Acórdão nº 2618/15.8T9VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1.

Iniciaram-se os presentes autos com a queixa apresentada em 03/11/2015 nos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de ... por Manuel (entretanto constituído assistente por despacho judicial proferido em 20/11/2015, a fls. 59), contra diversos denunciados, uns devidamente identificados, e outros incertos ou desconhecidos, imputando-lhes factos que, na sua perspectiva, integravam a prática dos crimes de abuso de confiança, p. e p. pelo Artº 205º, de dano qualificado, p. e p. pelos Artº.s 212º e 213º, de denegação de justiça, p. e p. pelo Artº 369º, de abuso de autoridade, p. e p. pelo Artº 378º, de abuso de poder, p. e p. pelo Artº 379º, de falsidade, p. e p. pelo Artº 360º, de tráfico de influências, p. e p. pelo Artº 335º, e de burla, p. e p. pelo Artº 217º, todos do Código Penal.

*2.

Tramitado o respectivo inquérito, com a realização das diligências reputadas de pertinentes, pelo despacho do Exmo. Sr. Procurador da República de 10/10/2016, exarado a fls. 170/175 Vº, foi determinado o arquivamento dos autos, nos termos do disposto no Artº 277º, nº 2, do C.P.Penal, por, em síntese, não ser possível responsabilizar criminalmente qualquer dos denunciados, designadamente por ausência de indícios de dolo, elemento constitutivo de todos os crimes que lhes vinham imputados.

*3.

Não se conformando com aquele despacho de arquivamento pelo Ministério Público, ao abrigo do disposto nos Artºs. 68º, nº 3, al. b) e 287º, nº 1, al. b), do C.P.Penal, requereu o assistente a abertura de instrução, nos termos constantes de fls. 182/192.

*4.

Porém, o aludido requerimento de abertura de instrução foi rejeitado pelo despacho do Mmº Juiz de Instrução Criminal de 09/12/2016, constante de fls. 225/260, quer porque formulado contra incertos ou desconhecidos (no que respeita às pessoas/arguidos não concretamente identificados pelo assistente), quer por falta de alegação/imputação por banda do assistente de factos no requerimento de abertura de instrução, tanto do ponto de vista objectivo, como do ponto de vista subjectivo, por referência aos crimes por cuja pronúncia pugnava.

*5.

Não se conformando com tal despacho, dele interpôs o assistente recurso para este Tribunal da Relação (cfr. fls. 263/273), o qual foi admitido pelo despacho exarado a fls. 308, pugnando o Ministério Público (resposta de fls. 342/345) e o arguido M. N. (resposta de fls. 372/376) pela sua improcedência.

*6.

Porém, pelo acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 22/05/2017, constante de fls. 221/251 do Apenso A, foi negado provimento ao recurso em causa, e confirmada a decisão recorrida.

*7.

Não se conformando com tal acórdão, dele interpôs o assistente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos que constam de fls. 267/273 daquele Apenso A.

*8.

No entanto, tal recurso foi rejeitado pelo despacho de 14/06/2017, exarado a fls. 276 do dito Apenso A, por inadmissibilidade legal.

*9.

Ainda irresignado com tal despacho, ao abrigo do disposto nos Artºs. 97º, 405º e 417º, do C.P.Penal, dele reclamou o assistente para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos constantes de fls. 2/6 do Apenso A.G1-A..

*10.

Porém, tal reclamação veio a ser indeferida pelo despacho de 29/09/2017 do Exmo. Sr. Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, exarado a fls. 154/158 do mencionado Apenso A.G1-A..

*11.

Notificado desse despacho, e baixados os respectivos apensos à 1ª instância, em 18/10/2017 veio o assistente, ao abrigo do disposto nos Artºs. 77º e 285º do C.P.Penal, deduzir a acusação particular e formular pedido de indemnização civil, nos termos que constam de fls. 412/430 (destes autos principais).

*12.

Pelo despacho de 21/01/2018, proferido a fls. 441/441 Vº, o Digno Procurador da República não acompanhou a mencionada acusação particular, expendendo a propósito as seguintes considerações (transcrição 1): “A peça apresentada pelo Dr. Manuel, por este apelidada de acusação particular, é, em nossa modesta opinião, absolutamente anómala, porque produzida em manifesto arrepio às normas processuais penais vigentes, correctamente interpretadas.

O MP não acompanha, nem poderia acompanhar, independentemente do seu conteúdo, uma “acusação” para a qual não encontra qualquer norma processual que a possa minimamente fundamentar e que, por isso, enferma de inexistência jurídica.

Sobre a figura da inexistência jurídica, v. Souto Moura, “Inexistência e Nulidades Absolutas em Processo Penal”, in Centro de Estudos Judiciários, Textos, 1990-91, 1, pág.119 [“(…) o processo surge como uma concatenação de actos da secretaria, das partes, ou das autoridades judiciárias, coadjuvadas ou não pelos órgãos de polícia criminal. Os actos têm que revestir-se de certas características, têm que assumir uma forma que se encontra associada à respectiva eficácia processual. Ora a regularidade e efeitos processuais dos actos podem ser prejudicados se eles estiverem viciados. Rigorosamente, só vícios de actos processuais os obstáculos à eficácia de actos, que o são processo. Mas é possível configurar um conjunto de circunstâncias, que sequer chegam a atacar os actos de processo para os viciar, porque impedem, que actos com efectiva existência material, tenham além disso existência jurídica. São circunstâncias que fazem com que o ato de processo nem sequer surja, e portanto, seja como tal, um ato inexistente.”], citado no acórdão da Relação de Guimarães, proferido em 04-12-2006, no processo 1928/06-2, disponível em www.dgsi.pt, bem como a demais doutrina e a jurisprudência ali referidas.

O MP entende ainda que peça apresentada, por ser inexistente, não pode dar lugar a qualquer outra tramitação nos seus serviços, a não ser a anteriormente determinada, isto é, a remessa à Unidade Central para distribuição ao Juízo Local Criminal, dado estar dirigida ao “Exmo. Sr. Juiz de Direito.

Assim, remeta-se novamente os autos Unidade Central deste tribunal para distribuição ao Juízo Local Criminal.”.

*13.

Aberta conclusão à Mmª Juíza (do Juízo Local Criminal de ... – Juiz 2), em 06/02/2018 exarou a mesma o despacho que consta de fls. 449/450, com o seguinte teor (transcrição): “Questão prévia: Veio o assistente deduzir “acusação particular” contra as pessoas ali identificadas imputando aos mesmos a prática dos crimes de Invasão de propriedade alheia, Dano ou destruição, Usurpação, Alteração de Marcos, Furto, Burla e Abuso de poder, porquanto, segundo refere, o despacho de arquivamento não o notificou para deduzir acusação particular, estando em causa crimes de natureza particular.

O Mº Pº pronunciou-se no sentido de que se trata de uma peça processual anómala, que enferma de inexistência jurídica.

Cumpre decidir.

Há desde logo a considerar que os presentes autos se encontram findos, posto que o Mº Pº proferiu despacho de arquivamento, foi rejeitada a abertura de instrução, negado provimento pelo Tribunal da Relação ao recurso interposto dessa decisão, não foi admitido o recurso interposto para o STJ, e foi indeferida pelo STJ a reclamação apresentada da não admissão do recurso.

Ora, está assim, há muito, ultrapassado o momento referido no artº 285º do CPP, sob a epígrafe “ Acusação particular” (que se inicia por “Findo o Inquérito”), sendo certo que ainda assim o assistente apenas podia deduzir acusação particular quando o procedimento dependesse de acusação particular (o que decorre da lei e não coincide necessariamente com aqueles “crimes de dano, de bens ou de direitos de que o ofendido/ assistente é único e exclusivo titular” como parece entender o assistente - cfr. ponto XI a fls. 416).

Isto posto e tendo presente os crimes supra referidos e a natureza pública/ semi-pública dos mesmos, importa considerar que a questão da legitimidade do assistente para deduzir acusação por crimes públicos (e semipúblicos) quando o Ministério Público se tenha abstido de a formular - que na vigência do Código de Processo Penal de 1927 e Decreto-Lei 35007, segundo refere o Prof. Jorge de Figueiredo Dias (in Direito Processual Penal, vol. I, 1981, p. 525), «foi entre nós discutida até ao paradoxismo» - hoje já não se coloca, pois, como analisa o conselheiro M. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 9.ª ed., 1998, p. 535, «é agora inequívoco que os assistentes não podem deduzir acusação por crime público sem que o MP o faça pelos mesmos factos [...]. Perante uma abstenção do MP por crime público ou semipúblico por que tenha havido queixa e constituição de assistente, resta a este requerer a abertura de instrução [artigo 287.º, n.º 1, alínea b)] e poder vir a obter, por esta via, a pronúncia do arguido.»"; E assim, como se decidiu no AUJ do STJ nº 1/2000, publicado no DR 1ª Série de 6/1/2000: "é hoje entendimento pacífico na jurisprudência e na doutrina que a titularidade da acção penal pertence exclusivamente ao Ministério Público, como imperativa e inequivocamente estabelecem os acima transcritos artigo 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, artigo 1.º do Estatuto do Ministério Público (Lei 60/98, de 27 de Agosto), artigo 48.º do Código de Processo Penal e artigo 2.º, n.º 2, alíneas 7) e 11), da Lei 43/86, de 26 de Setembro (lei de autorização legislativa), e vem afirmado na fundamentação do Assento deste Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Outubro de 1997, n.º 8/99, in Diário da República, 1ª série-A, nº 185, de 10 de Agosto de 1999";(…) "Assente, por conseguinte, a competência exclusiva do Ministério Público para promover o processo penal e a subordinação estrita da intervenção processual dos assistentes, salvo nos crimes particulares e semipúblicos, à actuação do Ministério Público, temos que, excepto quando o procedimento criminal depender de acusação particular - o que não é aqui o caso -, é ao Ministério Público que compete, em especial, deduzir a acusação (artigos 50.º e seguintes) (...) e «só após a notificação da acusação do...

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