Acórdão nº 13/17.3GAFND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Março de 2019
Magistrado Responsável | MARIA JOS |
Data da Resolução | 20 de Março de 2019 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do Processo comum singular n.º 13/17.3GAFND do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, Fundão – JL Criminal, mediante acusação pública, foi o arguido A.
, melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe então imputada a prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 21.º, nº 1 e 25.º, alínea a) do D.L. n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às tabelas I – C e II – A anexas.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento por sentença de 31.10.2018 o tribunal decidiu [transcrição do dispositivo]: Por todo o exposto, o Tribunal julga procedente e provada a acusação pública e, em consequência, decide: 1 – Condenar o arguido A. pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às tabelas I-C e II-A, anexas ao referido Diploma Legal, na pena de dois anos e oito meses de prisão.
2 – Suspender a execução da pena de prisão aplicada ar arguido A. pelo período de dois anos e oito meses – cfr. art.º 50.º, do C. Penal.
[…] 4 – Após trânsito, e nos termos do disposto nos arts. 109º, do C. Penal e 62º, n.ºs 5 e 6, do DL 15/93, declara-se perdida a favor do Estado o produto estupefaciente apreendido, com a consequente destruição.
5 – Após trânsito, e nos termos do disposto nos arts. 109º, do C. Penal e 36º do D.L. 15/93, declaram-se perdidas a favor do Estado as quantias monetárias apreendidas ao arguido, pelo facto das mesmas corresponderem a produto do crime, assim como os respetivos telemóveis apreendidos.
6 – Declara-se perdida a favor do Estado a vantagem patrimonial alcançada pelo arguido com a prática do crime, e consequentemente condena-se o arguido A. a pagar ao Estado a quantia de € 610,00 (seiscentos e dez euros), ao abrigo do disposto no artigo 111.º, n.º 2, 3 e 4 do Código Penal e no art.º 36º do D.L. n.º 15/93.
7 – Após trânsito, e ao abrigo do disposto no art.º 109º, do C. Penal, declaram-se perdidos a favor do Estado todos os demais bens apreendidos nos autos.
8 – Após trânsito, conclua para efeitos de determinação do competente destino dos bens declarados perdidos a favor do Estado e, designadamente, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 39º do D.L. n.º 15/93.
[…].
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Inconformado com a decisão recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões: 1. Foi o arguido condenado na prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 21.º n.º 1 e 25.º al. a) do DL 15/93, de 22 de janeiro, tendo ainda sido declaradas perdidas a favor do Estado: a) As quantias monetárias apreendidas ao arguido, assim como os respetivos telemóveis, nos termos do disposto nos artigos 109.º do CP e 36.º do DL 15/93, de 22 de janeiro.
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A vantagem patrimonial alcançada pelo arguido com a prática do crime, e consequentemente, condenando o arguido a pagar ao Estado a quantia de 610,00 € (seiscentos e dez euros), ao abrigo do disposto no artigo 111.º n.º 2, 3 e 4 do Código Penal e no artigo 36.º do D.L. 15/93, de 22 de janeiro.
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Todos os demais bens apreendidos nos autos, nos termos do disposto no artigo 109.º do Código Penal.
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Contudo, não pode o arguido conformar-se com tal decisão, porquanto em seu entender a global e ponderada avaliação de todo o circunstancialismo dado como provado impõem a devolução ao arguido dos objetos apreendidos, nomeadamente dos telemóveis – Nokia, modelo 1110 e Iphone Modelo A1332, computador portátil marca Asus, modelo X550L, número de série (...) , pen drive marca Toshiba de 16 GB de cor branca e disco externo marca WD Elements, número de série (...) , não podendo os mesmos ser declarados perdidos a favor do Estado.
Com efeito, 3. A jurisprudência tem evidenciado a necessidade de se verificarem determinados pressupostos para a declaração de perda a favor do Estado, estabelecendo critérios como o da essencialidade da utilização do instrumento/objeto para o cometimento do crime, exigindo ainda que se verifique uma relação de causalidade entre o uso do instrumento/objeto e a prática do crime, sem olvidar a importância do princípio da proporcionalidade na apreciação que se faça.
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Neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/02/2012, “(…) o apelo a critério de proporcionalidade entre a gravidade do crime e a configuração da intervenção do bem apreendido […] apelando a critérios de causalidade e proporcionalidade (…)”, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29/10/2013, “(…) Não nos parece, no entanto que esse automatismo possa funcionar estando em causa um direito constitucionalmente protegido, como o da propriedade privada (artigo 62º da Constituição da República Portuguesa), de acordo, aliás, com a múltipla jurisprudência constitucional que em variada matéria é avessa a automatismos que dispensem uma ponderação judicial de valores”, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28/01/2015 “(…) nos termos do disposto no artigo 35.º do DL. N.º 15/93, de 22-01 (redação da Lei n.º 45/96, de 03-09), exige a verificação do requisito “essencialidade”, traduzido na circunstância de o bem em causa ser necessário ao surgimento do ilícito penal ou, pelo menos, à sua manifestação de determinado modo. (…)”, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/03/2013 “(…) a declaração de perda de objetos a favor do estado só deve acontecer quando do factualismo provado resulta que entre a utilização do objeto e a prática do crime existe uma relação de causalidade adequada, de tal forma que sem essa utilização, a infração em concreto não teria sido praticada ou não o teria sido na forma e com a significação penal relevante verificada (…)”, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.09.2006 “(…) A perda dos «objetos que tiverem servido» «para a prática de uma infração» relacionada com estupefacientes tem como fundamento a existência ou a preexistência de uma ligação funcional e instrumental entre o objeto e a infração, de sorte que a prática da infração tenha sido especificamente conformada pela utilização do objeto; este há de ter sido elemento integrante da conceção material externa e da execução do facto, de modo que a execução não teria sido possível, ou teria sido essencialmente diferente, na modalidade executiva que esteja em causa, sem a utilização ou a intervenção do objeto.
(…)”, entre outos, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
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Assim, tem sido entendimento generalizado que a declaração de perda a favor do Estado não pode funcionar de forma automática exigindo-se uma fundamentação concreta e uma adequada ponderação do circunstancialismo em que o crime foi praticado.
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Sendo certo que este é o entendimento que melhor se harmoniza com a unidade do sistema jurídico, valor essencial, atenta a segurança jurídica que os tribunais devem proporcionar aos intervenientes processuais.
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Entende o Recorrente que o Tribunal a quo não ponderou adequadamente todo o circunstancialismo do caso em apreço, nomeadamente não ponderou que dos factos dados como provados quanto às circunstâncias em que o dito crime foi cometido não resulta que os bens supra mencionados (telemóveis, computador, pen e disco externo) fossem essenciais e indispensáveis para o cometimento do crime nem se prova qualquer relação de causalidade entre o uso daqueles objetos e a prática do crime.
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Da fundamentação da decisão do tribunal a quo do exame pericial informático constante de folhas 156 a 161, resulta que foram encontradas fotos do arguido com a planta “cannabis” e esta mesma planta em vaso.
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Ao longo da fundamentação da decisão o Tribunal a quo apenas se faz referência às quantias monetárias apreendidas e aos artigos conectados com as estufas afirmando serem os mesmos compagináveis com o resultado da venda do referido produto, não fazendo referência expressa à utilização de quaisquer outros objetos.
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Em suma, não ficou demonstrado nem provado de que forma aqueles objetos serviram ou estivessem destinados a servir para a prática do crime de tráfico de estupefacientes conforme exigência que decorre do assinalado artigo 35.º do Código Penal, porquanto não está justificado o nexo de causalidade e essencialidade daqueles objetos na prática do crime em...
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