Acórdão nº 974/16.0PEOER.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Março de 2019
Magistrado Responsável | MARGARIDA VIEIRA DE ALMEIDA |
Data da Resolução | 21 de Março de 2019 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa: O MºPº e MCJJN vieram interpor recurso da decisão proferida nos autos de processo abreviado que entendeu absolver F N da prática de um crime de violência doméstica p.p. pelo artº 152º, nº 1 a), nº 2, nº4 e nº 5 do Código Penal.
Entende o MºPº que a decisão recorrida enferma de falta de fundamentação, por não ter dado cumprimento ao dever de efectuar a apreciação crítica das provas, logo, que enferma da nulidade prevista no artº 374º, nº 2 do CPP.
Entende ainda que a referida nulidade decorrente da falta de exame crítico da prova é um obstáculo à sindicância do juízo probatório subjacente à sentença recorrida.
Impugna a matéria de facto dada como não provada, indicando os pontos concretos da matéria de facto que se encontram incorrectamente julgados, e os meios de prova que impõe decisão diversa da recorrida.
PEDE que se declare a nulidade por falta de fundamentação da decisão recorrida e que verificada a existência de vício de erro notório na apreciação da prova se revogue a decisão recorrida e se proceda à sua substituição por outra que considere provados os factos constantes da acusação, com fundamento no depoimento da demandante, do filho, testemunhas, e prova documental existente nos autos, e condene o arguido pela prática do crime de violência doméstica p.p. pelo artº 152º do C Penal.
Nesta Relação, em Parecer fundamentado, o MºPº pede igualmente a revogação da decisão recorrida, com substituição por outra que condene o arguido pela prática do crime de que foi acusado.
O recorrido entende que a decisão recorrida se deve manter por ter sido proferida em consequência da aplicação ao caso do princípio do “in dúbio pro reo”.
Cumpre apreciar e decidir, após vistos legais e conferência: Conforme resulta claramente das conclusões apresentadas pelo MºPº na bem elaborada motivação do recurso, as questões a decidir, tal como ficaram delimitadas, são as de saber se a decisão recorrida enferma de nulidade de falta de fundamentação por não ter procedido ao exame crítico das provas, e se enferma de vício de conhecimento oficioso de erro notório na apreciação da prova, previsto no artº 410º, nº 2 c) do CPP.
Vejamos, então: O texto da decisão recorrida é o seguinte …” Sentença *** 1. Relatório.
Para julgamento em processo abreviado, o Ministério Público acusou o arguido AA - casado, nascido a (……), natural de (……..), filho de NN de MM, portador do CC nº …………., residente no ………………………………, Carnaxide – da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previstos e punidos nos termos do artigo 152º, nº 1 al. a), nº2, nº4 e nº5 do Código Penal.
A ofendida deduziu pedido de indemnização civil, tendo peticionado a condenação do arguido a pagar-lhe 10.000 (dez mil) euros a título de indemnização de danos não patrimoniais que são emergentes da violência doméstica que lhe infligiu (fls. 204-207).
O arguido contestou a acusação, tendo oferecido o merecimento dos autos, e o pedido de indemnização civil, tendo negado genericamente a autoria dos factos que lhe são imputados.
Inexistem nulidades ou quaisquer excepções, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa, mantendo-se válida e regular a presente instância.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais.
*** 2. Fundamentação de facto.
2.1.Factos provados.
Apreciada criticamente a prova produzida e examinada em audiência de julgamento, julgam-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão da causa: - factos da acusação: A. A ofendida, BB, e o arguido casaram entre si em ………… em Moçambique, fixando residência pouco depois em Portugal, primeiro em ……………., e a partir de 2008 no ………………., em Carnaxide, onde ainda residem.
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Desse relacionamento nasceram CC… em …, DD e EE, ambos nascidos em ………….
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Por despacho de 29-05-2016, a fls. 88 dos autos, por se considerar imputada a prática dum crime de violência doméstica ao arguido, foi determinada a suspensão provisória do inquérito por um período de dezoito meses, mediante as injunções de o arguido não contactar por qualquer meio com a ofendida, à excepção de assuntos indispensáveis relacionados com os filhos de ambos, e de frequentar o programa de agressores de violência doméstica ministrado pela DGRS.
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O arguido não tem antecedentes criminais.
* 2.2.Factos não provados.
Apreciada criticamente a prova produzida e examinada em audiência de julgamento, julgam-se não provados os seguintes factos com relevo para a decisão da causa: 1. A relação do arguido com a ofendida sempre foi pautada por discussões motivadas por ciúmes, em que este a insulta chamando-a de “puta”, principalmente após o nascimento dos filhos gémeos, de 2007 até à actualidade.
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Por diversas vezes, em datas não concretamente apuradas, o arguido pegou no telemóvel da sua mulher para saber com quem a mesma tinha contactado.
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Em outras ocasiões, abriu a mala da ofendida para se inteirar de tudo o que se encontrava no seu interior, e abriu a correspondência da mulher para verificar com quem a mesma tem contactos.
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Várias vezes o arguido perseguiu a ofendida nas suas deslocações para os seus vários locais de trabalho, residências particulares onde efectua limpezas.
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Em diversas ocasiões, no interior da residência do casal no …………….., em Carnaxide, e na presença dos filhos de ambos, o arguido dirigiu-se à sua mulher e disse-lhe: “A mãe é uma vagabunda, cobra venenosa, cabrona, puta, vagabundinha, andas com vários homens”.
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Em Outubro de 2016 e em Fevereiro de 2017, o arguido por várias forçou a ofendida a manter relações sexuais consigo, agarrando-a com força.
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No dia 08-10-2016, quando estavam ambos em casa de uns amigos do casal, o arguido dirigiu-se a esses amigos do casal e disse-lhes em frente à sua esposa que a ofendida era “uma bandida, uma prostituta que anda com outros homens”, no intuito de a humilhar publicamente.
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De seguida o arguido ausentou-se daquela divisão da casa dos amigos e momentos depois voltou e disse aos gritos “venho buscar o que é meu”; quando os amigos perguntaram o que era dele o arguido respondeu “a BB”, e saiu com a ofendida daquela casa, levando-a pela mão e obrigando-a a entrar na viatura automóvel.
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Ao conduzir de regresso a casa muito depressa, a ofendida pediu-lhe para conduzir com calma, tendo o arguido retorquido “isso foi destinado para nós morrermos aqui no carro”, no intuito de amedrontar a sua esposa, o que conseguiu.
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Quando chegaram a casa e os filhos do casal viram a ofendida assustada e a chorar, o filho mais velho, CC, começou a discutir com o arguido, tendo nesse instante a ofendida intercedido para pararem.
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Vendo a esposa a interferir dessa forma, o arguido agarrou-a e atirou-a para o chão, o que provocou em BB dores no corpo.
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O arguido não permite que a ofendida tenha amigas, exige-lhe que esteja sempre em casa e não a deixa ver ninguém.
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Apesar de já não manterem uma relação conjugal, o arguido e a ofendida permanecem a viver na mesma casa, uma habitação social fornecida pela Câmara Municipal de Oeiras, o que gera muitos conflitos e discussões entre eles.
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Desde que a ofendida apresentou queixa, o arguido continua a ameaçá-la e a importuná-la dizendo-lhe “só estou à espera do divórcio, vou assinar, mas não te vou deixar em paz, não vais viver a tua vida, és uma ingrata, trouxe-te de Moçambique tens de me servir, vai-te sair caro, vais pagar”.
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Ao perseguir, agredir, ameaçar e insultar a sua esposa, tanto em casa perante os filhos como fora de casa perante outras pessoas, o arguido agiu com o propósito concretizado de, por forma repetida e continuada, maltratar a ofendida, provocando-lhe com as suas condutas medo e humilhação, afectando o seu bem estar psicológico.
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O arguido agiu consciente e voluntariamente, bem sabendo que molestava a ofendida, debilitando-a psicologicamente, prejudicando o seu bem estar e ofendendo-a na sua honra e dignidade humana.
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Agiu livre, deliberada e conscientemente, conhecendo o carácter proibido e punido por lei da sua conduta.
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Apesar da imposição destas injunções, e de saber que se as violasse seria acusado da prática dum crime de violência doméstica, o arguido não cumpriu satisfatoriamente a condição de frequentar o programa ministrado pela DGRS e continuou a importunar a ofendida, dentro de casa da família.
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Assim, desde a suspensão do processo o arguido continuou a controlar a correspondência da ofendida, vendo e abrindo as cartas que a mesma recebe pelo correio para ver quem as envia e quem a ofendida contacta, privando-a de receber correspondência.
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Para além disso, as discussões do arguido com a ofendida mantêm-se constantes, com aquele a insultar a esposa em frente aos filhos, chamando-a de “puta, cobra venenosa, vais com vários homens, diz que vai para o trabalho quando vai encontra-se com homens”.
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No intuito de intimidar a ofendida, o arguido disse ao filho mais velho do casal para tomar conta dos irmãos, pois um dos progenitores iria sair de casa e, quando isso sucedesse, se fosse ele, arguido, a sair, a ofendida não ficaria a usufruir da casa, insinuando que não a vai deixar viva para usar a casa sozinha.
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Desde meados de Julho de 2017 até pelo menos Janeiro de 2018 o arguido exerce uma grande pressão e transtorno psicológico sobre a ofendida, com o intuito de a forçar a sair de casa.
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Uma das formas de pressão que o arguido exerce sobre a ofendida é a de cortar a electricidade, a água e o esquentador quando a ofendida tem de se levantar de madrugada para tomar banho e ir trabalhar, deixando-a muito transtornada por não conseguir fazer a sua vida de trabalho em paz com este tipo de comportamento do arguido.
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Esta actuação do arguido gera frequentes discussões com a ofendida, muitas vezes às 05h00 da madrugada quando a ofendida se prepara para ir trabalhar.
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Ao continuar a ameaçar e insultar a sua esposa, dentro da...
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