Acórdão nº 2548/18.1T8VCT-A. G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Fevereiro de 2019
Magistrado Responsável | AM |
Data da Resolução | 07 de Fevereiro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães O...., S.A.
, requereu a declaração de INSOLVÊNCIA de SUSANA ...
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Alega, em síntese, que a Requerida foi avalista do contrato de empréstimo garantido por hipoteca celebrado em 11/06/2008 e respectivos aditamentos, entre o Banco ... – Banco ..., S.A., e a quem a Requerente sucedeu por resolução do Banco de Portugal, e a sociedade Agrícola Quinta …, Lda., contrato esse que foi incumprido. Na sequência do incumprimento, a Requerente procedeu ao preenchimento de uma livrança pelo montante de € 451.730,02, a qual não obteve pagamento, razão pela qual instaurou a correspondente acção executiva contra a sociedade devedora e todos os avalistas, designadamente a Requerida, tendo sido apurado que esta não detém bens susceptíveis de penhora para pagamento do crédito da Requerida.
Citada a Requerida, deduziu oposição, alegando, em suma, que não se encontra em situação de insolvência. Mais, alega que os prédios hipotecados a favor da Requerente para garantia da dívida valem € 870.000,00, ou seja, valor muito superior ao montante em dívida. Alega, finalmente, que não possui outras obrigações em situação de incumprimento.
Percorrida a tramitação normal, veio a ser proferida sentença que declarou a insolvência de SUSANA ...
Discordando desta decisão, dela interpôs recurso de apelação Susana ..., tendo apresentado as seguintes conclusões (transcritas): 1. Vem o presente recurso interposto da sentença que declarou a situação de insolvência da Requerida Susana ....
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Tem o recurso por objeto matéria de facto com reapreciação da prova documental apresentada com a oposição, com inerente alteração da factualidade não provada, e matéria de direito, com demonstração da errada interpretação e aplicação do direito substantivo.
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No tocante à reapreciação da matéria de facto, nomeadamente ponto único dos factos não provados, impunha-se ao Tribunal, com base no documento n.º 2 junto com a oposição referente a avaliação efetuada no âmbito da execução instaurada pela Requerente, ter considerado provado que “os prédios dados em hipoteca para garantia do crédito da requerente têm o valor de mercado de € 870.000,00”.
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O valor desta avaliação consta de documento junto com a oposição e corresponde à avaliação promovida e efetuada oficiosamente no processo de execução com vista à determinação do valor base de venda judicial naqueles autos – documento 2 junto com a contestação.
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Cremos que este documento, por si só, seria o bastante para considerar que o valor do imóvel é de pelo menos 870.000,00 € porquanto é comummente sabido que os valores do mercado imobiliário têm crescido exponencialmente, sendo que anteriormente a própria Requerente havia avaliado os imóveis em um milhão de euros.
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Se o Tribunal “a quo” se louva na inexistência de conhecimentos técnicos revelados pelas testemunhas, que se pronunciaram sobre a questão do valor, para concluir que esse não se provou ser esse o valor atual, não menos certo é que o mesmo Tribunal, na sentença recorrida, em nada se louva, nem mesmo em qualquer testemunho, com ou sem conhecimentos técnicos, para especulativamente e em claro sentido contrário ao que resulta do conhecimento e do senso comum, inferir que será seguramente inferior em virtude da desvalorização dos bens imóveis pela evolução que se vem registando nos últimos anos no mercado imobiliário.
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O que, aqui sim, não passa de uma presunção sem qualquer fundamento, já que é precisamente o oposto do que se evidencia em qualquer estatística ou relatório, oficial ou particular, sobre a matéria.
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Prosseguindo para a demonstração da errada interpretação e aplicação do direito substantivo, lida atentamente a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, ouvida a prova produzida em audiência, analisados os documentos juntos pelas partes, não se alcança a motivação para o Tribunal concluir que existe uma probabilidade de a requerente não obter a cobrança integral dos eu crédito no âmbito da liquidação do ativo na insolvência da sociedade Agrícola Quinta ....
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Permitimo-nos colocar a situação inversa: suponhamos que o crédito da Requerente, que sustentou a decretação da insolvência da aqui Requerida, é totalmente liquidado no âmbito da liquidação do ativo no processo de insolvência da sociedade. A Requerida permanece judicialmente declarada insolvente apesar de não ter nenhuma dívida? 10. Com a presente ação a Requerente não busca a declaração de insolvência da Requerida, que na prática lhe é indiferente, pretendendo apenas e tão só a cobrança do montante derivado do mútuo celebrado, o que já estava a tentar alcançar na ação executiva pendente – processo n.º 522/12.0TBAVV, Juiz 3, Juízo Central Cível, Comarca de Viana do Castelo.
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Com a ação executiva pendente contra a mutuária e os avalistas a Requerente veio requerer a insolvência da empresa devedora Sociedade Agrícola Quinta ..., seguida da insolvência dos 4 avalistas.
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A Requerente recorre ao processo de insolvência como um instrumento de coação e pressão para cobrança do seu crédito, numa clara atitude de irresponsabilidade social e de manifesto abuso de direito.
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In casu, dispondo e garantia real para saldar o seu crédito pela via da execução, estava-lhe vedado o recurso à insolvência com base nos princípios de proibição do excesso, proporcionalidade e indispensabilidade do meio.
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A Requerente nunca teve motivos para duvidar da liquidação do seu crédito através dos bens primeiramente hipotecados e depois penhorados a seu favor.
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Juntou a Requerida com a sua oposição a lista de créditos reconhecidos no âmbito da insolvência da sociedade devedora para demonstrar que a Requerente não tem fundamento para recear pelo não pagamento do seu crédito no âmbito da liquidação do ativo.
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Impondo-se que sejam aditados dois pontos à matéria de facto provada com a seguinte redação: “No âmbito do processo de insolvência da Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda (Processo n.º 217/18.1T8AVV do Juiz 2, Juízo Local Cível de Arcos de Valdevez, Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo) o crédito da Requerente foi reconhecido como garantido, a seguir à AT que detém um crédito privilegiado no valor de 918,09” e “A Requerente peticionou também a insolvência de Susana...(irmã) no âmbito do processo n.º 2548/18.1T8VCT Juízo Local Cível de Viana do Castelo – Juiz 1, e dos avalistas Virgilio... e Maria ... (seus pais) no âmbito do processo n.º 2628/18.3T8VCT Juízo Local Cível de Viana do Castelo – Juiz 4”.
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Salvo melhor entendimento, afigura-se inadmissível que a Requerente promova simultaneamente diversas ações judiciais com vista à cobrança do mesmo crédito, mormente quando dispõe de uma garantia real que lhe assegurará a sua satisfação integral.
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Satisfação essa que ocorrerá no processo de insolvência da devedora principal, já decretada com decisão de liquidação do ativo.
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No mais, a Requerida não qualquer outra dívida vencida.
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Logo, não pode concluir-se que a Requerida se encontra em situação económica difícil, pois dispõe de rendimento que lhe permitem cumprir as suas obrigações correntes.
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A assim não se entender, o que apenas por mera hipótese de raciocínio se admite, estaríamos confrontados com uma interpretação das normas citadas em manifesto abuso de direito.
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Não é legítimo ao credor requerer a insolvência de um devedor quando possui uma garantia real do crédito invocado, sendo tal garantia claramente suficiente para garantir a sua solvabilidade.
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De outro modo, estaríamos a vulgarizar e converter um processo excepcional de insolvência num procedimento executivo anómalo, de mera coação, com evidente subversão do seu fim social e económico.
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Tornando o direito subjacente claramente ilegítimo e censurável, tal como decorre do disposto no artigo 334.º do Código Civil.
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A sentença recorrida deve ser revogada porque não se encontra verificada nenhuma das situações indiciadoras do estado de insolvência previstas no CIRE.
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A este respeito leia-se o escrito por José Lebre de Freitas com o título “Insolvência requerida, nos termos do art. 20.º-1-b CIRE, por credor hipotecário maioritário. Interesse Processual. Fraude à Lei e Abuso de Direito”, publicado na revista da Ordem dos Advogados, ano 77, Jan/Jun.2017, pag.367 “Admitir a declaração de insolvência em benefício de um só credor, como alternativa à ação executiva, constituiria desvio da função própria do instituto para o subordinar à função própria desta ação. (…). Constituiria fraude à lei admitir que o credor hipotecário pudesse, em processo de insolvência, fazer apreender bens do devedor não onerados pela hipoteca, sem a prévia demonstração, de que o credor tem o ónus, da insuficiência dos bens hipotecados que os citados ats. 697.º, CC, e 752.º, CPC, exigem”.
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Acrescenta ainda José Lebre de Freitas “A não se considerar, neste caso, haver fraude à lei, o comportamento do credor que requeira a insolvência de vários fiadores principais pagadores, com base na insuficiência do património de cada um, isoladamente considerado, para o pagamento da totalidade da dívida, configura o abuso de direito, por exceder o fim dessas normas excecionais”.
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No mesmo sentido se pronunciou o Tribunal da Relação de Guimarães no acórdão de 31.10.2008 (processo n.º 2209/08, publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se “No caso dos autos, a recorrente deixou de cumprir pontualmente obrigações de montante desconhecido, mas que, por facilidade de raciocínio, se admite que sejam de montante razoavelmente elevado. Todavia, nem tal montante nem o circunstancialismo de tal incumprimento revelam a impossibilidade de que a lei fala, posto que a dívida está, como vimos, garantida por uma hipoteca com um valor cerca de 2 vezes superior ao da dívida”.
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A sentença recorrida violou todas as normas de direito substantivo e de direito adjetivo citadas em suporte desta apelação.
Termos em que, dando-se provimento ao recurso, deve revogar-se a sentença recorrida e...
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