Acórdão nº 4498/17.0T9LSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelCLÁUDIO XIMENES
Data da Resolução14 de Março de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acórdão da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I.O Partido……. recorre da decisão do Juiz de Instrução Criminal que, perante o requerimento de abertura de instrução requerida contra a acusação particular que ele deduziu contra AA…, declarou nula essa acusação e determinou o arquivamento dos autos.

Pretende que o despacho recorrido seja revogado e substituído por outro que mande proceder à instrução requerida pelos crimes de "difamação com publicidade e calúnia e ofensa a pessoa colectiva em autoria material, com dolo directo e em concurso efectivo, nos termos das disposições conjugadas nos arts. 30° n° 1, 180° n° 1, 183° n° 1 al. a) e 187° C.Penal".

Termina a motivação do recurso com as seguintes conclusões: 1) O assistente, ora recorrente, deduziu acusação particular contra o arguido, ora recorrido, acusação particular essa a fls., na qual o recorrido se encontra acusado pela prática, em concurso efectivo e em autoria material e com dolo directo, de um crime de difamação com publicidade e calúnia, e um crime de ofensa a pessoa colectiva, crimes esses p. e p. nos arts. 30° n° 1, 180° n° 1, 183° n° 1 al. a) e 187° C.Penal.

2) O arguido, ora recorrido, requereu a abertura de instrução e, no seu requerimento de abertura de instrução alegou previamente pretensas e supostas nulidades da acusação particular que contra si foi deduzida relativamente aos crimes pela prática dos quais se encontra acusado.

3) Assim, relativamente ao crime de difamação, p. e p. no art, 180° n° 1 C.Penal alega o recorrido que o mesmo não se aplica a pessoas colectivas, e de que, relativamente ao crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. no art. 187° n° 1 do mesmo diploma legal, a acusação é nula por falta de um elemento do tipo do crime de ofensa a pessoa colectiva (a ausência de alegação e prova de que o ora recorrido não tinha fundamento para, em boa fé, reputar os factos relatados como verdadeiros).

4) Pese embora a questão seja controvertida na jurisprudência no que ao crime de difamação diz respeito (as pessoas colectivas serem ou não sujeitas passivas desse crime), sendo expectável que, mais cedo ou mais tarde o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça venha a ter que fixar jurisprudência sobre o tema, o Tribunal a quo, ao acolher a tese do recorrido e, consequentemente, declarar nula a acusação deduzida contra o recorrido, proferiu uma decisão que, em si mesmo, é um gravíssimo atentado à Lei, ao Direito e à Justiça.

5) O crime de difamação é um crime contra a honra, sendo intenção do legislador conferir uma tutela ampla e adequada ao bem jurídico honra e consideração pessoal, entendido complexamente em todas as suas refracções, entendendo-se por honra, segundo a lição do Prof. Beleza dos Santos, in Revista de Legislação e Jurisprudência, n° 92, p. 64, como "(...) aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa, com legitimidade, ter estima por si, pelo que é e pelo que vale." 6) No direito à honra encontra-se incluído o direito ao bom-nome e à reputação, que são pressupostos indispensáveis para o desenvolvimento de toda e qualquer pessoa, seja ela pessoa singular, seja ela pessoa física, em comunidade, sendo o respectivo conteúdo baseado numa pretensão de reconhecimento da sua dignidade e tem como correlativo uma conduta negativa dos outros.

7) Como dentro do direito à honra encontra-se igualmente incluída a consideração, que é o património de bom-nome, de crédito, de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da sua vida, sendo, nestes moldes, o aspecto exterior da sua honra, já que provém do juízo em que cada um de nós é tido pelos outros. É pois, o merecimento que a pessoa tem no meio social, a reputação, a boa fama, a estima, a dignidade objectiva, ou seja, a forma como cada sociedade vê cada pessoa.

8) A questão que se coloca é a de saber se as pessoas colectivas podem ser sujeitas passivas do crime de difamação, isto é, se podem ser ofendidas de um crime de difamação, e, conforme se escreveu na conclusão 4a, a questão é controvertida na jurisprudência, sendo de resto expectável que a muito curto prazo o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça venha ter que proferir acórdão de fixação de jurisprudência sobre este assunto.

9) Contrariamente à decisão proferida pelo Tribunal a quo, que entendeu que as pessoas colectivas não podem ser sujeitas passivas nos crimes de difamação, tendo secundado a sua posição no Acórdão da Relação de Évora datado de 26/10/04, consultável em https://block.pt/caselaw/PT/TRE/180782/, e, com base em tal aresto ter declarado a nulidade da acusação no que ao crime de difamação diz respeito, o recorrente tem opinião totalmente contrária, juridicamente sustentável, e efectivamente as pessoas colectivas podem ser sujeitas passivas do crime de difamação.

10) Veja-se para o efeito para o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/01/00, in C.J., XXV, Tomo I, p. 44, segundo o qual "I — As pessoas colectivas podem ser sujeitos passivos de crimes contra a honra.", sendo que crimes contra a honra são os crimes de difamação e os crimes de injúria, p. e p. nos arts. 180° e 181° C.Penal, respectivamente, residindo a diferença entre ambos na presença (na injúria) ou não presença (na difamação) do ofendido aquando da prática dos factos. Neste std., Miguez Garcia e Castela Rio, in Código Penal — Parte Geral e Parte Especial Com Notas e Comentários, Livraria Almedina, Coimbra, 2014, p. 763.

11) E como argumento de reforço de que efectivamente as pessoas colectivas podem ser sujeitas passivas dos crimes de difamação, isto é, podem elas próprias serem vítimas dos crimes de difamação radica no disposto no art. 26° n° 1 C.R.P., segundo o qual a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom-nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.

12) Sendo de resto o direito ao bom-nome e à reputação extensível às pessoas colectivas, nos termos do disposto no art. 12° n° 2 C.R.P., conforme bem salientam os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4' Ed., Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 471.

13) É pois manifestamente inequívoco e manifestamente notório que o recorrido formula juízos ofensivos da honra e consideração do recorrente, e as expressões empregues pelo recorrido contra o recorrente e os juízos de valor contra este formulados por aquele e constantes da acusação particular atingem gravemente o recorrente na sua honra, no seu bom nome, na sua imagem, na sua rectidão, na sua reputação, na sua seriedade e na sua credibilidade, e porque as pessoas colectivas podem ser sujeitos passivos de crimes contra a honra, inexiste a nulidade da acusação particular no que ao crime de difamação diz respeito.

14) Por conseguinte terá que se proceder-se à instrução requerida pelo recorrido quanto ao crime de difamação, sob pena de o art. 180° n° 1 C.Penal ser declarado inconstitucional por violação do disposto no art. 26° n° 1 C.R.P., ex vi art. 12° n° 2 do mesmo diploma legal.

15) Relativamente ao crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. no art. 187° C.Penal, como bem referem Miguez Garcia e Castela Rio, in op. cit., p. 773, "O objectivo deste artigo é diferente. É criminalizar acções (os rumores) não atentatórios da honra, mas sim do crédito, do prestígio ou da confiança de uma determinada pessoa colectiva, valores que não se incluem, em bom rigor, no bem jurídico protegido pela difamação ou pela injúria." 16) Neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/11/14, Proc°. n° 5803/11.9 TDPRT.P1, consultável na internei em www.dgsi.pt, onde se escreveu que "Enquanto que no crime de difamação ou de injúria se tutela a honra e a consideração que a cada pessoa deve ser tributada, no crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. no art. 187°, protege-se o bom-nome de um organismo ou serviço que exerça autoridade pública, ou ainda pessoa colectiva, instituição ou corporação." 17) Elemento objectivo do crime de ofensa a pessoa colectiva é, como bem referem Miguez Garcia e Castela Rio, in op. cit., p. 774 a difusão de factos inverídicos, bastando pensar "(...) em quem propala uma meia verdade, a qual, não sendo uma falsidade, ainda assim, em certas circunstâncias, já pode ser percebida ou valorada como afirmação de coisa inverídica." 18) Sustenta o Tribunal a quo para decretar a nulidade da acusação...

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