Acórdão nº 335/17.3PBCTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA PILAR DE OLIVEIRA
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório No processo comum com intervenção do tribunal singular 335/17.3PBCTB da Comarca de Coimbra, Juízo de Competência Genérica de Penacova, após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença em 12 de Julho de 2018 com o seguinte dispositivo: Pelo exposto, decide-se: a) Absolver o arguido A. da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artº 152º, nº 1, alínea b) e nº 2 do Cód. Penal e da prática de um crime de dano, previsto e punido pelos artºs 212º, nº 1 e 207º, ambos do Cód. Penal; b) Condenar o arguido A. pela prática de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artº 143º, nº 1 do Cód. Penal, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz o total de € 910,00 (novecentos e dez euros); e) Julgar parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização cível e, em consequência, condenar o demandado A. a pagar à demandante B. a quantia de € 500,00 (quinhentos euros), a título de danos patrimoniais, acrescido de juros à taxa legal, contados desde a data de notificação do pedido cível até integral pagamento, absolvendo-se no que demais havia sido peticionado; (…).

Inconformada, a assistente e demandante recorreu da sentença, extraindo da motivação as seguintes conclusões: I- O presente recurso é interposto da douta sentença proferida pela qual o arguido foi absolvido da prática, como autor material, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º nº l alínea b) e n.º 2 do Código Penal.

II- O mesmo recurso é interposto por a assistente entender que parte da factualidade dada como não provada deveria ter sido dada como provada; III- Com base nas declarações da assistente e no depoimento prestado pela testemunhas arroladas pelo Ministério Público, (…) na audiência de julgamento deveriam ter sido dados como provados os factos indicados nos factos não provados.

IV- Face ao teor de tais depoimentos, não pode naturalmente a ora recorrente conformar-se com o julgamento da matéria de facto efectuado pelo Tribunal a quo. V- Por conseguinte, a recorrente requer a V. Exas. se dignem a dar como provados tais factos com base no depoimento daquelas testemunhas e da assistente. VI- Salvo o devido respeito, entendemos que o Tribunal fez uma incorrecta apreciação da matéria de facto produzida perante si em audiência. VII- Consideramos que a prova produzida, e até mesmo a constante nos factos dados como provados, se mostrava adequada para condenar o arguido pelo crime de que vinha acusado na douta decisão instrutória e que ao decidir em contrário, não fez o Tribunal uma boa apreciação da prova; VIII- Da prova produzida em audiência de julgamento resultou que a assistente foi objecto de vários actos de agressão, o que culminou a ultima delas na ruptura do relacionamento, pelo que durante o período de coabitação, a convivência do casal nunca foi pacifica, sempre pautado pelos comportamentos violentos do arguido para com a assistente; IX- Que desde 2015, o arguido vem atingindo na sua honra e consideração, dizendo que tem como ganhar dinheiro, que é mais mulher de seu pai do que dele, e atingindo-a na sua integridade física quer sexual, com empurrões e pontapés, usando força para seu prazer sexual.

X- Da prova feita em audiência de julgamento e prova documental junta aos autos, resultou provado que por parte do arguido os desentendimentos, acabavam por se traduzir em actos de agressão física e psicológica e também sexual.

XI- deveria ainda ter dado como provado, tendo em conta as declarações da assistente, que durante os anos que durou a vida em comum, o arguido agiu para com a ora recorrente de forma violenta e agressiva, quer verbal, quer física, quer sexual, situações que a recorrente não denunciou por medo quanto á sua vida e por vergonha e pelas consequências que poderiam dai advir.

XII- Entende a assistente e ora recorrente que face aos factos dados como provados, bem como aqueles que o deveriam ter sido com base nos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento pela assistente, que o fez de forma livre e consistente, apresentando sempre um discurso consistente, bem como das testemunhas inquiridas e suas filhas, (…), deveria o Tribunal a quo ter condenado o arguido pela prática de um crime de violência doméstica previsto e punido no artº 152º, nº 1 alínea b) e nº 2 do Código Penal, devendo o douto Tribunal da Relação revogar a douta sentença, e condenar o arguido pelo crime de violência doméstica p. e p. no artº 152º,nº 1 alínea b) e n.º 2 do Código Penal; XIII- Actuação do arguido que atentava com a dignidade pessoal e saúde da assistente, conforme prova documental junta aos autos e da qual se descortina todas as patologias de que sofre a assistente em sequencia da conduta do arguido; XIV- Confrontando os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de violência doméstica previsto e punido no artº 152º, nº 1 alínea b) e nº 2 do Código Penal, pelo que outra não pode ser a decisão, a não ser a de que a matéria de facto provada é por si só suficiente para preencher os elementos integrativos do crime de violência doméstica, sendo factos subsumíveis no elemento objetivo do tipo criminal imputado ao arguido na douta Decisão Instrutória de fls 536 (verso).

XV- A absolvição do arguido, salvo o devido respeito, que é muito, resulta que foi deficientemente aplicado o principio de livre apreciação da prova, consagrado no artº 127º do C.P.Penal, e considera a ora recorrente que a prova foi apreciada de forma arbitrária e com a mera impressão no espirito do julgador pelos diversos meios de prova, uma vez que a prova carreada para os autos à luz da experiência comum e aos olhos de qualquer homem médio, bem como da doutrina e jurisprudência existente, vai em sentido contrário, conforme melhor se encontra fundamentado em sede de motivação; XVI- Entende a recorrente ao abrigo do principio da experiência comum que a prova produzida nos autos, nomeadamente das declarações por si prestadas, vai em sentido contrário à fundamentação apresentada pelo tribunal “ a quo “ para justificar a solução de direito aplicada, na absolvição do arguido quanto ao crime de violência doméstica.

XVII- Assim sendo, deverão os pontos sobre a matéria de facto impugnados serem reapreciados, e considerados por provados.

XVIII- Entendemos que a Mmª Juiz ao absolver o arguido violou o artº 152º nº 1 alínea b) e 2 do Código Penal. XIX- Tendo incorrido com a decisão proferida também em erro de julgamento.

XX- Pelo exposto, a ora recorrente requer a V. Exas, fazendo das normas e se dignem proceder à alteração do julgamento e dar como provados, os factos que foram dados como não provados pela douta sentença, requerendo-se, consequentemente, a condenação do arguido pelo crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152º n.º 1 al. b) e n.º 2 do Código Penal e pelo pedido de indemnização civil, visto os factos dados como provados serem para tanto suficientes.

Normas violadas: artigo 152º n.º 1 al.) b) e n.º 2 do CP Arts. 97º n.º 5; 127º e 374º n.º 2 todos do CPP.

Art. 32º n.º 1 da CRP; Art. 483º e seguintes do CC; Art. 71º do CPP.

Nestes termos e nos mais de direito que V.ª Ex.ª suprirão, deve o presente recurso ser recebido e no seu total provimento, revogar-se a decisão recorrida, condenando-se o arguido (...) de um crime de Violência Doméstica previsto e punido pelo artigo 152º n.º 1 al. b) e n.º 2 do Código penal bem como no respectivo pedido de indemnização civil, assim se fazendo a habitual e necessária JUSTIÇA! O recurso foi objecto de despacho de admissão.

O Ministério Público respondeu ao recurso concluindo o seguinte: I. A recorrente na impugnação da matéria de facto que fez não especificou quais os concretos pontos que foram incorrectamente julgados nem transcreveu as passagens das testemunhas que na sua opinião impunham decisão diversa dessa matéria; II. A recorrente limitou-se a fazer uma impugnação genérica e em bloco de toda a matéria de facto não provada e a mencionar a existência de testemunhas que comprovavam, de uma forma ampla e evasiva, que foi vítima de violência doméstica, não relacionando os seus depoimentos com nenhum ponto concreto da matéria de facto não provada para afirmar que o Tribunal "a quo" incorreu num erro de julgamento; III. Não tendo observado as formalidades previstas no artigo 412°, n.ºs 3 e 4 do C.P.P., deverá o recurso ser rejeitado quanto à hipotética apreciação da impugnação da matéria de facto com base em erro de julgamento; IV. Mesmo que a matéria de facto não provada fosse dada toda como provada nunca estaria preenchido o tipo legal do crime de violência doméstica, pois dela não se extrai qualquer facto concreto imputável ao arguido mas apenas o elencar de um conjunto de expressões genéricas que não deveriam ter sido aditadas aquando a prolação do despacho de pronúncia e deveriam ter sido expurgadas da matéria assente por não traduzirem factos concretos, objectivos, delimitados no tempo, no espaço e na forma como alegadamente ocorreram; V. A matéria de facto provada na sentença proferida também não permite, por si só, dar por verificado o tipo legal do crime de violência doméstica porque apenas se provou um único episódio de agressão cuja intensidade ao nível do desvalor (quer da acção quer do resultado) não é apta para lesar em grau elevado o bem jurídico protegido pondo em causa a dignidade da pessoa humana, consubstanciando tal conduta apenas e só a prática de um crime de ofensa à integridade física simples; VI. Por conseguinte, deverá a decisão proferida em 1 ª instância manter-se na íntegra por estar correcta sob ponto de vista da matéria de facto e de direito.

Termos em que, não deve o recurso interposto pela ora recorrente merecer provimento, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.

V.ª(s) Ex.ª(s), porém, e como sempre farão, JUSTIÇA Nesta Relação, a Exmª...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT