Acórdão nº 1635/17.8T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Fevereiro de 2019
Magistrado Responsável | VERA SOTTOMAYOR |
Data da Resolução | 07 de Fevereiro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães APELANTE: SEGURADORAS X, S.A.
APELADO: C. B.
I – RELATÓRIO No Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo do Trabalho de Viana do Castelo, Juiz 1, C. B.
, com o patrocínio do Ministério Público, instaurou ação especial emergente de acidente de trabalho contra SEGURADORAS X, S.A., pedindo a sua condenação no pagamento: - de uma pensão anual e vitalícia, a fixar de acordo com o resultado da Junta Médica; - de uma indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, a fixar de acordo com o resultado da Junta Médica; - da quantia de €40,00 a titulo de despesas de transporte para deslocação ao tribunal e ao GML; - dos juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias reclamadas, calculados à taxa de 4% (art. 135º CPT e Portaria nº 391/03, 08/04).
Para sustentar a sua pretensão alegou, em síntese que no dia 21/01/2017, sofreu um acidente quando trabalhava por conta própria, exercendo as funções de pedreiro. À data do acidente tinha transferido para a Ré a responsabilidade por acidentes de trabalho, pela retribuição auferida, ou seja €10.000,00, tendo a Ré declinado responsabilizar-se pela reparação do acidente.
A Ré contestou impugnando a ocorrência do acidente de trabalho, dizendo que quando o mesmo ocorreu o sinistrado encontrava-se na sua propriedade, a executar uma tarefa pessoal, da sua vida privada, em benefício próprio e do seu agregado familiar. A tarefa que motivou o acidente não teve qualquer conexão com a sua situação profissional, não podendo por isso o acidente em causa ser considerado de trabalho.
Conclui pela improcedência da acção com a sua consequente absolvição do pedido.
Foi proferido despacho saneador, fixados os factos assentes, organizada a base instrutória e ordenado o desdobramento dos autos, para fixação da incapacidade para o trabalho.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e por fim foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo: “Assim, e face a tudo o exposto, decide-se: Condenar a R. seguradora a pagar ao A.: - o capital de remição correspondente à pensão de €655,99, com início no dia 21/6/2017; - a quantia de €2.166,74 de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária; - a quantia de €40,00 de despesas de deslocação ao GML e a este tribunal; - juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%, sendo que, quanto à pensão, os juros são calculados sobre o capital de remição.
Custas pela R. seguradora.
Valor da acção: €10.403,99 Registe e notifique.” * A Ré Companhia de Seguros inconformada interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões: “
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Com o presente recurso, pretende o Recorrente demonstrar o desacerto da decisão proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a presente acção emergente de acidente de trabalho, para tanto aplicando erradamente o direito, nomeadamente o disposto no artigo 8.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro e no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 159/99, de 11 de Maio, violando ainda, em consequência, o princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa).
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Na verdade, o mencionado erro na aplicação do direito resulta de uma interpretação equivocada, inadmissível à luz do estatuído no artigo 9.º do Código Civil, do regime de reparação de acidentes de trabalho aplicável aos trabalhadores independentes, tendo o Tribunal a quo, incorrectamente, entendido que, para efeitos daquela reparação, é apenas necessário que, no momento do sinistro, a actividade desenvolvida por aquele trabalhador se enquadre dentro da profissionalidade declarada para efeitos de seguro, não se exigindo a verificação dos demais requisitos, de tempo, lugar e atinentes ao(s) dano(s) contemplados no artigo 8.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro e, por remissão, do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 159/99, de 11 de Maio.
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Por outro lado, caso se conclua pela correcção da interpretação sufragada pelo Tribunal a quo, o que apenas se considera por hipótese académica e por cautela de patrocínio, entende a Recorrente que, ainda assim, e atenta a factualidade dada como provada, jamais poderia a sentença ora recorrida concluir e decidir que o sinistro sub-judice configura um acidente de trabalho abrangido pela apólice subscrita pelo Autor junto da Ré, sendo, por isso, injusta e legalmente inamissível a decisão de condenar a Ré.
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Com efeito, para assim decidir, o Tribunal a quo escudou-se, essencialmente, no teor do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10.02.2015 (processo n.º 3764/04, relator: Serra Leitão, disponível em www.dgsi.pt) que entendeu que, para efeito de reparação de acidente de trabalho de trabalhadores independentes, o critério fundamental a atender é o da profissionalidade, quer dizer, é necessário que o evento danoso ocorra no exercício de uma actividade relacionada com a profissão que foi declarada para efeitos de seguro pelo aludido trabalhador.
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Todavia, sustentando embora a sua decisão neste entendimento, o Tribunal a quo entendeu ir ainda mais longe, tendo considerado que o mencionado critério da profissionalidade constituiria não um requisito fundamental, mas sim o “único critério a atender”, isto é, a condição exclusiva cuja verificação determina, “sem mais”, que o sinistro em causa consubstanciaria um acidente de trabalho abrangido pela apólice subscrita pelo Autor junta da Ré, dando lugar, nessa medida, à consequente reparação.
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O legislador, atenta a sensibilidade e importância da matéria em causa, teve o cuidado de definir expressa e cristalinamente o conceito de acidente de trabalho (artigo 8.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro e artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 159/99 de 11 de Maio), enunciando claramente os seus requisitos fundamentais (de tempo, lugar e atinentes ao(s) dano(s)), e delimitando, de modo vasto e extenso, as concretas circunstâncias (artigo 9.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro) cuja verificação se exige para que um determinado sinistro possa configurar um acidente de trabalho.
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Salvo o devido respeito, entende a ora Recorrente que o Tribunal a quo não só não fez bom uso do quadro legal, claro e objectivo, sobre o qual se debruçou, como parece tê-lo colocado entre parêntesis, fazendo tabula rasa das regras e requisitos expressamente consagrados na lei, antes optando por fazer assentar a sua decisão numa interpretação equivocada do regime de reparação de acidentes de trabalho aplicável aos trabalhadores independentes, em clara violação do artigo 9.º do Código Civil.
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É que o critério “único” que sustentou a decisão do Tribunal a quo, a profissionalidade, não resulta sequer, directa ou indirectamente, do disposto nos artigo 8.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro e 1.º do Decreto- Lei n.º 159/99 de 11 de Maio, os concretos preceitos legais mobilizados pelo Tribunal a quo para fundamentar a sua douta decisão, como, aliás, não encontra guarida no artigo 9.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro e no artigo 6.º Decreto-Lei n.º 159/99 de 11 de Maio (ignorado pelo Tribunal a quo).
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Efectivamente, o critério da profissionalidade mais não é, na verdade, do que um conceito desenvolvido pela jurisprudência jus-laboral com o fito de auxiliar o julgador em casos, como o controvertido, em que o sinistrado é um trabalhador independente.
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É que estes específicos trabalhadores, fruto do seu estatuto laboral complexo, gozam de um grau de autonomia na definição do local e na fixação tempo de trabalho que os demais trabalhadores não gozam, ou melhor, para os trabalhadores por conta de outrem a definição e fixação daquelas matérias é da responsabilidade do empregador...
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