Acórdão nº 3478/16.7T8VNF-D.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelJOAQUIM BOAVIDA
Data da Resolução31 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO 1.1.

Por apenso ao processo de insolvência de X, Lda., foi aberto incidente de qualificação da insolvência, na sequência da apresentação de alegações por parte das credoras Good Food Y, Lda., e Cook ... Ingredientes, Lda., e da emissão de pareceres por parte do Administrador da Insolvência e do Ministério Público, pugnando pela qualificação como culposa da insolvência, com efeitos a repercutirem-se sobre as pessoas dos gerentes da Insolvente, A. M., F. L. e J. P..

Citados, os Requeridos A. M., F. L.

e J. P.

deduziram oposição ao incidente de qualificação da insolvência como culposa, onde concluíram pela sua qualificação como fortuita.

*1.2.

Foi proferido despacho-saneador, identificou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença a julgar procedente, por provado, o incidente da qualificação e, em consequência, decidiu-se: - Qualificar como culposa a insolvência de X, Lda., declarando afectados pela mesma os seus gerentes A. M., F. L. e J. P.; - Fixar em 5 (cinco) anos o período da inibição de A. M., F. L. e J. P. para administrar patrimónios de terceiros, o exercício do comércio, ocupação de cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, bem como para administrar patrimónios de terceiros; - Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por A. M., F. L. e J. P. e condená-los na restituição de eventuais bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos; - Condenar, ainda, os requeridos A. M., F. L. e J. P. a pagar aos credores o montante correspondente ao total dos créditos reconhecidos na lista apresentada pelo Administrador da Insolvência nos termos do artigo 129º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que não forem liquidados pelo produto da liquidação do activo, ou seja, o montante dos créditos que fiquem por liquidar, valor a fixar em liquidação de sentença.

* 1.3.

Inconformados, os Requeridos A. M., F. L.

e J. P.

interpuseram recurso de apelação da sentença e formularam, a terminar as suas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1 – Face ao processado nos autos principais, a sentença ora em recurso funda-se em premissas falsas, dado que 2 – Os recorrentes nunca dispuseram dos bens da insolvente em proveito próprio ou de terceiro, pois as vendas dos veículos serviram para a insolvente ganhar liquidez com algo que já não necessitava, 3 – Sendo a contraprestação obtida com estes negócios para a insolvente na totalidade, até porque estes movimentos se encontram refletidos na contabilidade.

4 – O “contrato de dação em pagamento” também serviu para saldar uma dívida para com um credor, mostrando, uma vez mais, o empenho da insolvente em cumprir atempadamente as suas obrigações.

5 – Dois funcionários da empresa, após a cobrança do dinheiro a clientes, nunca chegaram a entregar o dinheiro, 6 – O que originou um saldo de caixa volumoso.

7 – Para qualificar uma insolvência como culposa, é necessário que haja um nexo de causalidade entre a atuação dos gerentes e a própria situação de insolvência.

8 – Mediante os factos expostos, os recorrentes entendem que não é possível concluir que a atuação dos gerentes foi danosa e com vista à criação/agravamento da situação de insolvência, 9 – Pois estes tudo fizeram para evitar esse panorama.

10 – Para além disto, no caso do Tribunal considerar a qualificação da insolvência como culposa, 11 – Não é justo nem proporcional que o quanto indemnizatório seja tão elevado, pois é preciso ter em conta que os factos que levaram à insolvência não foram criados pelos recorrentes e, ainda, 12 – O período de inibição para o comércio é igualmente exagerado, uma vez que a própria sentença de que se recorre considera a culpa dos recorrentes como mediana e, uma vez mais, o critério do nexo de causalidade não está preenchido.

Nestes termos, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se a mesma por uma outra que conclua pela qualificação fortuita da insolvência, como supra melhor expendido, farão Vossas Excelências, como é de Direito e Justiça!».

*O Recorrido Ministério Público contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

*O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

*Foram colhidos os vistos legais.

***1.4. QUESTÕES A DECIDIR Em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nºs 2 a 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial(1). Tal restrição não opera relativamente às questões de conhecimento oficioso, as quais podem ser decididas com base nos elementos constantes do processo. Em matéria de qualificação jurídica dos factos a Relação não está limitada pela iniciativa das partes - artigo 5º, nº 3, do CPC. Por outro lado, o tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, são questões a decidir: i) Falta de fundamento para considerar como culposa a insolvência da sociedade X, Lda.; ii) Inexistência de nexo de causalidade entre a actuação dos gerentes e a situação de insolvência; iii) Desproporcionalidade do quantum indemnizatório e do período de inibição para o comércio.

***II – FUNDAMENTOS 2.1. Fundamentos de facto A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos: 1 - Nos autos principais foi proferida sentença, datada de 15 de Junho de 2016 e devidamente transitada em julgado, a decretar a insolvência de “X, Lda.”.

2 - A insolvente, pessoa colectiva NIPC …, com sede no Largo … Vila Nova de Famalicão, tinha por objecto o comércio, importação e exportação de carne, designadamente de aves e produtos à base de carne, bem como de produtos alimentares congelados.

3 - Desde a constituição da sociedade insolvente até à data da sentença da insolvência sempre foram seus sócios e gerentes: a) A. M., residente na Rua da …, Vila Nova de Famalicão, F. L., residente na Praceta …Vila Nova de Famalicão; c) J. P., residente na Rua … Vila Nova de Famalicão.

4 - Eram A. M., F. L. e J. P. quem acordava os negócios a encetar e os seus termos, decidindo quais as relações comerciais que mantinham com terceiros, com quem tratavam, emitindo cheques e contactando com Bancos, sempre que necessário.

5 - Mais sendo os responsáveis pela gestão, administração e representação de toda a actividade exercida, cabendo-lhes também a decisão de afectação dos seus recursos financeiros à satisfação das respectivas necessidades e sobre os pagamentos aos fornecedores e credores da sociedade insolvente, a contratação de funcionários, a assinatura de documentos, a emissão de cheques e a entrega dos documentos que serviam de base à elaboração da contabilidade.

6 - Apesar de estarem obrigados a tanto, A. M., F. L. e J. P. não cuidaram de manter a contabilidade da sociedade insolvente devidamente organizada.

7 - Ainda assim, logrou detectar-se na análise do “balancete geral financeiro”, a existência na conta nº 11 (caixa), em 31 de Maio de 2016, de um saldo no valor de € 435.816,71, que não foi apreendido para a massa insolvente porque aqueles o utilizaram de forma não apurada.

8 - Por outro lado, de acordo com o “mapa de depreciações a amortizações do ano de 2015”, a sociedade insolvente procedeu à alienação do património nos seguintes termos: a) No dia 26 de Setembro de 2015, através da factura nº 115/795, vendeu a “P. R., Sociedade Unipessoal, Lda.”, o veículo automóvel de marca Volkswagen, matrícula ..., pelo valor global de € 8.610,00 [€ 7.000,00, acrescidos de IVA (€ 1.610,00)]; b) No dia 26 de Setembro de 2015, através da factura nº 115/794, vendeu a “P. R., Sociedade Unipessoal, Lda.”, o veículo automóvel de marca Toyota, matrícula ..., pelo valor global de € 3.075,00 [€ 2.500,00, acrescidos de IVA (€ 575,00)]; c) No dia 30 de Outubro de 2015, através da factura nº EX/121, vendeu a “Carnes Z, Unipessoal, Lda.”, o veículo automóvel de marca Opel, matrícula ..., pelo valor global de € 1.537,50 [€ 1.250,00, acrescidos de IVA (€ 287,50)] - este veículo foi registado a favor da adquirente no dia 01 de Outubro de 2015, antes da data da emissão da factura; d) No dia 19 de Outubro de 2015, através da factura nº 115/832, vendeu a “G. S., Unipessoal, Lda.”, o veículo automóvel de marca Renault, matrícula ..., pelo valor global de € 3.296,40 [€ 2.680,00 acrescidos de IVA (€ 616,40)] - este veículo foi registado a favor da adquirente no dia 15 de Outubro de 2015, antes da data da emissão da factura.

9 - Mediante escrito particular denominado de “contrato de dação em pagamento” alegadamente celebrado em 29 de Setembro de 2015, A. M., F. L. e J. P., outorgando em nome da sociedade insolvente, acabaram por transmitir a P. R., que outorgou na qualidade de sócia e gerente da sociedade “P. R., Sociedade Unipessoal, Lda.”, os veículos automóveis de matrícula ... e ... para pagamento de uma suposta dívida de € 12.400,11, que assim teria ficado saldada.

10 - Do valor das referidas faturas apenas aquele respeitante às vendas dos veículos identificados em 8 a) e b) deu entrada na contabilidade da devedora que, ainda assim, não foi apreendido por se desconhecer o seu paradeiro.

11 - A sociedade “Carnes Z, Unipessoal, Lda.”, cujo objecto social é o comércio a retalho de carne, peixe, frutas, produtos hortícolas, produtos alimentares, bebidas ou tabaco, foi constituída em 23 de Junho de 2015 sendo sua única sócia P. P., filha de J. P. (também gerente); em 07 de Outubro de 2015, após a data da efectiva alienação e registo do veículo automóvel de marca Opel, matrícula ..., aquela passou a figurar como gerente.

12 -...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT