Acórdão nº 494/14.7TBLLE-E.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução14 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 494/14.7TBLLE-E.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Comércio de Loulé – J1 * Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório: “(…) – Representações Náuticas, Lda.” foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado e o incidente de qualificação da insolvência foi julgado procedente, tendo a referida sociedade interposto o recurso dessa decisão.

* O “Banco (…) Português, SA” veio requerer a abertura de incidente de qualificação da insolvência e a sua qualificação como culposa.

Em síntese, alegou que os representantes fizeram desaparecer bens móveis da sociedade insolvente, não colaboraram com o Administrador da Insolvência e procuraram ocultar um bem imóvel da pessoa colectiva.

* Foi declarado aberto o incidente de qualificação.

* O Administrador da Insolvência pugnou pela natureza fortuita desta insolvência (fls. 51-54).

* O Ministério Público emitiu parecer no sentido de que a insolvência é culposa (parecer de 13 de Maio de 2015).

* Foi ordenada a notificação da Insolvente e a citação dos indicados como propostos afectados pela qualificação da insolvência como culposa, nos termos e para os efeitos previstos no número 6 do artigo 188º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

* Os propostos afectados pela qualificação da insolvência como culposa (…), (…) e (…) pugnaram pela improcedência do pedido, negando os factos que lhe eram imputados (articulado de 15 de Julho de 2015).

* Foi proferido despacho saneador, que fixou o objecto do litígio e enunciou os temas de prova (despacho de 5 de Dezembro de 2017).

* Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que qualificou como culposa a insolvência de “(…) – Representações Náuticas, Lda.” e decidiu ainda: a) declarar afectado pela qualificação (…) e (…).

b) declarar os mesmos inibidos, pelo período de 3 (três) anos, para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa.

c) determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por (…) e (…).

d) condenar (…) e (…) a indemnizar os credores da sociedade, no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património, a efectuar em liquidação de sentença.

e) absolver o proposto afectado (…).

* A sociedade recorrente não se conformou com a referida decisão e nas suas alegações apresentou as seguintes conclusões: «I. O Tribunal a quo considerou a insolvência da recorrente como culposa pelo facto dos documentos contabilísticos, nomeadamente a IES de 2011, apresentar incorreções e valores que não correspondiam à realidade e porque a contabilidade apresentada ao Administrador da Insolvência não registava a existência do prédio urbano sito na Rua (…), em Portimão, pertencente à recorrente.

  1. O mencionado imóvel não constava na contabilidade da insolvente por facto alheio a esta, uma vez que a mesma tinha um contabilista, confiando no mesmo, ou seja, tal omissão ocorreu em virtude de circunstâncias excecionais, anómalas, estranhas à vontade da gerência – e designadamente da aqui recorrente – e completamente fora do seu controle, disponibilidade ou capacidade de diligência.

  2. Além disso, os credores não foram prejudicados uma vez que o imóvel em questão foi apreendido a favor da massa insolvente e, posteriormente, vendido.

  3. A insolvente não dispôs de tal bem em seu proveito pessoal ou de terceiros, pelo que, improcede a presunção legal estabelecida na alínea d), do nº 2 do artigo 186º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.

  4. Também não se deu como provado que a insolvente fez de qualquer crédito ou bens dos devedores uso contrário aos interesses destes, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenha interesse directo ou indirecto, motivo pelo qual improcede também a presunção legal estabelecida na alínea f), do nº 2 do artigo 186º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.

  5. A insolvente não incumpriu em termos substanciais a obrigação de manter uma contabilidade organizada, nem praticou irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira dos devedores.

  6. Mesmo que se tivesse provado que a insolvente não tinha contabilidade organizada, o que só por mera hipótese de raciocínio se concebe, sem conceder, sempre se dirá que isso, per se, não é suficiente para que se mostre preenchida a previsão da alínea h) do nº 2 do citado artigo 186º.

  7. É necessário que o incumprimento de manter a contabilidade organizada se possa qualificar de substancial, ou seja, que as omissões a esse nível atinjam um patamar que corresponde à não realização do que, em termos contabilísticos, é essencial ou fundamental.

  8. A insolvente tratava e guardava, de forma organizada, a documentação que tinha relevância para efeitos contabilísticos, encaminhando-a sempre para o seu contabilista, tendo sido colocada à disposição do Administrador de Insolvência toda a informação existente referente à insolvente.

  9. Não existiu nenhuma falha grave no cumprimento das obrigações da insolvente, ao nível da sua contabilidade, não tendo esta nunca comprometido de forma séria os interesses que a obrigação de manter contabilidade organizada visa acautelar, pelo que não pode deixar de se entender que a insolvente cumpriu em termos substanciais essa obrigação.

  10. Mencionou o Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, no seu parecer datado de 23 de Fevereiro de 2014, que “(...) no meu modesto entender e fazendo fé nos elementos e informações colhidas, parece não haver indícios bastantes para concluir, de forma clara e inequívoca, que a situação de insolvência tenha sido criada ou agravada em consequência da actuação dolosa ou com culpa grave dos responsáveis pela ora insolvente, sendo tal situação, fruto das contingências do mercado, face à crise que se instalou no país, pelo que, igualmente no meu modesto entender, salvo o devido respeito por opinião contrária, deverá a insolvência ser qualificada como fortuita, o que proponho”.

  11. Entende a recorrente que deve a situação de insolvência ser declarada como fortuita, até porque: a. Os gerentes prestaram a colaboração necessária prevista no artigo 83º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas; b. A insolvente elaborou sempre as contas anuais até ao ano de 2011 e submeteu-as à fiscalização; c. Das diligências efectuadas aos elementos contabilísticos não foi apurado que os gerentes tivessem procurado destruir ou danificar, inutilizando ou ocultando, ou feito desaparecer no todo ou em parte considerável, o património dos devedores; d. Também não se concluiu que os sócios tenham criado ou aprovado artificialmente passivos ou prejuízos ou celebrado negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas relacionadas consigo; e. Não se verificou que tenham comprado produtos a crédito, revendendo-os ou entregando-os em pagamento por preço inferior ao corrente; f. Não se concluiu terem disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros; g. Não se verificou terem feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, para favorecer outra empresa em que tivesse interesse directo ou indirecto; h. Não se apurou terem procurado prosseguir, no seu interesse pessoal ou de terceiros, uma exploração deficitária.

    i. Não se verificou o incumprimento em termos substanciais, a obrigação de manter contabilidade organizada, nem praticaram irregularidades com prejuízo relevante para a situação patrimonial e financeira da insolvente.

  12. Deve a presente insolvência ser declarada como fortuita, uma vez que os gerentes não demonstraram qualquer dolo ou intenção em lesar a sociedade insolvente ou os seus credores, não se encontrado preenchidos os pressupostos do artigo 186º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.

    Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas., Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deverá ser revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que, dando provimento ao recurso, qualifique a insolvência como fortuita, fazendo-se assim Justiça!!!».

    * Houve lugar a resposta do Ministério Público e do “Banco (…) Português, SA”, que defenderam que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se na íntegra a douta sentença recorrida.

    * Admitido o recurso, foram observados os vistos legais.

    * II – Objecto do recurso: É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC).

    Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da questão da existência de erro na interpretação e aplicação do direito quanto à existência de conduta culposa na insolvência. * III – Decisão de facto: 3.1 – Factos provados: Com relevância para a decisão da causa provaram-se os seguintes factos: 1. Em 11/03/2014, o Exm.º Sr. Administrador da Insolvência, na sequência do PER, requerido pelos representantes da Insolvente, que terminou sem aprovação do plano de recuperação, veio requerer a insolvência da devedora.

    1. Após ter sido admitido a prosseguir, por despacho judicial, o PER não teve qualquer outro impulso por parte dos representantes da devedora, acabando por ser encerrado.

    2. À data do início do processo de insolvência (sentença de 29 de Abril de 2014) eram sócios da empresa (…) e (…), sendo a gerência exercida por … (cfr. certidão permanente junta a fls. 73 e seguintes).

    3. O sócio (…) não exercia quaisquer funções na Insolvente, nem conhecia os assuntos internos desta.

    4. A empresa encerrou a actividade definitivamente no...

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