Acórdão nº 89/16.0NLLSB-AG.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO FERREIRA
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª. Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-RELATÓRIO.

No processo supra identificado, do Juízo Central Criminal de Lisboa- J2 da Comarca de Lisboa, os assistentes F………………vieram interpor recurso do despacho que consta de fls. 108 a 111 destes autos, que declarou a nulidade dos despachos de recebimento dos pedidos cíveis deduzidos pelos assistentes e declarou a absolvição da instância relativamente aos pedidos, com fundamento na incompetência material do Tribunal de julgamento.

** O teor do despacho recorrido, proferido em 04/10/2018.

(transcreve-se) Em sede de audiência de julgamento, veio o Ministério Público suscitar a incompetência material deste Tribunal Militar para apreciar os pedidos de indemnização civil deduzidos nestes autos contra o Estado ou, caso assim não se entendesse, requerer que fosse notificado o Estado, através do Ministério da Defesa, para contestar, uma vez que existe um conflito de interesses na medida em que o Ministério Público assume simultaneamente a posição de acusador público e de defensor do Estado, enquanto representante deste como demandado cível.

Devidamente notificados vieram alguns dos arguidos e assistentes pugnar, em suma, pela competência te Tribunal, alegando ainda que o MP representa o Estado e por isso este estaria devidamente notificado, admitindo outros, que caso assim não se entendesse, se ordenasse a regularização da omissão da notificação, mas decidindo-se o pedido cível neste Tribunal atento o principio de adesão no processo penal.

Antes demais, cumpre referir quanto à tempestividade da excepção deduzida, que está em tempo, uma vez que esta pode ser arguida em qualquer fase do processado, até ao trânsito em julgado da decisão, nos termos do disposto no nº1, do art. 32º do Código de Processo Penal, pelo que não estava o Ministério Público obrigado a fazê-lo durante o prazo para contestar.

Por sua vez, a violação das regras de competência em razão da matéria constitui uma nulidade insanável nos termos da alínea e), do art. 119º, do CPP, a qual determina a invalidade do acto em que se verificou bem como dos demais dele dependente ou que por aquele sejam afetados – art. 122º, nº1, do mesmo diploma legal .

Importa pois, averiguar, se a matéria em apreciação está subtraída ao conhecimento deste Tribunal pela sua especificidade, sendo esta de foro exclusivamente administrativo.

Os Tribunais Administrativos têm a sua competência limitada às causas que lhe são especialmente atribuídas, estatuindo o n.º 3 do artigo 212.º da CRP que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.

Este artigo, define o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal em função dos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais .

Assim, os Tribunais Administrativos são os tribunais comuns em matéria administrativa, detendo reserva de jurisdição nessas matérias, excepto nos casos em que, pontualmente, a lei atribua competência a outra jurisdição. Com efeito a lei expressamente dispõe que: “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.

Quanto à competência dos Tribunais administrativos, tem sido debatida, quer na Doutrina quer na Jurisprudência, a questão de saber se tal reserva é absoluta, quer em sentido negativo, ou seja de que os tribunais administrativos só poderão julgar questões de direito administrativo, quer em sentido positivo de só eles poderão julgar tais questões.

A propósito desta corrente doutrinária quanto à natureza absoluta ou fechada da reserva material de jurisdição aos tribunais administrativos, no sentido de que o legislador ordinário só pode atribuir o julgamento de litígios materialmente administrativos a outros tribunais se a devolução estiver prevista a nível constitucional refira-se GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, in Constituição Anotada, 3.ª Ed., 1993, e MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, in, Código de Processo Nos Tribunais Administrativos, vol. I, pp. 21-25, e DIOGO FREITAS DO AMARAL e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, in As Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, pp. 21 e segs. Em sentido contrário, postulando a natureza relativa da reserva material de jurisdição cita-se VIEIRA DE ANDRADE, in A Justiça Administrativa, 4.ª ed., p. 107 e segs., SÉRVULO CORREIA, in Estudos em Memória do Prof. Castro Mendes, 1995, p. 254, RUI MEDEIROS, in Brevíssimos tópicos para uma reforma do contencioso de responsabilidade”, in CJA, n.º 16, pp. 35 e 36, JORGE MIRANDA, in, “Os parâmetros constitucionais da reforma do contencioso administrativo”, in CJA, n.º 24, p. 3 e segs., admitindo a introdução de desvios ao critério material da natureza da relação jurídica controvertida quando impostos por um obstáculo prático intransponível, de ordem logística, ligado à insuficiência da rede de tribunais administrativos e justificadas pela necessidade de salvaguardar o princípio da tutela judicial efectiva que ficaria comprometida pelo “entupimento” e irregular funcionamento daqueles se, porventura, o legislador ordinário, seguindo a via constitucional, atribuísse, de imediato, aos tribunais administrativos o julgamento de todos os litígios de natureza administrativa.

O Tribunal Constitucional, não estabelece uma reserva material absoluta, impeditiva da atribuição aos tribunais comuns de competências em matéria administrativa ou fiscal ou da atribuição à jurisdição administrativa e fiscal de competências em matérias de direito comum, permitindo que ao legislador uma liberdade restrita nessas matérias.

Nesta conformidade e nos termos do n.º 3 do artigo 212.º da CRP e do artigo 1.º do ETAF o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal é definido em função da qualificação dos litígios como emergentes de relações jurídicas administrativas, que constitui assim a regra geral para a delimitação da competência jurisdicional dos tribunais administrativos com os demais tribunais, detendo por força dela os Tribunais Administrativos competência para dirimir os litígios emergentes de relação jurídicas administrativas, excepto nos casos em que, pontualmente, o legislador atribua competência a outra jurisdição, como os desde logo previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 4.º do ETAF 6 , mas também os que são ou venham a ser contemplados em legislação avulsa.

Assim, a Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, que aprovou o estatuto dos tribunais administrativos e fiscais ( com as alterações dos DLs nºs 166/2009, de 31/07 e nº 214-G/2015, de 02/10 e ainda com as alterações das Leis nºs 20/2002 de 14/05; Lei nº55-A/2010, de 31/12; a Lei nº 59/2008, de 11/09; a Lei nº 52/2008, de 28/08; Lei nº26/2008, de 27/06; a Lei nº 2/2008, de 14/01; a Lei nº1/2008, de 14/01; a Lei nº 107-D/2003, de 31/12; a Lei nº 107-D/2003, de 31/12; a Lei nº4-A/2003 de 19/02 e as rectificações nºs 18/2002 de 12/04 e 14/2002 de 20/03), veio estabelecer quais as situações cuja competência material é da exclusiva competência dos Tribunais administrativos: “a)A Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais; b) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por orgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal; c) Fiscalização da legalidade de atos administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas, não integrados na Administração Pública; d) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos; e) Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes; f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a), do nº4 do presente artigo; g) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo acções de regresso; h) Responsabilidade civil extracontratual dos demais sujeitos aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público; i) Condenação à remoção de situações constituídas em via de facto, sem título que as legitime; j) Relações jurídicas entre pessoas coletivas de direito público ou entre órgãos públicos, reguladas por disposições de direito administrativo ou fiscal; l) Prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, habitação, educação, ambiente, ordenamento do território, urbanismo, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas; m) Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas coletivas de direito público para que não seja competente outro tribunal; n) Execução da satisfação de obrigações ou respeito por limitações decorrentes de atos administrativos que não possam ser impostos coercivamente pela Administração; o) Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores.

Quanto às exclusões, o próprio preceito legal no seu número 3 e 4 refere algumas da competência dos Tribunais Administrativos a áreas outrora subtraídas e entregues à jurisdição comum.

Assim, nos termos da alínea g) a competência para a análise de questões das situações...

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