Acórdão nº 237/11.7TYVNG-N.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelRUI MOREIRA
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

PROC. 237/11.7TYVNG-N.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 3*REL. N.º 546 Relator: Rui Moreira Adjuntos: João Diogo Rodrigues Anabela Tenreiro* ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:1. – RELATÓRIO (onde se reproduz o relatório da sentença recorrida, que ilustra as alegações das partes) Na presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, proposta por B…, (…), contra Massa Insolvente de C…, Lda., representada pelo Sr. Administrador da Insolvência, o autor peticiona seja declarada infundada e, por isso, ineficaz a resolução dos contratos - promessa com eficácia real celebrados, em Março de 2011, entre a Insolvente e o A., por aquele invocada na sua carta de 18.11.2011, e, consequentemente, sejam considerados válidos e subsistentes os referidos contratos, com reconhecimento da verificação da traditio a favor do A., por força da norma imperativa definida no artigo 106.º do CIRE, a qual não permite recusa do seu cumprimento pelo Administrador da Insolvência.

No caso de se entender que o Sr. Administrador da Insolvência, apesar de verificados todos os pressupostos da aplicação do artigo 106.º do CIRE, pode optar pelo não cumprimento dos supra alegados contratos-promessa, deve a Ré, na pessoa do Sr. Administrador da Insolvência, ser condenada a reconhecer ao A. o direito de crédito, sobre a insolvência, correspondente à restituição do sinal em dobro, crédito esse garantido pelo direito de retenção, definido na al. f) do nº1 do artigo 755.º do Código Civil e, em consequência, poder valer-se do mecanismo definido nos nºs 2 a 4 do artigo 164.º do CIRE.

Se assim não se entender, com fundamento numa outra interpretação da al. f) do nº1 do artigo 755.º do Código Civil e dos nºs 1 e 2 do artigo 106.º do CIRE, deve tal interpretação ser considerada inconstitucional, por violação do nº1 do artigo 60.º da Lei Fundamental.

O Autor alega, para o efeito e em síntese, que, por carta datada de 18.11.2011, o Sr. Administrador da Insolvência procedeu à resolução dos contratos-promessa de compra e venda com eficácia real, que havia celebrado, em 2.03.2011, com a ora Insolvente, invocando os fundamentos constantes de tal missiva, os quais, na realidade, não se verificam.

Os mencionados contratos foram celebrados entre o Autor e ora Insolvente, na qualidade de promitente-comprador e promitente-vendedora, respectivamente, em relação à fracção autónoma “G”, correspondente a um estabelecimento de comércio e serviços, e à fracção autónoma “D”, correspondente a uma habitação, com arrumo e garagem, ambas do prédio urbano descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº2893, mediante os preços acordados de 315.250€ e 339.500€, respectivamente, tendo-se feito constar das correspondentes escrituras que tais promessas era efectuadas em concretização do contrato-promessa de compra e venda, com natureza obrigacional, outorgado entre as partes em 5.02.2007, o A. entrava, nessa data, na posse das referidas fracções autónomas “G” e “D” e o mesmo gozava sobre estas do direito de retenção.

O Autor mais alega que, em 2.03.2011, a Insolvente entregou-lhe a chave de acesso ao imóvel onde se encontrava em construção o prédio, já constituído em propriedade horizontal, do qual fazem parte as ditas fracções autónomas, com o objectivo de lhe transmitir o direito de dispor do prédio, para poder prosseguir a obra em curso, terminando-a por si, se e quando tal viesse a ser necessário, pois a obra não avançava. Por isso, o A. tomou providências para a sua prossecução, designadamente obtendo, junto da dona da obra, os projectos e demais elementos da obra, em meados de Março de 2011, e contactando empresas empreiteiras.

Por outro lado, o A. refere que entregou à Insolvente, no âmbito dos aludidos contratos-promessa com natureza obrigacional, os montantes totais de 272.974,16€ e 283.034,16€, a título de sinal e princípio de pagamento das fracções “G” e “D”, respectivamente.

Na sequência da declaração de insolvência da promitente-vendedora e dona da obra, o Autor solicitou ao Sr. Administrador da Insolvência, por carta datada de 20.05.2011 e por requerimento dirigido a este Tribunal em 5.07.2011, a celebração da escritura de compra e venda, tendo, também, diligenciado junto da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia.

Todavia, o Sr. Administrador da Insolvência recusou celebrar os contratos de compra e venda, assim incumprindo a norma imperativa constante do artigo 106.º do CIRE.

O Autor sustenta, igualmente, que o Sr. Administrador da Insolvência não tem o direito de resolver os contratos-promessa com eficácia real e traditio, negócios estes que não prejudicaram a massa insolvente, pois foram celebrados antes da insolvência da promitente-vendedora e o A. pretendia concluir a obra do prédio, com vista a satisfazer não só os seus interesses, mas também os dos restantes credores, e não permitir a venda do prédio ao desbarato, pelo que sempre agiu de boa fé.

Por outro lado, o Autor refere que as fracções em apreço foram adquiridas pelo valor de mercado em 2010.

Deste modo, o Autor conclui que inexiste fundamento legal para a resolução incondicional, nos termos dos artigos 120.º, nº3, e 121.º do CIRE.

*A Ré contestou, sustentando, em síntese, todo o alegado na carta de resolução enviada pelo Sr. Administrador da Insolvência ao Autor.

Impugna os pagamentos que o A. invoca ter efectuado, porquanto o mesmo não os comprovou por meio idóneo, assim como impugna o teor do aludido contrato-promessa de natureza obrigacional.

Por outro lado, a Ré invoca que as mencionadas fracções não estão construídas nem em condições de serem utilizadas, encontrando-se inseridas no edifício “D…”, o qual se apresenta em atrasado estado de construção. Por conseguinte, o A. não praticou quaisquer actos de posse sobre as ditas fracções, a que não se pode reconduzir a alegada vedação do edifício, a qual terá sido levantada por “E…”, a empresa construtora do edifício. Destarte, não se verifica qualquer dos requisitos do direito de retenção previstos na al. f) do nº1 do artigo 755.º do Código Civil, designadamente a tradição da coisa e a existência de crédito resultante do incumprimento do contrato imputável à outra parte, nos termos do artigo 442.º do Código Civil.

A Ré mais alega que, à data da celebração dos contratos-promessa com eficácia real, a Insolvente já não desenvolvia qualquer actividade, não pagava aos funcionários desde Dezembro de 2010, tendo declarado a muitos deles que já não conseguiria pagar as remunerações em atraso, a obra do edifício “D…” não avançava, havia poucos trabalhadores na obra e já existia litígio judicial entre a Insolvente a sociedade empreiteira, factos que eram do conhecimento do A.. À data dos contratos-promessa resolvidos, celebrados a escassos nove dias da entrada em Tribunal do pedido de insolvência da devedora, o A. também sabia que esta se encontrava em situação de insolvência, pelo menos iminente, incapaz de cumprir as suas obrigações perante o sector público estatal, clientes, fornecedores e trabalhadores, pelo que todos os intervenientes nesse contrato agiram de mé fé, nos termos do artigo 121.º, nº1, al. c), do CIRE.

A Ré invoca, ainda, que o valor real das fracções objecto dos contratos resolvidos era, à data, certamente superior ao que consta dos respectivos contratos, assim se verificando o requisito da al. c) do nº1 do artigo 121.º do CIRE.

Na contestação, sustenta-se que o nº1 do artigo 106.º do CIRE não se aplica, pois não ocorreu a tradição de qualquer bem.

A Ré contrapõe, igualmente, que o A. não tem direito à restituição em dobro do sinal, pois não se verifica incumprimento definitivo dos contratos imputável à devedora, nos termos do artigo 442.º do Código Civil. Acresce que, tendo o A., à data dos negócios resolvidos, conhecimento da impossibilidade prática de a Insolvente celebrar os contratos prometidos, a pretensão de obter o sinal em dobro consubstancia abuso de direito e locupletamento injustificado à custa da Ré.

A Demandada invoca, ainda, que os contratos em apreço prejudicaram a insolvência e os respectivos credores, pois teve como único fito a constituição de aparentes, mas insubsistentes, garantias reais relativas a supostas e inverificadas obrigações pré-existentes, de onde resultou uma tentativa de diminuição do património da Insolvente e a violação do princípio da igualdade entre os credores, com especial prejuízo para os credores não garantidos.

Por fim, a Ré impugna a generalidade dos factos alegados na petição inicial e conclui pela improcedência da acção, com a consequente validade e eficácia da resolução operada pelo Sr. Administrador da Insolvência.

*O A. replicou, alegando que as fracções autónomas existem física e juridicamente, sendo irrelevante, para efeito da respectiva posse, a fase de construção em que se encontre o edifício no qual estão inseridas. O processo foi saneado, foi identificado o objecto do litígio e foram concretizados os temas de prova. Realizou-se a audiência de julgamento, no termo da qual foi proferida sentença que concluiu pela improcedência da causa.

É desta sentença que vem interposto recurso pelo autor, que o termina formulando as seguintes conclusões: 1ª – Entende o Recorrente que a sentença proferida viola ostensivamente vários normativos legais, nomeadamente o disposto no art. 2º e 13º da CRP, art. 6º, 278º, 595º, nº 1, al. a) do CPC e artigos 442º e 775º, nº 1, al. f, ambos do CC, entre outros.

  1. – Para além desta decisão ser completamente antagónica a uma outra acção que versou sobre uma situação exactamente igual quanto à causa de pedir e ao pedido proferida no âmbito do Apenso P dos autos principais, acção em que foi proferida sentença procedente quanto ao seu pedido subsidiário, que se transcreve: “Ser reconhecido aos AA. o direito ao reclamado crédito, como clamado, com o impetrado sinal em dobro no valor de €279.000,00, com juros à taxa legal, devidamente justificado e verificado...

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