Acórdão nº 611/15.0PBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelM
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório 1.

No processo comum (singular) com o nº 611/15.0PBGMR, a correr termos no Tribunal Judicial da comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Guimarães – Juiz 1, foi proferido despacho de saneamento do processo, ao abrigo do disposto no art. 311º do Código de Processo Penal, datado de 09/07/2018, do seguinte teor (transcrição parcial): “I - O tribunal é competente.

O Ministério Público tem legitimidade para o exercício da acção penal.

(...) Face ao exposto, decido: - Rejeitar a acusação particular deduzida pelo assistente C. A., bem como o PIC, quanto aos factos referentes aos imputados crimes de injúria, e em consequência, determinar o arquivamento dos autos, nesta parte.

Custas a cargo do assistente, com taxa de justiça que se fixa em 2 U.C.

(…) Face ao exposto, decido: - rejeitar a acusação pública deduzida pelo M°P°, e acompanhada pelo assistente C. A., bem como o PIC, e em consequência, determinar o arquivamento dos autos, nesta parte.

Sem custas.

*Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

*II — Registe e autue corno processo comum com intervenção do tribunal singular.

* III — Recebo a acusação deduzida pelo M°P° contra o arguido C. A., pelos factos descritos a fis. 411 e segts. dos autos, subsumíveis ao tipo de crime cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido nos termos e para os efeitos do disposto no art° 313°, n° 1°, al. a) do Código de Processo Penal.

*IV — Para a realização da audiência de julgamento, neste tribunal, designo o próximo dia 19/03/2019, às 10.00, e, em caso de adiamento nos termos previstos no art° 333°, n° 1° do CPP, na redacção conferida pelo DL. 320-C/00, de 15/12, ou para audição dos arguidos a requerimento do respectivo advogado ou defensor nomeado ao abrigo do n°3 do aludido preceito legal, designo o próximo dia 26/03/2019, pelas 10h00.” *2 – Não se conformando com a decisão, o assistente C. A. interpôs recurso da mesma, oferecendo as seguintes conclusões (transcrição): “1.ª O Digno Magistrado do Ministério Público deduziu acusação pública contra a arguida A. G. imputando-lhe a prática de factos que entende serem susceptíveis de integrar o crime de coacção, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 72.º, 73.º e 154.º, n.ºs 1 e 2, todos do C.P., acompanhado parcialmente pelo aqui assistente.

  1. O assistente C. A. deduziu contra a arguida A. G. acusação particular pela prática em autoria material e concurso real de três crimes de injúrias, todos eles previstos e punidos nos termos das disposições conjugadas dos artigos 181.º, n.º 1, 13.º, 14.º e 77.º do Código Penal e formulou pedido de indemnização cível.

  2. Não houve instrução nos termos do artigo 286.º e ss. do Código de Processo Penal.

  3. Nos termos do art.º 311.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, al. d) do C.P.P., o Meritíssimo Juiz Presidente, em despacho de saneamento, entre o mais, decidiu rejeitar a acusação pública deduzida pelo M.P., e parcialmente acompanhada pelo assistente C. A., e rejeitar igualmente a acusação particular deduzida pelo assistente C. A., bem como o PIC, e em consequência determinar o arquivamento dos autos, nestas partes.

  4. É deste douto despacho que vem interposto este recurso.

  5. Quanto ao não recebimento da Acusação Publica cumpre apreciar se a acusação pública padece dos vícios apontados da falta de esclarecimento de “quais as expressões que poderiam em concreto ser subsumidas no mal importante que o tipo legal impõe” isto quanto ao elemento objectivo e, 7.ª Importa igualmente apreciar se quanto ao elemento subjectivo a douta acusação publica não detalhou suficientemente o prreenchmentio factiual dele, bastando-se com meras generalidades.

  6. isto por forma a preencher objectiva e subjectib«vãmente o tipo legal de crime do artº. 154.º do CP – coacção.

  7. A acusação publica (acompanhada nesta parte pelo assistente) foi feita por transcrição e decalque email’s e sms’s trocados entre assistente e arguida, e necessariamente contém todos os factos necessários à imputação do crime de coação à arguida.

  8. Separa-los, desconectá-los e tira-los desse contexto, seria desvirtuar a conduta da arguida e consequentemente esbater um comportamento integrado por factos continuados e complexos que no seu conjunto preenchem o tipo legal de crime que é o da coacção.

  9. A materialidade objectiva do comportamento da arguida que se lê na transcrição das mensagens e os elementos de prova juntos ao processo de inquérito, e indicados na douta acusação pública, indiciam comportamento por parte da arguida revelador da intenção de coartar a liberdade do assistente.

  10. Os elementos de prova devem ser sindicados, enquadrados e valorados como constituindo indícios fortes que tornam provável e previsível a condenação da arguida em julgamento, e por isso, mais que suficientes para serem classificados como indícios fortes para fundamentarem acusação e consequentemente o recebimento dela.

  11. O elemento subjectivo, extrai-se automaticamente da mera materialidade do comportamento da arguida.

  12. O Digno Magistrado do Ministério Publico não escreveu meras generalidades, detalhou e verteu para a acusação factos, o modo, o tempo, o lugar e a concreta violação dos interesses criminalmente protegidos, bem como o perfeito conhecimento por parte da arguida de ser ilícito o comportamento dela.

  13. A douta a acusação pública contem todos os factos objectivos e subjectivos necessários à verificação em concreto da prática do crime de coacção.

  14. Nela estão detalhados os factos e o contexto deles que configuram violência psicológica e ameaça com mal importante, que configuram o constrangimento do assistente a comportar-se de uma determinada maneira, sob pena de lhe ocorrer algum ou alguns males, designamente a destruição de vida (aqui até no limiar do crime de ameaça) perda de oportunidades de trabalho, tudo feito por forma a impor-lhe uma determinada opção de vida/acção, sob a cominação de, não o fazendo, grandes males lhe acontecerem.

  15. Quanto ao não recebimento da acusação particular, a questão que se nos coloca é a seguinte: se nos for dirigida a expressão: “Vai-te foder (…), homens latinos (…) que depois de foderem as raparigas vão chorar para a mama (…), “ Ganha tomates” é para nós objectivamente ofensiva e injuriosa? 18.ª Ou então, aqueles ditos e o sentimento que provocam a quem são dirigidos não é o de ofensa à honra, respeito e consideração das pessoas, ou não passam de um mero incomodo, um aborrecimento, uma contrariedade, não merecedor de tutela jurídica? 19.ª Se se tratar de um mero incomodo e contratiedade, então o homem comum terá de se resignar, conformar e aceitar, pois faz parte da “vivencia em sociedade” e das suas “ contrariedades”.

  16. A expressão “vai-te foder”, e as restantes vertidas na acusação particular, reduzidas a escrito, pensadas, e enviadas, revelam premeditação e a intenção de ofender quem a recebe e a lê, o destinatário delas, ou seja o assistente.

  17. As expressões vertidas na acusação particular são comportamentos que, no nosso modo e postura de ver o mundo e a vida, são objectivamente e subjectivamente ofensivos, injuriosos, atentadores da honra e consideração, merecedores de censura tutelada criminalmente.

  18. Não são meros incómodos e/ou aborrecimento, muito menos um enquadráveis no direito fundamental de liberdade de expressão, que é o direito de emitir livremente uma opinião e não o direito de chamar nomes e tratar mal as pessoas.

  19. O não recebimento da(S) acusações deduzidas nos presentes autos não se enquadram na previsão do art.º 311.º, n.º 2 alínea a) e do n.º 3, alínea d) do Código de Processo Penal.

  20. A acusação apenas será manifestamente infundada, na definição legal, se o entendimento sobre a irrelevância penal dos factos nela narrados for pacífico, indiscutível, aceite como válido sem objecções na doutrina e na jurisprudência - situação em que o julgamento, como nas demais alíneas daquele preceito, é previsivelmente inútil face à manifesta inviabilidade ou improcedência da acusação.

  21. A estrutura acusatória do processo impede que o julgador se confunda com o acusador.

  22. A alínea d), do nº 3 do artigo 311º do Código de Processo Penal não visa dar guarida a um exercício dos poderes do juiz que colida com o acusatório - o tribunal é sempre livre de aplicar o direito (princípio da livre aplicação do direito), mas não pode antecipar a decisão da causa para o momento do recebimento da acusação, devendo apenas rejeitá-la quando esta for manifestamente infundada, ou seja, quando não constitua manifestamente crime, o que não é manifestamente o caso em concreto.

  23. Ou seja, quando a factualidade em causa não consagra de forma inequívoca qualquer conduta tipificadora de um crime, juízo que tem de assentar numa constatação objectivamente inequívoca e incontroversa da inexistência de factos que sustentam a imputação efectuada.

  24. Ao contrário do que se escreve no douto despacho, não estamos perante um “excesso de sensibilidade de determinadas pessoas perante afirmações que lhe sejam dirigidas ou nas quais visadas”.

  25. Nem podemos entender que estamos perante uma simples situação de que “a vivência em sociedade traz contrariedades”.

  26. A posição defendida no despacho recorrido sobre o mérito da causa, e que levou à rejeição da(s) acusações, apresenta-se controversa, como o demonstra a jurisprudência de tribunais superiores em sentido oposto.

  27. E se os factos narrados na(s) acusações constituem crime segundo uma corrente jurisprudencial significativa, não pode aquela ser considerada como manifestamente infundada.

  28. O que não ocorreu no presente caso, em que o Exmo. Juiz efectuou uma interpretação (jurídica) divergente de quem deduziu a acusação publica e particular.

  29. Violando o princípio do acusatório - conduzindo a uma manifesta interferência no âmbito das...

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