Acórdão nº 202/14.2GAPCR.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA TERESA COIMBRA
Data da Resolução28 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I.

Em obediência ao douto acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, acordam, em conferência, os juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

Por acórdão proferido na primeira instância no processo 202/14.2GAPCR que corre termos no Juízo Central Criminal de Viana do Castelo foi decidido: - Absolver o arguido J. G. da prática do crime de furto qualificado p.p. artigos 203º nº 1 alínea a) e nº 2 alínea e) e 202º alínea d), todos do Código Penal, pelo qual vinha acusado; - Condenar o arguido J. G. pela prática de um crime de detenção de arma proibida p.p. artigo 86º, nº 1, alínea d) RJAM na pena de 3 (três) meses de prisão; - Julgar o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente J. M. totalmente improcedente por não provado, dele absolvendo o demandado J. G., - Condenar o arguido nas custas da parte crime, com 3 (três) Ucs de taxa de justiça; - Declarar perdidas a favor do Estado as munições aprendidas nos autos; - Determinar o cumprimento do disposto no artigo 186º, nº 3, do Código Penal em relação à caixa de ferramentas e ao telemóvel apreendido a fls 88, respetivamente nas pessoas do arguido e de S. J..

- Declarar que as custas do pedido de indemnização civil ficam a cargo do demandante (artigo 523º do Código de Processo Penal e 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).

(…).

Inconformado, o assistente interpôs recurso da decisão de absolvição do arguido da prática do crime de furto qualificado, concluindo do seguinte modo: I. O Assistente tem legitimidade para recorrer e interesse em agir, nos termos do art.° 401º, n.° 1, al. b), do Cód. de Processo Penal.

  1. O art.° 379.º, n.° 1, al. a), do Cód. de Proc. Penal impõe que "É nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.° 2, ( ... ) do art. 374.°". Por seu turno, o art.° 374.º, do Cód. de Proc. Penal, determina que "ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal".

  2. A decisão que aqui se sindica não contém um exame crítico da prova, existindo erro notório na apreciação da prova.

  3. Acresce que da leitura da decisão proferida pelo Tribunal Coletivo em 1ª instância não é inteligível o processo de formação de convicção do Tribunal, pelo que o Acórdão deverá ser declarado nulo nos termos do art.° 379º, n.° 1, al. a), do Cód. de Proc. Penal, por violação do disposto no n.° 2, do art. 374º, do mesmo diploma legal.

  4. É fundamento do recurso, nos termos do art.° 410º, n.° 2, do Cód. de Processo Penal, o erro notório na apreciação da prova.

  5. Atento o tipo legal de ilícito, p. e p. pelos artigos 201°, n.º1, 204.º, n.° 1, al. a), n.° 2, al. e) e 202º, al. d), todos do Código Penal, são elementos do crime o dolo; a ilegítima intenção de apropriação e a subtração de coisa móvel alheia.

  6. Foi feita prova em sede de audiência de julgamento de todos estes elementos, através de prova direta e prova indiciária, tendo o Tribunal considerado erradamente que não havia sido feita prova da subtração.

  7. Não é necessário que o momento em que a subtração ocorre tenha sido presenciado por alguém que sobre esse mesmo facto possa depor, antes basta a prova desse "domínio de facto" sobre a coisa móvel furtada.

  8. Se assim não fosse, em caso da prática do crime de furto, p. e p. pelo art.° 203º, n.° 1 e SS., do Código Penal, fora dos casos de flagrante delito previstos no art.° 256º, do Cód. de Proc. Penal, a cominação legal teria obrigatoriamente de ser a absolvição. Ocorre que, sem prejuízo de melhor entendimento, não nos parece, de todo, que essa tenha sido a intenção do legislador.

  9. Pelo exposto, estando em causa a alegação de erro notório na apreciação da prova, de acordo com o previsto na al. c), do n.° 2, do artigo 410º, do Cód. de Proc. Penal, olhando à decisão da qual se recorre aquilo que é necessário verificar é se da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, da prova produzida através dos depoimentos prestados pelas testemunhas, se pode inferir, através de prova direta ou indiciária, que o Arguido teve esse "domínio de facto" sobre os bens móveis que foram retirados do domínio de facto do seu legítimo detentor.

  10. O domínio de facto em relação à rebarbadora, ao reboque e ao motociclo consta do elenco dos factos provados, devidamente documentado através das diligências levadas a cabo pelos Órgãos de Polícia Criminal e provado através das declarações prestadas pelas testemunhas, de forma clara, coerente e assertiva sobre esses mesmos factos.

  11. Constando do elenco dos factos provados que o Arguido teve o domínio de facto sobre estes três bens móveis é perentório considerar, em consequência, porque outro raciocínio não é possível, que teve também o domínio de facto sobre os outros bens furtados da propriedade do Assistente - ainda que os tenha conseguido ocultar do seu património com maior celeridade - o que nos conduz a erro notório na apreciação da prova.

  12. Quanto aos objetos furtados e respetivo valor o Tribunal aprecia de forma inexplicável a prova produzida, havendo também sobre este ponto erro notório na apreciação da prova, dado que os depoimentos prestados por V. F. e F. C. são diretos e conclusivos quanto aos objetos furtados e respetivo valor, o que leva a uma exigência de dar como provado o valor dos objetos furtados e - em consequência da condenação do Arguido pela prática do crime de furto qualificado de que vinha acusado - julgar totalmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pelo Assistente.

  13. Pelo que se impugna a matéria de facto dada como não provada.

  14. É fundamento do recurso a contradição insanável da fundamentação.

  15. É fundamento do recurso a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.

  16. Assim, deve o Tribunal a quo condenar o Arguido pela prática do crime de furto qualificado e consequentemente julgar totalmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente.

*Apenas o Ministério Público respondeu em primeira instância, defendendo a improcedência do recurso.

*Tendo o processo subido a este Tribunal da Relação, o Ministério Público pronunciou-se pela procedência do recurso, entendendo dever o arguido ser condenado pela prática de um crime de furto qualificado.

*Após conferência, veio a ser proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães que, revogando o acórdão de primeira instância e alterando a matéria de facto fixada também em primeira instância, veio a concluir pela condenação do arguido pela prática de um crime de furto qualificado p.p. artigo 203º, nº 1 e 204º, nº 1 alínea a) e nº 2) alínea e) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão e, em cúmulo jurídico, com a pena de 3 (três) meses de prisão pela prática de um crime de detenção de arma proibida p.p. artigo 86º, nº 1 alínea d) do RJAM, pelo qual o arguido havia também sido condenado em primeira instância por decisão não impugnada – na pena única de 4 (quatro) anos e 1 (um) mês de prisão efetiva.

Foi a seguinte a apreciação então feita pelo Tribunal da Relação de Guimarães (no segmento que interessa para a presente decisão): (…) Assim o recorrente invoca: - nulidade do acordão por falta de exame critico da prova; - a existência do vício de contradição insanável na fundamentação e entre a fundamentação e a decisão; - a existência do vício de erro notório na apreciação da prova; - erro de julgamento.

Da nulidade por falta de exame crítico da prova...

Alega o recorrente que o acórdão recorrido não cumpre o requisito do n° 2 do art. 374º, do Cód. Proc. Penal, uma vez que não é inteligível o processo de formação da convicção do Tribunal.

Nos termos do n° 2 do art. 374º do Cód. Proc. Penal, é requisito da sentença "a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”. A existência deste vício acarreta a nulidade da sentença, nos termos do n° 1, alínea a), do art. 379º do Cód. Proc. Penal.

A necessidade de fundamentar de facto e de direito, com indicação e exame crítico das provas, não pretende vincular processualmente o juiz a efetuar uma enumeração mecânica de todos os meios de prova, mas apenas a selecionar e a examinar criticamente os que serviram para fundamentar a sua convicção positiva ou negativa (explicitando porque deu mais relevo a uns em detrimento de outros), ou seja, aqueles que serviram de base à seleção da matéria de facto provada e não provada. Tal matéria é a que constitui objeto de prova e é juridicamente relevante para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da medida da pena aplicável (cfr., neste sentido, o Ac. do STJ de 30.6.1999, BMJ n° 488, p. 272 e o Ac. da Relação de Évora de 16.3.2004 proferido no âmbito do processo n°1160/03.1).

O que é necessário é explicitar porque é que o Tribunal deu determinados factos como provados ou não provados, ou seja, dar a conhecer os motivos que determinaram a convicção do julgador - neste sentido o Ac. do STJ de 30.01.2002, no Proc. n° 3063/01, refere que "o exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua...

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