Acórdão nº 98/18.5PLSNT.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelCARMO FERREIRA
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª. Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-RELATÓRIO. No processo comum supra identificado do Juízo Local Criminal de Sintra-Juiz 4, da Comarca de Lisboa Oeste, foi julgado o arguido L………………… , tendo ali sido proferida a decisão que o condenou na forma que consta do dispositivo da sentença proferida em 20/09/2018.

(transcreve-se) Pelo exposto, o Tribunal decide: A. Condenar o arguido L………, como autor material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelos artigos 152.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, na pena de dois anos e oito meses de prisão e na pena acessória de: - Proibição de contacto com a vítima M……….., com afastamento da residência desta e do local de trabalho da ofendida, pelo período de 3 (três) anos, fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, logo que o arguido seja libertado; B. Condenar o arguido (i) nas custas do processo, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça, (artigos 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa ao mesmo); e (ii) nas demais custas do processo nos termos do artigo 514.º do CPP; C. Após trânsito, remeter boletins à DSIC (artigo 5.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto) para efeitos de registo criminal.

D. Comunique a presente decisão - art. 37.°, n.º 1 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.

E. Após transito, remeta certidão da presente sentença ao processo n.º 1137/13.1 PLSNT, que corre termos neste Tribunal – JL Criminal – Juiz 2.

Notifique.

** Inconformado, o arguido veio interpor recurso da referida decisão condenatória, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 151 a 195, dela constando as seguintes conclusões que vão transcritas: 1 - O Arguido vem recorrer da sentença em crise, porque entende que esta decidiu erradamente face à prova produzida em audiência de julgamento, quer dando como provados os factos que constam da sentença, quer mesmo entendendo que tais factos, a serem dados como provados, preenchem o tipo de crime de violência doméstica.

2 – O julgador claramente não conseguiu abstrair-se dos seus valores e convicções pessoais, o que aliás é notório na valoração que faz dos factos que dá como provados, “versus” o que foi descrito pelas testemunhas ouvidas em julgamento, não valorizando as contradições e os silêncios das mesmas, e da própria ofendida, bem como o facto de todas terem referido que as discussões eram sempre iniciadas pela ofendida, por ciúmes que a mesma tem, referentes à anterior companheira do Arguido.

3 – É sabido que o julgador, em processos desta natureza, deve abstrair-se dos seus valores e convicções pessoais! 4 – Nos presentes autos, aconteceu exactamente o contrário, o julgador, não tendo a mínima prova no que respeita a agressões físicas, valorou de modo indevido as duas situações relatadas, para lhe dar uma valoração negativa que nunca teve na vida do casal.

5 – O julgador, na sentença proferida e ora em crise, considerou, erradamente, como provados e com relevância para a decisão final, os seguintes factos da acusação: 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 17.

6 – No que respeita aos factos provados com os números 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, e 12 da prova produzida em audiência de julgamento tal não resulta provado, pois não é isso que se retira dos depoimentos prestados pelas testemunhas Rodrigo Sopa e Tiago Violante.

7 – Aliás, tais factos acabaram por ser dados como provados em Tribunal, pretendendo- se que fosse o Arguido a fazer prova que tais factos não aconteceram, tudo na plena inversão do que é o ónus da prova em direito penal e do princípio da presunção de inocência, de que o Arguido, desde o início nunca beneficiou.

8 – Existe, uma evidente falta de prova sobre estes mesmos factos, bem como uma valoração errada dos mesmos.

9 – Caso assim não entendesse, o Tribunal deveria, pelo menos, atenta a prova testemunhal existente e apreciada na sua globalidade – único modo de apreciar um crime da natureza de violência doméstica, em que toda a sua envolvente social e familiar deve ser devidamente enquadrada – concluir pela dúvida sobre esses mesmos factos, beneficiando o Arguido com a absolvição, atento o princípio in dúbio pro reo”.

10 – Conclua-se quanto a estes factos, que os mesmos, mesmo que, e, num mero exercício teórico, se considerassem ter ocorrido, mais não revelam, tendo em conta toda a prova testemunhal produzida, do que uma união de facto que era, e é (uma vez que continuam a ser um casal) satisfatória para ambos os intervenientes, não obstante os ciúmes da ofendida.

Veja-se nesse sentido as declarações da ofendida, quando refere que “não pretende prestar declarações”, e, caso se viesse a provar um crime que admitisse desistência de queixa, a mesma pretendia desistir.

11 – No que respeita aos pontos 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 da acusação, o Julgador entendeu dar estes factos como provados sem que exista prova dos mesmos.

12 – Os factos dados como provados com os números 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 na sentença em crise, não são verdadeiros factos, mas meras conclusões retiradas e presumidas pelo Julgador do que são as suas próprias convicções e noção de dever ser.

13 – Com efeito, não existe prova que consubstancie essas mesmas conclusões, que nunca, em momento algum, se podem considerar assentes.

14 – Sendo conclusões, somente se poderiam retirar caso os demais factos fossem, ou devessem, ser dados como provados, o que, como supra já se demonstrou, não aconteceu.

15 – Para além destes factos, outros poderão ter algum interesse, pese embora o ora recorrente não os descortine, pelo que estará sempre confiante no douto suprimento de Vossas Excelências.

16 – Sobre todos esses factos, importa fazer neste Tribunal de recurso a reapreciação dos meios de prova que estiverem ao alcance do Tribunal e que são precisamente os mesmos já indicados, pelo que se renova aqui o pedido.

17 – Assim, e para a renovação de prova que se impõe quanto aos factos provados, requer-se a audição dos depoimentos das testemunhas cujas passagens se transcreveram, e de outras que se considerem relevantes para a descoberta da verdade e da boa decisão da causa.

18 – O crime de violência doméstica vem p.p.p. artigo 152 do CP, tendo o ora Recorrente sido condenado numa pena de dois anos e oito meses de pena de prisão efectiva.

19 – É sabido que o crime de violência doméstica se trata de um crime de natureza complexa, que engloba actos próprios de outros crimes, de natureza particular e semi- pública, como sejam o crime de injúrias e ofensas corporais simples, que são por este consumidos.

20 – Desde logo as razões prendem-se com a especial vulnerabilidade da vítima de violência doméstica, sendo certo que, infelizmente, ficam sempre por apurar e valorar toda uma série de condicionalismos que seriam relevantes para a apreciação cabal das práticas que levam à existência de um crime desta natureza, e que vão muito para além do que é visível ou é denunciado.

21 – No que toca ao processo em apreciação, entende o Recorrente que, os factos dados como provados, embora erradamente, só por si, não preenchem o tipo lega, objectivo e subjectivo, do crime de violência doméstica.

22 – O que só por si daria lugar à ABSOLVIÇÃO do ora Recorrente.

23 – A tudo isto acresce o facto de não ter sido provado que a ofendida tenha sido lesada na sua saúde física, psíquica ou mental, com repercussões na sua dignidade e autoestima pessoal e individual.

24 – No limite, sempre teria de se aplicar o princípio do in dúbio pro reo, pois é incontestável que a prova produzida em julgamento outro caminho não permite.

25 – As conclusões supra referidas são suficientes para impor uma decisão diferente relativamente aos factos que foram dados como provados nestes autos.

26 – Factos esses que deveriam ter sido dados como não provados.

27 – A sentença em crise enferma do vício de erro notório na apreciação da prova –artigo 410 nº. 2 alínea c) do CPP.

28 – Violando entre outros, designadamente, o disposto no artº. 127 do CPP, bem como o artº. 152 do CP, e, o principio fundamental do direito penal português constitucionalmente consagrado da presunção de inocência – artigo 32 nº. 1 da CRP.

Pelo exposto, e pelo muito mais que resultar do douto suprimento de Vossas Excelências, deve dar-se provimento ao recurso, decidindo-se de acordo com as conclusões supra referidas, absolvendo-se o recorrente pelo crime em que foi condenado, renovando-se para o efeito, todas as provas supra enunciadas, Porque só assim se fará JUSTIÇA! ** O Ex.m.º Magistrado do Ministério Público, respondeu a fls. 200 a 218 dos autos, concluindo: (transcreve-se) 1. O erro de julgamento da matéria de facto existe quando o tribunal dá como provado certo facto relativamente ao qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ser considerado como não provado, ou o inverso, tendo a ver com a apreciação da prova produzida em audiência, em conexão com o princípio da livre apreciação da prova - Vide Acórdão STJ de 15-09-2010, Processo n.º 173/05.6GBSTC.E1.S1, Relator: Fernando Fróis, in www.dgsi.pt.

  1. No caso “sub judice”, verifica-se que o menor R………. afirmou que viu o arguido a desferir uma chapada na mãe e a apertar-lhe o pescoço (05:48-05:51), ao mesmo tempo que dizia que a iria matar (11:49-11:57).

  2. Mais referiu que viu o arguido a arrastar a ofendida para dentro do prédio, puxando-lhe o braço (09:35-09:50).

  3. Por sua vez, a testemunha T……….. mencionou que, em data não concretamente apurada do ano de 2017, ouviu o arguido a discutir com a ofendida, sendo que esta apareceu a chorar (03:22 a 03:35).

  4. Deste modo, bem andou a M.ma Juiz do Tribunal “a quo” em dar como provados os factos com os n.º 3 a 12 da matéria de facto, pelo que não assiste qualquer razão ao Recorrente.

  5. Com efeito, da análise do texto relativo à matéria de facto, globalmente considerado, não se pode concluir que, ao fixar tal matéria, o tribunal “a quo” deveria ter...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT