual – para essa limitação", omissão que, em seu entender, seria demonstrativa da natureza "desproporcionada e desnecessária" da solução legal. É, pelo contrário, manifesto que a norma impugnada, ao introduzir uma distinção quanto às perícias médicas realizadas no Instituto Nacional de Medicina Legal, teve comprovadamente em conta que esta é uma instituição com natureza judiciária, cujos peritos, para além de abrangidos pelo segredo de justiça (como os demais), estão vinculados ao dever de sigilo profissional, e gozam de total autonomia técnico-científica, garantindo um elevado padrão de qualidade científica.

Ora, o Tribunal tem entendido que a proibição constitucional do arbítrio não afasta a possibilidade de a lei permitir distinções, desde que não se apresentem como desrazoáveis ou injustificadas (cfr. Acórdão n.º 189/2001, Ac.TC n.º 50 p. 285; Acórdão n.º 31/91 in DR II série, 25 de Junho de 1991), como é manifestamente o presente caso. (…) Decorre claramente do que já se observou que o direito de nomear um consultor técnico permitido pelo artigo 155º do Código de Processo Penal, não é um direito conferido especificamente a título de "garantia de defesa", no seu sentido mais estrito: no decurso da prova pericial não impende sobre o arguido qualquer ónus de contradizer ou afirmar qualquer facto; não é atribuída qualquer eficácia ao acordo expresso ou tácito sobre factos não contraditados. O que aqui vale, seguramente, é a busca da verdade material e da realização da justiça, do dever de investigação judicial autónoma da verdade, com independência e imparcialidade, embora sem excluir o auxílio das partes – artigo 340º n.º 1 do Código de Processo Penal – objectivo que representa uma das finalidades do processo penal. À autoridade judiciária incumbe rodear a produção de prova pericial das condições necessárias a que dela se retire a verdade material, processualmente válida. Ora, na decorrência desse grande objectivo do processo penal, o sistema português adoptou um regime de perícia oficial – não contraditória – essencialmente disciplinado pelos artigos 152º n.º 1 e 154º n.º 1 do citado Código, no domínio da qual o perito é um perito do Tribunal, sujeito ao mesmo dever de imparcialidade e de busca da verdade material que oneram a actividade judiciária.

Esclarecida a verdadeira natureza da actuação dos participantes processuais neste âmbito, é mais fácil compreender que o direito do arguido de acompanhar a perícia através de um consultor técnico não constitui uma imperiosa exigência do princípio do contraditório. Com efeito, o princípio do contraditório, na sua caracterização mais rigorosa, corresponde a uma concepção próxima do direito de audiência e da oportunidade processual de influenciar, através da sua audição pelo Tribunal, o resultado do processo. Ora o exercício deste contraditório para os intervenientes processuais – e, portanto, também para o arguido –, resulta aqui do direito que a lei lhes confere de pedir esclarecimentos aos peritos, e até de requerer ao tribunal que determine a realização de nova perícia, ou a renovação da anterior.

Note-se que a lei exige que os peritos apresentem um relatório no qual mencionem e descrevam as suas respostas e conclusões "devidamente fundamentadas". É assim claro que, através dos pedidos de esclarecimento, o arguido pode verificar o método utilizado na recolha da prova e controlar as conclusões que dela os peritos retiraram; assim como lhe permite discutir o valor probatório que há-de ser atribuído, no julgamento, às conclusões encontradas, como aliás, sucede em relação à generalidade dos meios de...

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