Acórdão nº 2871/17.2T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MATOS
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. nº 2871/17.2T8STR.E1 Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório.

  1. (…), nascido em 16/4/1968, à data da petição, preso no Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, Alcoentre, instaurou contra o Estado Português, ação declarativa com processo comum[1].

    Alegou, em síntese, que no inquérito 72/11.2PATNV (Santarém – Central Criminal – Juiz 1) que lhe foi instaurado pelo Ministério Público, o juiz de instrução, por despacho de 9/3/2011, ordenou buscas e a interceção das suas comunicações com exclusivo fundamento numa “informação de serviço” da PSP que, por sua vez, teve origem numa “chamada telefónica anónima”.

    Não é lícito colocar sob vigilância, perseguir ou invadir o domicílio de alguém apenas porque um agente da PSP ouviu uma chamada telefónica anónima a dizer que o suspeito praticou um crime, sem mais diligências que a interceção e violação do foro privado.

    Tal despacho, por imponderação dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, como se exige num Estado de direito, comporta uma nulidade processual insanável, com a consequente anulação de todo o processado posterior e viola o artº 8º da Convenção Europeia, ratificada pelo Estado Português.

    Sentiu choque e angústia com a invasão da sua privacidade e o réu Estado Português deverá ressarcir estes danos.

    Concluiu pedindo a condenação do R. no pagamento da quantia de € 8.000,00, acrescida de juros.

    Contestou o Ministério Publico, em representação do Estado Português, argumentando, em síntese, que as buscas e interseção de comunicações do A., ordenadas no âmbito do inquérito 72/11.2PATNV, se fundaram em fonte identificável e tida por credível e não numa “chamada anónima” e noutros meios de prova recolhidos nos inquéritos 80/10.0TATNV e 463/08.6PATNV, incorporados no referido inquérito e vieram, aliás, a mostrar-se relevantes para efeitos probatórios e de aplicação de medidas de coação.

    A indemnização peticionada tem como pressuposto a revogação da decisão danosa por um tribunal superior e nenhum tribunal se pronunciou sobre a validade do despacho que ordenou as buscas e interseção das comunicações.

    O A. conhecia bem a falsidade da imputação que serve de suporte à ação, documentada nos autos a que teve acesso, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não ignora.

    Concluiu pela improcedência da ação e pela condenação do A. como litigante de má-fé.

  2. Foi proferido despacho que afirmou a validade e regularidade da instância e enunciou os temas da prova.

    Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença em cujo dispositivo designadamente se consignou: “Na improcedência da ação decido: - Absolver o Estado Português representado pela Digna Magistrada do Ministério Publico do pedido formulado pelo autor (…); - Absolver o autor do pedido de condenação como litigante de má fé.” 3.

    Recurso.

    O A. recorre da sentença e conclui assim a motivação do recurso: “l - o Tribunal a quo deu como provado que foi instaurado em 24-2-201 procedimento por crime de furto que teve por base uma Informação de Serviço Policial – fls. 106-108 – por fonte não identificada e, logo a seguir, foi proferido Despacho a invadir as comunicações telefónicas e habitação do autor; 2 - o autor instaurou a ação à luz do art.º 8° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem porquanto: 4- sem mais diligências – além da informação a fls. 106/108 – o MMº JIC a fls. 302-303 ordenou meios intrusivos da intimidade do A. (…) como a interceção telefónica, a invasão do domicilio pessoal e de um estabelecimento comercial; 5- entre fls. 106-108 de 23-2-2011 e o Despacho do MMº JIC de 9-3-2011 a fls. 312-333 de 4-3-2011 nada mais existe que a “informação de serviço”: aliás, o Mº Publico teve a perceção de que nada mais existia, pois refere a fls. 301 que: “resulta dos elementos probatórios recolhidos nos autos e sucintamente mencionados no relatório de fls. 106-108 ....” (sublinhado da defesa) 6- a informação foi prestada à PSP tão “sucintamente” que logo a fls. 106-108 a PSP identifica o suspeito (…) pelo: - nome completo – número do Bilhete de Identidade- -numero de telefone -moradas- - número de passaporte de um tal "…" (…), etc. ... 7- omitindo in totum quaisquer outras diligências além da alegada "fonte anónima" materializada sob "Informação de Serviço", a PSP solicitou e obteve o agreement do Ministério Publico e a Autorização Judicial de fls. 312-323 para ab initio invadir a privacidade do A.: 8- a informação anónima de fls. 23-2-2011 da PSP passou a: - "elementos mencionados sucintamente" em 4-3-2011 dixit Mº Público a fls. 302-302 – "factos ilícitos denunciados, existência e grau de organização" – dixit J.I.C. fls. 314 ... 9- a decisão judicial que ordena a intervenção das comunicações privadas de um cidadão deve visar uma finalidade especifica ou um fim constitucionalmente legítimo; note- se que: O MMº J.I.C a fls. 314 decidiu, repete-se, que: "... verifica-se, que, efetivamente, para um cabal esclarecimento do envolvimento do arguido nos factos ilícitos denunciados, a existência e o grau de organização e papel desempenhado por cada um dos intervenientes, é indispensável à investigação, por nenhum outro meio de prova se revelar eficaz para elementos que se pretende apurar, a interceção e gravação das chamadas telefónicas …"; 3- a investigação deveria ter produzido diligências no terreno diversificadas e, só após as mesmas, se se revelassem de todo infrutíferas, poderia e deveria solicitar interceções telefónicas ..., conforme impõe o mandamento do artigo 8º da Convenção Europeia, os arts l°, 32°, 34°, 205º da CRP e 187º e ss. do C.P.P.; a Jurisprudência Portuguesa é unanime na censura deste modus faciendi investigatório: Tribunal da Relação Lisboa - proc. 65/11. O JAFUN-A.L1-S - Margarida Blasco: Não constando dos autos mais do que uma denúncia anonima contra determinada pessoa, o facto desta ter antecedentes criminais da mesma natureza do ilícito denunciado, não é suficiente para a mesma ser considerada suspeita por novo crime, razão por que não ocorrem os requisitos mínimos legalmente exigíveis para ser autorizada uma escuta telefónica. Ora, o que existe nos autos é que o órgão de polícia criminal adquiriu a notícia da atividade criminosa através de informações transmitidas por um individuo que quis manter-se anónimo, subscrevendo o auto de notícia e afirmando que as informações transmitidas tinham fundamento. Só que aquilo que se diz ser a atividade do suspeito é objeto de exposição e síntese pelo órgão de polícia criminal no que se designa como "auto de noticia" elaborado, como se diz de acordo com o art. 243º. O nº 1 desse artigo determina que sempre que uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia criminal presenciarem qualquer crime de denúncia obrigatória levantam ou mandam levantar auto de notícia. Na realidade, porém, o órgão de polícia criminal não presenciou qualquer crime. Apenas supõe que...

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