Acórdão nº 973/17.4T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 17 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução17 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 973/17.4T8FAR.E1 Relatório (…) propôs a presente acção declarativa, com processo comum, contra (…) – Companhia de Seguros de Ramos Reais, SA, (…), (…) e (…) – Companhia de Seguros, SA, pedindo a condenação dos réus a pagarem-lhe uma indemnização no montante de € 12.931,80, correspondente à soma dos seguintes montantes: € 4.391,80, valor orçamentado para reparação dos danos materiais causados ao veículo da autora; € 8.960 por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da privação de uso do veículo, calculados desde a data da ocorrência do acidente até à da propositura da acção, acrescido do remanescente devido até à efectiva entrega do veículo à autora, reparado, a quantificar posteriormente; e, bem assim, juros de mora vencidos e vincendos calculados à taxa legal aplicável até efectivo e integral pagamento.

As rés (…) – Companhia de Seguros de Ramos Reais, SA e (…) – Companhia de Seguros, SA contestaram, pugnando pela improcedência da acção. Os réus (…) e (…) também contestaram, arguindo a excepção dilatória da sua ilegitimidade.

Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada procedente a excepção dilatória da ilegitimidade dos réus (…) e (…), com a consequente absolvição destes da instância. Procedeu-se também à identificação do objecto do litígio e ao enunciado dos temas de prova.

Realizou-se a audiência final, na sequência da qual foi proferida sentença, julgando a acção improcedente, por não provada.

A autora recorreu da sentença, proferindo as seguintes conclusões: A. A recorrente crê, convictamente, que o tribunal a quo dispunha de matéria probatória suficiente para dar como provados os factos B) e J) dos factos não provados e para não julgar como provados os factos 10, 15 e 18 dos factos provados.

  1. A recorrente não concorda com a fundamentação de direito vertida na douta sentença, quando se procede à aplicação dos artigos 483.º, 503.º e 505.º, todos do Código Civil.

  2. A testemunha (…) não foi peremptória nem assertiva relativamente à distância concreta que mediava entre o seu veículo e o da recorrente, nem à velocidade que esta efectivamente circulava no momento do acidente.

  3. O facto de não existirem marcas de travagem no piso, conforme resulta evidente da prova documental junta aos autos, nomeadamente o documento n.º 1 da petição inicial, corroborada pela prova testemunhal produzida em sede de audiência e discussão de julgamento, determina a impossibilidade de se aferir, em concreto, a velocidade que os veículos circulavam e a distância que mediavam entre si.

  4. Em bom rigor, no caso concreto apenas se sabe que os veículos em causa não deixaram um rasto de travagem e que o piso estava seco, mas desconhece-se, além do mais, o estado dos travões, de que tipo eram, o estado dos pneus e todos os restantes factores que influenciam directamente na aferição concreta da velocidade a que circulavam os veículos nem, tampouco, a que distância circulavam entre si.

  5. Sendo o cálculo da distância de segurança o resultado da soma da distância de reacção e da distância de travagem, não se compreende como pode a douta sentença concluir, em termos quantitativos, as putativas distâncias de segurança a que a recorrente alegadamente deveria circular, se não existem quaisquer marcas de travagem no solo que permitam provar, com rigor, a efectiva velocidade a que circulavam os veículos.

  6. Resulta evidente que a velocidade a que o veículo circula constitui um factor crucial para o cálculo, seja da distância de reacção, seja da distância de travagem, e que, em concreto, essa velocidade não foi apurada com rigor por insuficiência de elementos probatórios nos autos, nomeadamente, a ausência de marcas de travagem no solo, pelo que não pode o douto tribunal a quo dar, sem mais, como provados tais factos.

  7. Não deveria ter sido dado como provado que a distância que mediava entre aqueles dois veículos era de cerca de 6 metros e que a recorrente, circulava a uma velocidade de cerca de 50-60 km/h.

    I. Sem conceder, mesmo que a recorrente circulasse à velocidade e distância dadas como provadas pelo douto tribunal a quo, essa velocidade encontrava-se dentro do limite previsto para aquele troço da via (cfr. depoimento de … prestado no dia do julgamento, minuto 16:34 da gravação) e a distância seria adequada atendendo ao facto de, em virtude de as condições meteorológicas serem boas, a autora ter a visibilidade suficiente do espaço à frente do veículo automóvel 81-(…)-92, nada fazendo prever o atravessamento, na perpendicular à faixa de rodagem, em sentido contrário ao que circulava, de um outro veículo automóvel que entra em despiste numa recta.

  8. A prova documental junta aos autos, designadamente os documentos juntos aos autos como documentos n.ºs 2 a 4 da petição inicial da ora recorrente, que não foram impugnados pelas recorridas, demonstra claramente que a linha que separa as duas vias da faixa de rodagem é, efectivamente, uma linha longitudinal de traço contínuo.

  9. Este facto surge particularmente evidenciado nos documentos n.ºs 3 e 4 da petição inicial, que correspondem a fotografias captadas no local, momentos após o acidente, que retratam bem as características do piso, nomeadamente e em concreto, a marca da linha longitudinal de traço contínuo ali existente.

    L. Atendendo à prova documental produzida nos autos, deveria ter sido dado como provado que o condutor do veículo automóvel matrícula (…)-42-69, (…), ultrapassou a linha longitudinal de traço contínuo existente no momento do acidente.

  10. No entendimento da recorrente, a subsunção da situação fáctico-jurídica em apreço nos autos faz-se, objetivamente, na previsão do artigo 503.º, n.º 1, do Código Civil, porquanto daqui resulta um regime específico respeitante aos veículos de circulação terrestre, quer no que respeita à pessoa do responsável, como aos danos e riscos abrangidos por esta responsabilidade.

  11. Porém, caso assim não se entenda, os factos ocorridos não deixam de cumprir o preenchimento dos requisitos do instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, a saber, um facto voluntário, ilícito, culposo, danoso e consequente do nexo causal entre o facto e o dano causado.

  12. O homem médio colocado nas circunstâncias do acidente de viação em apreço, estando no domínio de todas as suas faculdades, teria uma condução mais prudente, arriscando, no limite, matar o animal que viu atravessar na faixa de rodagem, por contraposição à opção alternativa que foi a escolhida pelo referido condutor.

  13. Da prova documental e testemunhal produzida resulta evidente que, no local do acidente, não se trata de uma berma que termine numa vala ou, sequer, que tenha um muro de betão erigido ou, porventura, arvoredo de grande porte.

  14. Trata-se, sim, de uma berma com uma escapatória ampla que determinaria que esta fosse sempre a melhor opção por parte de um condutor, alegadamente, menos experiente, que não conseguisse corrigir a trajetória do veículo automóvel na sequência do desvio do canídeo.

  15. Em acidentes de viação, em matéria de culpa, está em causa, não só a omissão das regras estradais ou cautelas de que a lei procura rodear certa actividade perigosa como é a circulação rodoviária e mecânica, como também a perícia e a destreza mínimas, absolutamente necessárias a essa actividade.

  16. Não é expectável para um condutor diligente que, numa via recta e de um momento para outro, o veículo que circula na faixa de rodagem em sentido contrário, mude a direção, de forma brusca e repentina, ficando totalmente imobilizado e atravessado na via contrária ao respectivo sentido da marcha.

  17. A conduta do condutor (…) não só foi ilícita, por violar o disposto nos artigos 13.º, n.º 1 e 24.º, n.º 1, do Código da Estrada, como foi sobejamente culposa, na vertente dolosa ou, caso assim não se entenda, e sem conceder, pelo menos negligente.

  18. Mal andou o douto tribunal a quo por não ter concluído pela subsunção dos factos em apreço nos presentes autos à previsão legal prevista no artigo 503.º, n.º 1, do Código Civil, atendendo ao facto do despiste do veículo automóvel matrícula (…)-42-69, na sequência do desvio ao atravessamento do canídeo na faixa de rodagem e do qual resultaram danos, se enquadrar no que a jurisprudência tem entendido como um risco próprio do veículo.

    V. Da dinâmica do acidente em apreço que ocorreu de forma simultânea, brusca e repentina, não pode resultar outra conclusão que não seja a atribuição da responsabilidade pelos danos ao condutor (…), que assumiu a sua culpa exclusiva na origem do acidente, afirmando que se não fosse a sua conduta o acidente nunca teria ocorrido.

  19. Também a testemunha (…) que se não fosse o despiste do veículo automóvel matrícula (…)-42-69, o acidente não teria ocorrido.

    X. A invasão total da faixa de rodagem na via de sentido contrário ao sentido da marcha do veículo automóvel matrícula (…)-42-69 foi causal do acidente, uma vez que este ocorreu nessa mesma via, conforme resulta bem demonstrado nas fotografias juntas como documentos n.ºs 2 a 4 da petição inicial.

  20. Se tal invasão não tivesse tido lugar, ambos os embates não teriam ocorrido, na medida em que o primeiro embate foi nexo causal do segundo e, ainda porque, em abstracto, a invasão da faixa de rodagem contrária ao sentido de marcha é idónea a provocar um acidente com aqueles que nela legitimamente circulam.

  21. Atendendo às circunstâncias do acidente de viação em apreço, o choque em cadeia subsequente não afasta o nexo de causalidade que existe entre a actuação negligente do condutor (…) e as consequências danosas do embate do veículo conduzido pela recorrente, na parte traseira do veículo automóvel matrícula 81-(…)-92 conduzido pela testemunha (…).

    AA. No que respeita ao primeiro embate, a conduta culposa do condutor (…) foi peremptoriamente assumida pela recorrida (…) Seguros , S.A., em comunicação datada do dia 19/01/2017.

    BB. Mal andou a douta sentença quando decidiu segregar os dois embates, não os considerando como ocorrências concatenadas e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT