Acórdão nº 8566/17.0T9LSB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelISABEL VALONGO
Data da Resolução13 de Março de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No processo nº 272/17.1JACBR, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Instrução Criminal de Leiria - Juiz 1, proveniente da Procuradoria da República da Comarca de Leiria – Departamento de Investigação e Acção Penal de Leiria – 1ª Secção, a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), pessoa colectiva nº (...) , com sede na Rua (...) , requereu a sua admissão nos autos como assistente e a abertura da instrução.

Em 10-07-2018 (fls. 259 dos presentes autos de recurso em separado), o Mmo. Juiz de instrução proferiu o seguinte despacho: “Vem a ANAC requerer constituir-se assistente. Inexiste oposição. O crime objecto de inquérito e que a requerente pretende ver accionado é o crime de violação de segredo de Estado (art. 316 do C.P.). Ora, para além de não mostrar no seu requerimento um interesse direto objectivo (a não ser fins genéricos e difusos), o certo é que a norma do art. 68 n.º 1 não abrange o requerido. Na verdade, e em face do bem jurídico tutelado, não se vislumbra como a ANAC seja titular do interesse em causa, o que importa a não admissão como assistente.

* O requerimento de abertura de instrução é realizado, primeiro, por quem não tem legitimidade (cfr. art. 287 n.º 1 b) do C.P.P.), e em segundo lugar, caso a tivesse, não está de acordo com o n.º 2 da referida norma uma vez que não descreve circunstâncias de tempo, nem descreve factos atinentes ao dolo (art. 14 do C.P.), não podendo na instrução ser suprido tal facto, cfr. arts. 303 e 309 do C.P.P., decorrência do acusatório como constitucionalmente estatuído.

Rejeita-se pois o requerimento de abertura de instrução por inadmissibilidade legal, n.º 3 do art. 287 do C.P.P..

Taxa de justiça em duas unidades de conta, cfr. art. 8º e tabela III.

Notifique. d.s.

* Inconformada com a decisão, recorreu a Autoridade Nacional da Aviação Civil, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: “A. O crime imputado à Denunciada é o crime de violação de Segredo de Estado, p. e p. pelo art.º 316º do Código Penal.

  1. Com vista a aferir a legitimidade do “ofendido” para se constituir assistente em processo penal, deverá ter-se em consideração o crime específico que se encontre em causa e as características do caso concreto.

  2. O bem jurídico protegido pela criminalização estabelecida no referido art.º 316º do Código Penal é a segurança, a unidade e a integridade do Estado Português.

  3. Pelo que o titular do direito protegido é o próprio Estado Português.

  4. Acresce que a Ofendida é uma entidade reguladora, ou seja, é uma pessoa coletiva de direito público “com atribuições em matéria de regulação da atividade económica, de defesa dos serviços de interesse geral, de proteção dos direitos e interesses dos consumidores e de promoção e defesa da concorrência dos setores privado, público, cooperativo e social.” (cfr. art.º 3º, n.º 3, alínea f) da Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto e art.º 3º, n.º 1 da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras), fazendo, por isso, parte do Estado.

  5. Considerando que: (i) o documento que está em causa nos autos foi produzido pela Ofendida, (ii) que a informação constante do documento é informação sensível da Ofendida e (iii) quem procedeu à sua classificação foi a Ofendida, a mesma é a única titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.

  6. A Ofendida é a titular do direito de queixa, devendo ser admitida a sua constituição como assistente.

  7. O requerimento de abertura de instrução não foi admitido por, além da suposta ilegitimidade, não estar de acordo com o n.º 2 do artigo 287.º do C.P.P..

    I. Nos termos do citado artigo 287º, n.º 2 do C.P.P. o requerimento de abertura de instrução não está sujeito a quaisquer formalidades e apenas deve conter as razões de facto e de direito de discordância, in casu, com a não acusação.

  8. A Ofendida justificou porque discordava do despacho de arquivamento do inquérito, quanto ao entendimento de que os documentos classificados de reservados nos termos do ponto 3.2.4 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 50/88, de 8 de setembro de 1988 não estariam abrangidos pelo conceito de Segredo de Estado.

  9. Quanto às circunstâncias de tempo foi expressamente indicado que a Denunciada procedeu à junção do documento classificado de reservado ao processo n.º 1278/17.6BELRA que corre termos no Tribunal Administrativo de Leiria – Unidade Orgânica 1, constando dos autos certidão do mesmo.

    L. Quanto aos factos atinentes ao dolo consta do requerimento que a Denunciada obteve a credenciação até aos graus de Secret EU e Secreto para poder ter acesso a matéria classificada e que a mesma assinou um documento, sob compromisso de honra, de cumprimento das obrigações a que tal credenciação obrigava, mas mesmo assim tomou a decisão de juntar o documento classificado de reservado aos referidos autos, tornando-o acessível a terceiros.

    Nestes termos, e nos mais que V/ Exas. mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em conformidade, ser o despacho recorrido revogado e substituído por outro que admita a constituição de assistente da ora Recorrente e o requerimento de abertura de instrução por si apresentado, seguindo-se os demais termos do processo.” * Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, alegando em síntese que a recorrente, segundo os seus estatutos, é apenas uma autoridade nacional em matéria de aviação civil, a qual exerce unicamente funções de regulação, fiscalização e supervisão do sector da aviação civil e supervisionar e regulamentar as actividades desenvolvidas neste sector. Não tem poderes para...

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