Acórdão nº 2587/17.0T8BRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA AM
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Nos presentes autos declarativos com processo comum, nos quais José demanda “X Motors Car Comércio e Distribuição de Automóveis, S. A.”, ambos melhor identificados nos autos, foi proferida a seguinte decisão: “Veio o A. requerer a realização de segunda perícia, alegando que os esclarecimentos prestados não suprem as deficiências do relatório apresentado.

A R. pugna pelo indeferimento do requerido.

Cumpre apreciar.

Preceitua o art. 487°, nº 1 do Cód. Proc. Civil que qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando, fundadamente, as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.--- No essencial, as razões da discordância passíveis de fundamentar a realização de segunda perícia reconduzem-se, a nosso ver, na colocação em crise do juízo técnico formulado, por vícios intrínsecos ao mesmo, designadamente no tocante às premissas de que se partiu.--- Ora, no caso vertente, não encontramos no relatório apresentado (conjugado com os esclarecimentos prestados) vícios de contradição ou incoerência que fundamentem a realização de uma segunda perícia.--- Na verdade, como refere a R., entendemos que o A. não encontrou no relatório pericial sustento para a pretensão que formula, na medida em que este se afasta das conclusões que o A. queria ver alcançadas. Por essa razão, assinala o A. deficiências que, em abono da verdade, o relatório não apresenta e, saliente-se, nem logra solicitar concretamente esclarecimentos, limitando-se a concluir (injustificadamente) pela inexistência de resposta cabal aos quesitos formulados.

Vejamos.- Cumpre desde logo salientar o rigor com que o relatório foi elaborado, o que se evidencia exactamente nas notas prévias do Sr. Perito, através das quais este fornece aos destinatários do relatório, como é o caso do tribunal, ferramentas úteis para a leitura do mesmo. --- Assim, e contrariamente ao A, julgou o tribunal relevantes as figuras apresentadas (que já eram perceptíveis mas que com os esclarecimentos se apresentam de qualidade inatacável). Tal sucede, nomeadamente, com a figura identificada com o número 4, que explicita o que o sr. Perito considerou como sendo o local da verificação da folga entre as portas de frente e trás. Igualmente se mostrou pertinente a explicação dada (com um exemplo) na legenda da figura 3-C. Daí se retirou a clareza da resposta dada aos quesitos relativos aos desníveis verificados.--- O A pretende esclarecimentos a questões que não colocou (o que é contraditório com o referido em 3° do requerimento de 26/2). Não foi solicitada a indicação das normas técnicas, nem de medições concretas, mas que o perito esclarecesse se há desníveis, resposta essa que é clara. De toda a forma, na resposta aos pedidos de esclarecimentos, é o Sr. Perito ainda mais consistente e rigoroso, fornecendo todos os elementos necessários à completa análise e percepção do relatório.-- Por outro lado, é o Sr. Perito claro na resposta que dá ao quesito relativo à quantificação dos valores necessários à reparação: estes estarão dependentes da desmontagem, acção essa para a qual o sr. Perito não tinha instruções.- No que concerne à existência de saliências ou amolgamentos, a resposta do Sr. Perito é cabal e mostra-se coerente com o senso comum. Note-se que não nos estamos a reportar a defeitos de construção, mas a danos causados no embate em que o veículo esteve envolvido e que, a existirem, seriam visíveis a olho nu. De resto, como pode alegar o A que eles existem se não tiver sido por ele constatado?- Relativamente aos danos nas porcas das dobradiças, não se compreende a dúvida do A, pois que se resultava do relatório uma resposta clara ("sim, existem e poderão ter resultado das afinações"), dos esclarecimentos tal resposta evidencia-se ainda mais peremptória.- Quanto aos barulhos verificados, uma vez mais o A. pretende respostas que excedem o perguntado e que, no entender do tribunal, se mostram desrazoáveis. A pergunta, redigida pelo A. era "Existem ruídos audíveis no veículo?", pelo que se afigura inadmissível que pretenda o A. que o Sr. Perito apresente resultados de medições.- Em suma, a pretensão do A. afigura-se desproporcionada e não sustentada.

Pelo exposto, decide-se indeferir a realização da segunda perícia…”*Não se conformando com a decisão proferida, dela veio o A. interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões: “I. O presente recurso vem interposto ao abrigo do artigo 644.°, nº 2, alínea d) do Código de Processo Civil (CPC) do despacho com a referência n." 159727892 que indeferiu a realização de segunda perícia, fazendo tábua rasa do disposto no artigo 487.°, nº 1 e 3 do CPC.

  1. ln casu, o A., aqui Recorrente, demandou a Ré X Motors Car -Comércio e Distribuição de Automóveis, S. A. por esta ter reparado defeituosamente o veículo automóvel, sua propriedade, de matrícula ..., após ter o mesmo estado envolvido num acidente de viação.

  2. Logo na petição inicial o A./Recorrente, requereu a realização de prova pericial, o que foi deferido, tendo o objecto da perícia sido fixado tendo em conta o contraditório exercido pela Ré, cfr. despacho com a referência n." 155419015, datado de 16/11/2017.

  3. Concluída a perícia e tendo o A./Recorrente sido notificado do respectivo relatório pericial, apresentou Reclamação, nos termos constantes do seu requerimento, datado de 26/02/2018, o que acabou por ser deferido.

  4. Em consonância, apresentou o Perito (…) esclarecimentos, o qual ainda assim não supriu os vícios e inexactidões do inicial, o que motivou o A./Recorrente a requerer a realização de uma segunda perícia, pedido deduzido nos termos constantes nos autos a 04/06/2018.

  5. O A/Recorrente foi bastante claro, preciso e fundamentou devidamente as suas razões de discordância sobre os relatórios pericial e de esclarecimentos, pelo que cumpriu os requisitos legalmente impostos subjacentes ao pedido de realização de uma segunda perícia, cumprindo assim o ónus de alegação que lhe impõe o nº 1 do artigo 487.° do CPC.

  6. Ademais, e como resulta do próprio nº 3 do artigo 487.° do CPC "a segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta", pelo que andou mal o Tribunal a quo quando considerou que "entendemos que o A. não encontrou no relatório pericial sustento para a pretensão que formula, na medida em que se afasta das conclusões que o A. queria ver alcançadas", na medida em que o A. não pretende com a perícia impor quaisquer resultados, apenas pretende que sejam alcançados juízos técnicos e objectivos, devidamente fundamentados, sobre o quesitado.

  7. A prova pericial é um juízo técnico, que exige fundamentação técnica, não se bastando a meras suposições ou considerações, demonstrativa de determinados resultados que permitam fundamentar determinadas conclusões, sendo essencial o estrito cumprimento do dever de fundamentação a fim de se poder apreender as conclusões do relatório pericial, a fim mesmo da prova pericial cumprir os seus desideratos, tendo o Perito violado o disposto no nº 1 do artigo 484.°, norma essa também violada pelo Tribunal a quo já que indefere a realização de uma segunda perícia, acatando um relatório pericial deficiente e obscuro.

  8. O aqui Recorrente não julga as figuras apresentadas pelo Perito como irrelevantes, sendo todavia incompreensível como aquele chega a determinadas conclusões - em concreto, como pode concluir que há folgas dentro de valor recomendado pelo fabricante se não demonstra quaisquer valores, resultados e/ou medições.

  9. Mais, qualquer desnível, saliências, amolgaduras, danos e ruídos existentes ou não, hão-de ser tecnicamente apurados, não bastando a referência a considerações subjectivas e à experiência do Perito.

  10. Acresce que nunca foi apresentado junto deste Tribunal nem sequer junto do aqui Recorrente qualquer pedido de desmontagem do veículo em ordem à completude da prova pericial, o que não se concede nem compreende.

  11. Porquanto, tendo o A./Recorrente tempestivamente apresentado o pedido de realização de segunda perícia, tendo fundamentado o mesmo com as razões da sua discordância, deveria a mesma ter sido admitida, pois que não lhe é exigido o recurso a argumentos técnicos - neste sentido, veja-se o vertido nos Acórdãos deste mesmo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do processo n." 2258/14.9T8BRG-B.G1, datado de 14/04/2016, e do processo n." 2847/05.2TBFAF-A.G1, datado de 06/02/2014, ambos disponíveis...

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