Acórdão nº 540/17.2GBILH.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Fevereiro de 2019
Magistrado Responsável | ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO |
Data da Resolução | 20 de Fevereiro de 2019 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Recurso Penal n.º 540/17.2GBILH.P1 Comarca de Aveiro Juízo de Competência Genérica de Ílhavo – Juiz 2 Acordam em conferência na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do PortoRELATÓRIOPor sentença proferida no Juízo de Competência Genérica de Ílhavo – Juiz 2, da Comarca de Aveiro, processo comum com intervenção do Tribunal Singular nº 540/17.2GBILH foi decidido absolver o arguido B… da prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previsto e punível pelos artigos 292.º, n.ºs 1 e 2, e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, por referência à tabela I-C do DL 15/93, de 22-01.
Não se conformando com a sentença proferida, dela veio o MºPº interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES[1] ……………………………………………………….
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O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, e com efeito suspensivo.
O arguido apresentou resposta, concluindo dever o recurso ser julgado improcedente e, em consequência, ser a sentença recorrida mantida.
O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal, emitiu parecer, no qual se pronunciou pela procedência do recurso, aderindo aos fundamentos do recurso do Ministério Público na 1ª instância, acrescentando: na verdade, parece que a prova de condução pelo arguido sob efeito de psicotrópicos não se terá de fazer depender de perícia científica; bastando para o efeito os elementos testemunhais e o conhecimento das regras da experiencia de vida.
Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
* FUNDAMENTAÇÃOConforme têm considerado a doutrina e a jurisprudência, à luz do disposto no art.º 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, em que resume as razões do pedido, sem prejuízo, naturalmente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
Aquilo que importa apreciar e decidir é saber se a prova produzida leva a concluir, ao contrário do que entendeu o tribunal a quo, que o arguido quando conduziu o ciclomotor com a matrícula .. – GT - .. no dia 08.06.2017, pelas 10h30m, na Rua …, o fazia sem se encontrar em condições de efetuar uma condução segura.
Na sentença objeto de recurso foram dados como assentes os seguintes factos: 1. No dia 8 de Junho de 2017, pelas 10h30m, o arguido conduzia o ciclomotor com a matrícula .. – GT - .., na Rua …, na …, e, ao efetuar uma curva, embateu num muro ali existente, junto do n.º 10.
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Na altura o arguido tinha consumido recentemente substâncias estupefacientes e tinha 13 nanogramas por mililitro de tetrahidrocanabinol no sangue.
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Do certificado de registo criminal do arguido nada consta.
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O arguido não desenvolve qualquer atividade, vive com a filha, de 17 anos, estudante, em casa dos sogros, beneficia de pensão de viuvez no valor de €180,00, tem por habilitações literárias o 4.º ano de escolaridade.
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O arguido é seguido no Centro de Respostas Integradas de Aveiro, há mais de 10 anos, por adição a substancias psico ativas, em processo de manutenção opióide com buprenorfina.
E foram dados como não provados os seguintes factos: - O arguido sabia que, em virtude do facto dados como provado em 2., não se encontrava em condições de conduzir com segurança, tendo, mesmo assim, decidido conduzir o ciclomotor supra referido, acabando por sofrer um despiste.
- Atuou de forma voluntária e consciente, bem sabendo que a condução de veículos, na via pública, nas condições em que o fez, é proibida e punida pela lei penal.
Na motivação da decisão da matéria de facto foi escrito o seguinte: «Nos termos do disposto no artigo 374.º n.º 2 do Código de Processo Penal, deve o Tribunal indicar as provas que serviram para formar a sua convicção e bem ainda proceder ao exame crítico das mesmas.
No caso sub judice a convicção do Tribunal sobre a factualidade considerada provada radicou na análise crítica e ponderada da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, globalmente considerada e de acordo com as regras da experiência comum.
O arguido não prestou quaisquer declarações, esclarecendo o tribunal apenas e só relativamente às suas condições pessoais, familiares e profissionais.
O militar da GNR, C…, que lavrou a participação de acidente de viação, referiu que o arguido assumiu, de forma espontânea, ter consumido haxixe “alguns dias antes” e que o mesmo se encontrava com discurso coerente e marcha correta, nada indiciando no seu comportamento que estivesse sob a influência de qualquer substância.
No que concerne à presença de substância estupefaciente no organismo teve este tribunal em consideração o teor do exame pericial de fls. 5 e 6, demonstrativo da quantia de substância acusada pelo arguido, após a produção do acidente e na data referida em 1.
De tal exame pericial decorre a ingestão prévia de produto estupefaciente de origem canabinóide, sendo que a tal conclusão não se opõe a análise da declaração junta pelo arguido respeitante ao seu acompanhamento pelo Centro de Respostas Integradas de Aveiro, sendo que em sede de análises regulares não é feita a pesquisa de cannabis e não sendo o princípio ativo da medicação a que se encontra sujeito semelhante ao acusado em exame de sangue constante de fls. 5 e 6.
Acresce que inexiste qualquer outro elemento pericial ou clínico complementar que auxilie na demonstração do efeito de tal substância na capacidade de condução do arguido, facto a que não será alheia a circunstância de tal exame ter decorrido de recolha no sangue e o resultado ter sido obtido em data posterior à recolha, o que coartou a possibilidade de realização de exames complementares.
No que concerne à (in)demonstração de que o arguido não estava desse modo em condições de exercer aquela condução de veículo automóvel, a prova produzida, de natureza testemunhal, revela-se insuficiente no sentido de permitir afirmar, com a certeza necessária, tal facto que constitui um nexo causal, suscitando-se, assim, a este Tribunal dúvida que terá de ser resolvida a favor do arguido.
Efetivamente, os militares da GNR ouvidos na qualidade de testemunha, D… e E…, referiram ter sido chamados ao local por ocorrência de um acidente de viação por meio de despiste e aí chegados verificaram que o arguido se encontrava ferido, que junto a si se encontrava um ciclomotor com marcas de embate, que o arguido ofereceu resistência à assistência médica, apresentando-se muito alterado e com discurso desconexo, se movimentava de forma desordenada, tendo sido transportado para o Hospital, local onde manteve o mesmo comportamento. Referiu o militar D…, de forma vívida, que o arguido apresentava um enorme “galo” na cabeça, facto que não foi confirmado pelo colega, que referiu não recordar tal pormenor, sendo certo que tal debilitou a credibilidade do primeiro. Referiu que não logrou integrar o comportamento anómalo do arguido em qualquer causa de apreensão imediata, tendo – antes de conhecedor do resultado do exame sanguíneo – considerado a hipótese de se dever a impacto na cabeça.
As declarações prestadas pela testemunha F…, residente nas imediações do local do acidente, que não assistiu à produção do acidente e não depôs de forma segura sobre o comportamento assumido pelo arguido, não revestiu relevância no esclarecimento do segmento factual relevante de demonstração de inexistência de condições para o ato da condução.
Assim, a demonstração do estado de alteração do arguido e a desconexão de discurso, no contexto vivenciado, de ocorrência de acidente de viação, surge elemento indiciário parco para a demonstração de que, por força da presença de produto estupefaciente no sangue, não se encontrava em condições de conduzir, tanto mais que resulta das declarações de um dos...
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