Acórdão nº 58/13.2TBMGD-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução31 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório J. C. veio requerer a abertura de inventário judicial para partilha de herança aberta por óbito de sua mãe O. J., falecida em .. de .. de ….

*Por despacho datado de 22.06.2018 (refª/Citius 21151402), o Tribunal a quo decidiu: «Em face do supra exposto, entendemos que R. L. ao ter repudiado a herança de O. J., não tem legitimidade para figurar como Interessado nos presentes autos de inventário, devendo, sim, figurar como Interessado o seu filho L. L.

».

Para tanto, foi explanada a seguinte a motivação: «Compulsados os presentes autos verificamos que a fls. 217-219 foi proferida decisão, transitada em julgado, que decidiu o repúdio de R. L. à herança de seu pai, P. M., cfr. fls. 67-68, em nada afetou a sua capacidade sucessória em relação à sua avó, O. J., também conhecida por O. N..

Assim, foi determinada a ingressão de R. L. ao leque de interessados deste processo.

Contudo, na decisão de fls. 67-68 nada se decidiu quanto à ‘validade’ do repúdio de R. L. à herança da sua avó, O. J., atento o facto de F. L. ter alegado que R. L. aceitou a herança da sua avó, O. J., tendo-se relegado para momento posterior tal apreciação (cfr. fls. 219).

Assim, cumpre apreciar e decidir.

Acresce que, a fls. 192-193 foi junta certidão de repúdio de herança de O. J. e datada de 14.01.2014 por parte de R. L. e esposa C. S..

A fls. 111 e ss., 152 e ss., 174 e ss., 199 e ss. veio o Interessado F. L. alegar que R. L. repudiou tão só a herança de seu pai, P. L., e não a herança de sua avó O. J., porquanto refere, em suma, que R. L. recebeu a quantia de €515,27 da conta de sua avó O. J., o que configura um ato inequívoco de aceitação do interessado R. L..

Em sede de contraditório, o cabeça de casal, J. L. impugnou, em suma o alegado por F. L., cfr. fls. 115 e ss., 146, 167 e ss.

Por outro lado, R. L. juntou a fls. 185 caderneta da Caixa ... onde consta a transferência no valor de €515,28 realizada a 07.11.2011.

Em face do supra exposto, de todos os documentos juntos autos presentes autos, bem como do resultado de todas as diligências efetuadas, não resultou provado que o cabeça de casal, J. L. efetuou, quer a transferência no valor de €515,28 para F. L., cfr. fls. 154-157, quer a transferência no valor de €515,28 constante a fls. 185.

Também não foi possível descobrir a identidade da pessoa que ordenou a realização das referidas transferências, muito menos a que titulo tais transferências foram realizadas (até porque nada é referido que J. L., na qualidade de herdeiro de O. J., também recebeu alguma quantia).

Resultou, sim, claro, que tais transferências no valor, cada uma, de €515,28 foram efetuadas após o falecimento de O. J., que ocorreu a 16.03.2011, e as transferências ocorreram a 07.11.2011.

Por fim, importa referir que do teor de fls. 184 e 185, bem como de toda a prova constante dos autos, não resulta que a quantia de €515,28 é feita para R. L. e não para outra pessoa, muito menos resulta quem é o titular da conta à qual a caderneta de fls. 185 diz respeito, até porque nenhum número de conta é referido.

Assim, não resulta da prova documental junta aos presentes autos que a caderneta de fls. 185 diz respeito a conta titulada por R. L., nem este em momento algum admitiu ter recebido a quantia de €515,28 e que a fez sua.

Em face do supra exposto, e porquanto só há aceitação tácita da herança se esta se deduzir de factos que com toda a probabilidade a revelem, entendemos que não se fez prova que R. L. recebeu e fez sua quantia respeitante a herança de O. J. e na qualidade de seu herdeiro, pelo que entendemos que não resultou provada a aceitação, tacita ou expressa, de R. L. da herança por óbito de O. J..

Neste jaez, o repúdio retroage ao momento da abertura da sucessão, considerando-se como não chamado o sucessível que a repudiou, cfr. artigo 2062.º do Código Civil».

*Inconformado com esta decisão, o interessado F. L. interpôs recurso e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1ª)- O aqui recorrente apresentou vários requerimentos aos autos, no sentido de fazer a prova de que o montante de 515,28€ transferidos para a conta do interessado R. L. (cfr. requerimento do mesmo R. L., datado de 01/07/2014, com junção de cópia de caderneta da Caixa …, no qual confessa ter recebido a transferência realizada a 07 de Novembro de 2011, no valor de 515,28€) provinham dos bens/conta bancária pertencente à Herança da sua falecida Avó e inventariada O. J., nomeadamente (entre outros, requerimento datado de 22/07/2015, ref. 19975750, requerimento datado de 17/03/2016, ref. 22154521, -Requerimento datado de 11/05/2016, ref. 22637993, e requerimento datado de 18/10/2016, ref.23848780).

  1. )- Não tendo sido, no entanto, possível obter as informações solicitadas, e nomeadamente após o último oficio do Caixa ..., junto aos autos em 30/03/2017, ref. 840375, no qual refere não ter informações centralizadas referentes aos clientes dos diferentes bancos pertencentes ao Grupo Caixa ....

    Perante tal, 3ª)- Por requerimento datado de 12/07/2017, ref. 26353903, o aqui recorrente requereu «a notificação de R. L., para ao abrigo dos princípios de gestão processual e da cooperação, vir informar aos autos a que titulo e de quem recebeu em 7/11/2011 a transferência de 515,28€ na sua conta da Caixa ... nib ... (constante de fls. 184 e 185), nomeadamente a origem da mesma, se provém de conta da inventariada O. J., sob a cominação de multa e de que se trata de facto pessoal e tem o mesmo necessariamente conhecimento da referida informação e que, no seu silêncio ou alegação de desconhecimento, se dará por assente/confessado que a mesma transferência proveio de conta da inventariada e foi aceite pelo mesmo R. L.».

  2. )- Por douto despacho ref 28091140, proferido nos autos em 22/02/2018, foi determinada a notificação do interessado R. L. para «no prazo de 10 dias, vir informar os presentes autos a que título e de quem recebeu em 07.11.2011 a transferência no valor de 515,28€ na sua conta da Caixa ... nib ... (constante de fls. 184 e 185), nomeadamente a origem da mesma, se provém de conta da inventariada O. J., com a cominação do disposto no artigo 417.º do Código de Processo Civil.»; 5ª)- Por oficio datado de 02/03/2018 (ref. 20965603) foi o interessado R. L. notificado do douto despacho atrás identificado. Porém, nada veio dizer.

    Posto isto, 6ª)- Perante a falta de colaboração do interessado R. L., o Tribunal a quo, por douto despacho de 19/04/2018 (ref. 21044290), condenou o mesmo em multa. Porém, 7ª)- Para espanto e estranheza do aqui recorrente, veio o Tribunal a quo, posteriormente, em 22/06/2018, a proferir o douto despacho de que se recorre.

    Com efeito, 8ª)- A informação a prestar pelo interessado R. L. era essencial para a prova de que a transferência de 515,28€ provinha de quantias pertencentes à herança da inventaria O. J..

  3. )- O Interessado R. L., ao escusar-se a prestar a informação em causa, apesar de expressamente notificado da cominação prevista no art. 417º do CPC, impediu ou onerou deliberadamente (ou ainda que assim não se entenda, pelo menos de forma negligente e grosseira) a prova da proveniência dos aludidos 515,28€, por forma a impossibilitar igualmente o aqui recorrente de provar que o interessado R. L. havia aceite tacitamente a herança da inventariada, uma vez que tal meio de prova era de especial relevância para demonstrar a veracidade do facto alegado pelo aqui recorrente (recebimento de quantias da herança e consequente aceitação tácita da mesma pelo R. L.), e não tinha o aqui recorrente maneira de fazer de outra forma a prova do por si alegado.

  4. )- O nº2 do art. 344º do Código Civil, para que remete o nº2 do art, 417º do CPC prescreve que «há (…) inversão do ónus de prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especificamente aplicar à desobediência ou ás falsas declarações.»; 11ª)- A violação do dever de colaboração para a descoberta da verdade pode determinar a inversão do ónus de prova nos casos em que a recusa impossibilite como impossibilitou, a prova do facto a provar, a cargo da contraparte; 12ª) Acresce a própria confissão do interessado R. L., por requerimento de 01/07/2014 (conjugada com a junção pelo próprio de cópia da caderneta da Caixa ...), de ter recebido a transferência realizada a 07 de Novembro de 2011, no valor de 515,28€ (valor semelhante ao valor recebido pelo aqui recorrente proveniente de conta da inventariada, na mesma data- cfr requerimento e docs. juntos aos autos 02 de Abril de 2014, ref. 16439415), sendo que tudo conjugado, impunha decisão diversa da recorrida.

  5. )-Assim, errou o tribunal a quo ao não determinar a inversão do ónus de prova, bem como ao dar como não provado que a transferência da quantia de €515,28 foi feita para R. L., ao dar por não provado que a caderneta de fls. 185 diz respeito a conta titulada por R. L., ao dar por não provado que este em momento algum admitiu ter recebido a quantia de €515,28 e que a fez sua, bem como ao dar por não provado que R. L. recebeu e fez sua quantia respeitante a herança de O. J. e na qualidade de seu herdeiro, e ao entender por não provada a aceitação, tacita ou expressa, de R. L. da herança por óbito de O. J..

  6. ) Por todo o exposto, o douto despacho recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 344º, nºs 1 e 2 do C.C, (inversão do ónus de prova, não respeitado pelo tribunal a quo), e o disposto nos arts. 7º e 417º do CPC (princípio da cooperação) (pelas razões expostas nas motivações de recurso, para as quais se remete, bem como as expostas em 1ª a 12ª das conclusões; os quais deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido já supra exposto em sede de alegações de recurso!! Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e ser o douto despacho...

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