Acórdão nº 1341/16.0T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelESPINHEIRA BALTAR
Data da Resolução17 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães C. M. intentou a presente ação declarativa de condenação com processo comum, contra: 1. X, Insurance Public Limited Company – Sucursal em Portugal.

  1. S. T..

  2. M. F. e 4. Fundo de Garantia Automóvel, formulando a seguinte pretensão: a) A título principal, pede que a 1.ª Ré X seja condenada a pagar à Autora a indemnização global de 1.160.000,00 €, sendo 150.000 € por danos não patrimoniais e € 1.010.000,00€ por danos patrimoniais, acrescida, ainda, da quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença a título de danos futuros, que se deixam alegados nos Artigos 74º a 79º da petição inicial, todos relacionadas com o pagamento à Autora das despesas que esta terá de suportar com assistência médica e medicamentosa e tratamentos, fisioterapia ou outros que venham a ser necessários no futuro e resultantes das sequelas provadas pelo acidente de viação em causa, bem como juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efetivo pagamento.

    1. A título subsidiário (na hipótese da Ré X não ser considerada sujeito da relação material controvertida), pede a condenação solidária do 2.º Réu, 3.º Réu e 4.º Réu no mesmo pedido deduzido na alínea a), que dá por reproduzido.

    Para o efeito alegou, em síntese, que: - no dia, hora e local referidos nos autos, ocorreu um acidente em que intervieram o trator com atrelado, com as matrículas, respetivamente, XN e AV, propriedade de S. T. e conduzido pelo filho deste, M. L., sendo a autora transportada no respetivo atrelado; - o condutor do trator com atrelado conduzia em circunstâncias tais que lhe fazem imputar a culpa na ocorrência do acidente; - nesse acidente a autora veio a sofrer danos, de ordem patrimonial e não patrimonial, sendo que é na quantificação desses danos que encontra o montante peticionado.

    Regularmente citados, os réus apresentaram contestação.

    O Fundo de Garantia Automóvel contestou por exceção, arguindo a incompetência material do tribunal, a prescrição, a existência de contrato de seguro, com a consequente ilegitimidade do FGA, a exclusão dos danos materiais, a culpa do lesado, a exclusão do regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a exclusão do âmbito de aplicação do Código da Estrada, para além de impugnar a factualidade alegada pela autora, por desconhecimento e não se tratar de factos pessoais.

    Os réus S. T. e M. F. invocaram também a sua ilegitimidade, face à existência de seguro de responsabilidade civil automóvel, impugnando também a factualidade alegada ela autora, quer quanto às circunstâncias do acidente, quer quanto aos danos sofridos e suas consequências.

    A ré X Insurance Public Limited Company – Sucursal em Portugal, por sua vez, admitiu a existência do contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, mas excecionou que o acidente ocorreu em propriedade privada e não na via pública, pelo que não são aplicáveis as normas do Código da Estrada, nem do diploma que regula o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e, consequentemente, o contrato de seguro celebrado, pelo que não responde pelas consequências do evento. Excecionou também que o acidente em causa foi um puro acidente de trabalho, não se tendo tratado de um acidente de circulação automóvel, pelo que o sinistro se encontra excluído das garantias do contrato de seguro automóvel. Caso se conclua como alegado pela autora, exceciona a ré que a autora atuou de modo culposo, ao ter subido voluntariamente para o atrelado. No mais, impugna a factualidade tal como foi alegada pela autora.

    A autora respondeu às exceções invocadas, concluindo pela sua improcedência.

    Ainda antes da audiência prévia, veio a autora apresentar requerimento através do qual procedeu à redução do pedido inicialmente formulado, para a quantia global de € 479.402,91, relegando para liquidação de sentença o valor necessário para pagar os custos com sondas, fisioterapia, ginástica, hidromassagem, consultas médicas e deslocações para tratamentos de fisioterapia, ginástica e hidromassagem.

    Procedeu-se a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes as exceções de incompetência material do tribunal, ilegitimidade passiva, prescrição e exclusão do seguro, tendo o conhecimento da demais matéria excecional sido relegado para a decisão final.

    Foi fixado o objeto do litígio e os temas de prova. Tendo o processo prosseguido para julgamento, ao qual se veio a proceder com observância das formalidades legais.

    Foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: “Por tudo o exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada, e, consequentemente: 1º Condeno a ré “X Insurance PLC – Sucursal em Portugal”, demandada a título principal, a pagar à autora a quantia global de € 335.200,00 (trezentos e trinta e cinco mil e duzentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação.

    1. Condeno também a ré a pagar à autora o valor, a liquidar em execução de sentença, que a autora venha a suportar com tratamentos e deslocações para o efeito, nos termos expostos supra.

    2. Absolvo a ré do restante peticionado.

    3. Custas por autora e ré X na proporção do decaimento (art. 446º do Código de Processo Civil).” Inconformada com o decidido a ré seguradora interpôs recurso de apelação formulando as seguintes conclusões: “1ª - O seguro do ramo automóvel do tractor não se aplica ao evento sub judice, devido à combinação de três circunstâncias, que a Exmª Senhora Juíza a quo desconsiderou.

    1. - O tractor agrícola encontrava-se coberto por um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel pelo qual a "X" garante “a responsabilidade civil do proprietário do veículo (. .. ) pelos danos causados a terceiros em virtude da circulação do veículo seguro, até aos limites e nas condições legalmente estabelecidas".

    2. - O Código da Estrada impõe essa obrigação (artº 150º nº 1) para as ocasiões em que o veículo transite nas vias públicas ou equiparadas, cfr. o seu artº 2º, v.g. 2 - O disposto no presente diploma é também aplicável nas vias do domínio privado, quando abertas ao trânsito público (...) (destacado nosso); 4a - Deste modo, quando o veículo não circule na via pública não tem de celebrar contrato de seguro automóvel, sendo-lhe inaplicáveis as respectivas normas, bem como as do Código da Estrada, cujo âmbito de aplicação vem referido supra.

    3. - A legislação especial para a qual o Cód. da Estrada remete é o Dec. Lei 291/2007, de 21/8, cujo art° 4° nº 1 dispõe que: "Toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor para cuja condução seja necessário um título específico e seus reboques, com estacionamento habitual em Portugal, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se coberta por um seguro que garanta tal responsabilidade, nos termos do presente decreto-lei".

    4. - Já o número 4 dessa disposição dispõe que: "A obrigação referida no número um não se aplica às situações em que os veículos são utilizados em funções meramente agrícolas ou industriais." 7ª - Esta inaplicabilidade vale quer seja um tractor, uma escavadora, um dumper, ou outro veículo qualquer. Ponto é que a sua utilização seja para funções agrícolas, 8ª - Importa atender, designadamente, ao disposto no (novo) art° 11° nº 2 do Dec. Lei nº 291/2007 de 21 de Agosto: “o seguro de responsabilidade civil previsto no artigo 4° abrange os danos sofridos por peões, ciclistas e outros utilizadores não motorizados das estradas quando e na medida em que a lei aplicável à responsabilidade civil decorrente do acidente automóvel determine o ressarcimento desses danos”.

    5. - Assim, para que os utilizadores das vias possam ser abrangidos pelas coberturas do seguro automóvel é necessário que a Lei referente à responsabilidade civil decorrente do acidente automóvel seja aplicável à situação sub judice- essa Lei é o Código da Estrada (vidé, p. ex. os seus artºs 131 ° e seg.s).

    6. - Ora, e por um lado, o acidente sub judice envolveu um tractor e seu reboque quando se encontravam em propriedade unicamente privada, não aberta ao público.

    7. - Daí que não são aplicáveis ao presente sinistro as normas do Código da Estrada e, consequentemente, não são igualmente aplicáveis as normas do Dec. Lei nº 291/2007 de 21 de Agosto, mormente por via do disposto no seu artº 11 ° nº 2, acima transcrito.

    8. - E antes e independentemente de se considerar que o evento constitui um acidente estradal ou um mero acidente de funções agrícolas do tractor.

    9. - E por outro lado, decisivamente, o sinistro consistiu num acidente de trabalho ocorrido no decurso do exercício de funções agrícolas de transporte de uvas em dornas, executadas pelo conjunto do tractor e seu reboque. Unicamente.

    10. - Não foi por causa da autora que o tractor seguia no local. Seguia por causa do transporte de uvas no âmbito da vindima levada a efeito naquela Quinta!!!!!! 15ª - Não se tratou de um acidente de circulação automóvel, pois ocorreu em propriedade puramente privada, não aberta ao transito público, aliás em caminho de terra no meio das vinhas, e no decorrer da execução das tarefas agrícolas que o conjunto tractor - reboque executava, e por causa dessas mesmas tarefas.

    11. - Tudo decidido no douto Acórdão da ReI. Coimbra de 22-01-2008, in www.dgsi. pt- vidé, decisivamente, o facto provado nº 70.

    12. - Sendo um acidente ocorrido numa quinta privada, não aberta ao público, com um reboque em função de transporte de uvas em dornas, e atento o disposto no artº 11 ° nº 2 do Dec. Lei nº 291/2007, de 21/8, é de concluir que o presente sinistro se encontra excluído das garantias do contrato de seguro automóvel.

      SEM PRESCINDIR 18ª - A Exmª Senhora Juiza a quo, muito doutamente, fixou a contribuição culposa da A. para os danos em 20 %, reduzindo as indemnizações nessa medida.

    13. - A ponderação em causa é estanque e devéras reduzida face à...

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