Acórdão nº 1795/17.8T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA TERESA ALBUQUERQUE
Data da Resolução19 de Março de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – E... e G... instauraram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra S... – Cooperativa de Solidariedade Social CRL, pedindo a nulidade ou, se assim não se entender, a anulabilidade, de todas as deliberações aprovadas na Assembleia Geral Extraordinária da R. realizada no dia 12 de Março de 2017, constantes da respectiva acta nº 16/2017.

Para tanto, alegaram, em síntese, que a R. foi constituída no dia 10/03/1983, tem actualmente o capital social de €5.000,00 e é regida actualmente pelos estatutos aprovados em Assembleia Geral Extraordinária de 04/11/2015. Referem ser cooperadores da mesma, detendo cada qual €75,00 no respectivo capital social, sendo que a A. é presidente do conselho de administração da R. para o quadriénio 2016/2019 e o A. vogal do conselho de administração para o mesmo período. Mais alegam que foram convocados para a Assembleia Geral Extraordinária que se realizou no dia 12/03/2017, tendo na mesma sido tomadas deliberações inválidas, porquanto a convocatória apenas foi enviada a alguns cooperadores, não se encontravam presentes mais de metade dos cooperadores, na convocatória nada se diz sobre os documentos ou o seu conteúdo que fundamentaram as propostas da ordem de trabalhos, a nomeação da secretária da assembleia não constava da ordem de trabalhos, sendo que a mesma é vogal do Conselho Fiscal, a votação foi feita de braço no ar e as deliberações foram mais vastas do que os assuntos que constavam da ordem de trabalhos.

A R. contestou, invocando a inutilidade superveniente da lide, uma vez que posteriormente à assembleia geral extraordinária de 12/03/2017, que suspendeu os AA. das funções que exerciam, foi realizada outra, a 09/04/2017, que os destituiu dos cargos que exerciam. Quanto ao mais, pugna pela validade das deliberações tomadas, uma vez que a eleição da secretária da mesa da assembleia geral é meramente funcional, cessando todos os poderes inerentes a esse cargo assim que termina a reunião. Mais alega que apenas reconhece a existência de 11 cooperadores, os quais foram todos convocados e se encontravam presentes na assembleia ou devidamente representados. Estranha, aliás, esta invocação dos AA., visto que os mesmos quando concorreram aos cargos que ora ocupam e sendo, à data, casados entre si, alegaram, precisamente, que a cooperativa tinha menos de 20 cooperadores, pelo que era respeitado o disposto no art 42º/2 do Código Cooperativo. Mais alega que nenhuma obrigação existe de publicar, enviar ou sequer mostrar, no momento da convocatória, os elementos que serviram de base à própria convocatória, os quais in casu até eram do conhecimento dos AA. por lhes terem sido mostrados em reunião havida anteriormente.

Responderam os AA., pugnando pela improcedência do pedido de declaração da inutilidade superveniente dos pedidos formulados.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, tendo sido julgado improcedente o pedido de declaração de inutilidade da lide, consignado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizado julgamento, veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a R. do pedido.

II – Inconformados, apelaram os AA. que concluíram as respectivas alegações nos seguintes termos: ...

Não foram produzidas contra-alegações.

III – O Tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos: ...

O Tribunal da 1ª instância julgou não provados «para além de factos contrários aos dados como provados, manifestamente conclusivos ou que contenham matéria de direito», os seguintes: ...

IV – Resultam para apreciação, concatenadas as conclusões das alegações com a sentença recorrida, as seguintes questões que constituem o objecto do recurso: 1ª - A impugnação da decisão da matéria de facto no que respeita à dada como não provada nas respectivas als a), b) e c); 2ª - Na procedência dessa impugnação - maximamente do facto de que tendo a R. além dos cooperadores referidos em 9 mais cooperadores, esses outros não foram convocados para a Assembleia Geral Extraordinária cujas deliberações estão em causa nos autos - se a sua não convocação implica a nulidade de todas as deliberações tomadas nessa Assembleia, em função dos arts 33º/2 C Coop, 25º/1 e 3 dos Estatutos da R. e do art 56º/1 al a) do CSCom, ex vi do art 9º C Coop., ou, se assim não se entender, a respectiva anulabilidade; 3º - Se a omissão na convocatória da referida Assembleia Geral aos documentos que fundamentaram as propostas constantes da respectiva ordem de trabalhos, torna anuláveis as deliberação nela tomadas, em função do disposto no art 58º/1 al c) CSCom; 4º - Se a omissão na ordem de trabalhos dessa Assembleia da nomeação de secretária para a mesa da assembleia geral, torna, senão nulas, anuláveis, as deliberações nela tomadas, em função do disposto no art 39º C Coop; 5º - E, assim não se entendendo, se essa nulidade ou anulabilidade resultará da circunstância da pessoa nomeada como secretária ser vogal do Conselho Fiscal da R., em função do disposto no art 31º C Coop e o art 22º dos Estatutos da R.; 6º - Se a nulidade ou anulabilidade dessas deliberações sempre advirá da eleição ter sido feita por braço no ar, quando o deveria ter sido por voto secreto, nos termos do art 32º/4 do C Coop; 7º - Se a inexistência do processo regulado pelo art 25º/2 a 6 do C Coop torna nulas as deliberações aprovadas no domínio dos pontos 2 e 3 da ordem de trabalhos, por tal processo ser imperativo no que respeita à destituição dos membros da direcção da Cooperativa; 8º - Se, de todo o modo, serão nulas de acordo com o art 39º tais deliberações, se com esse âmbito forem entendidas. ...

Vejamos.

Resulta das considerações da Exma Juiz a quo, que os actuais estatutos da R. resultaram da alteração dos até aí vigentes – estes decorrentes, por sua vez, de alteração estatutária realizada em 13/02/2014 – tendo tal alteração sido determinada pela entrada em vigor entretanto do novo C Coop visando adaptar, pois, os estatutos às novas exigências do novo C Coop. Porque o actual C Coop foi aprovado pela L 119/2015, de 31/8, o «novo» C Coop a que se referia, seria, naturalmente, o decorrente da L 51/96, de 7/9.

Vale a pena atentar no actual C. Coop para melhor compreender a questão em apreço.

Um dos aspectos inovadores do C Coop de 2015 foi a introdução da figura do “membro investidor”, que teve como propósito permitir o financiamento da cooperativa em condições mais vantajosas do que as oferecidas no mercado. A ideia é a de que os membros investidores se limitem a participar no fim cooperativo através do financiamento que canalizam para a cooperativa, e por isso não tomem parte na actividade cooperativizada. Como refere Deolinda Meira /Elisabete Ramos[1] «os membros investidores não são cooperadores, não participam na actividade cooperativizada e tão só contribuem financeiramente para a cooperativa».

E como explicam no seu Código Cooperativo Anotado[2] a existência de membros investidores decorre da necessidade de recursos financeiros por parte da cooperativa, constituindo uma via de financiamento das cooperativas, alternativa ao financiamento externo através de crédito ou da emissão de títulos de divida, que decorre do capital social trazido por terceiros que não participam na actividade cooperativa. Trata-se de «pessoas que colaboram no financiamento participando no capital social, o que lhes confere a condição de membros e os torna detentores de certos direitos, económicos e...

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