Acórdão nº 163/12.2TBTMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Novembro de 2017
Magistrado Responsável | FRANCISCO XAVIER |
Data da Resolução | 09 de Novembro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório1. AA instaurou acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra COMPANHIA DE SEGUROS ..., S.A.
, e BANCO ..., S.A.
, pedindo:
a) A condenação da primeira Ré a pagar ao Autor a quantia de 104.802,25 Euros, acrescida de IVA, e dos juros vencidos contados a partir da citação à taxa legal em vigor.
b) Caso a avaliação do prédio identificado nos artigos 3° e 4° da p.i., efectuada pela primeira Ré se mostre correcta e a do segundo Réu incorrecta, ser este condenado a pagar ao Autor a quantia de 86.715,72 Euros, acrescida de IVA, e a primeira Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de 18.086,53 Euros, acrescida de IVA, ambos os montantes acrescidos de juros vencidos contados a partir das citações à taxa legal em vigor.
c) Caso na pendência do processo resulte que é outro o valor do prédio identificado nos artigos 3° e 4° da p.i., deve a primeira Ré e o segundo Réu serem condenados na proporção das respectivas responsabilidades contratuais até ao limite de 104.802,25 Euros, acrescidos de IVA e de juros vencidos contados a partir das citações à taxa legal em vigor.
-
Para tanto, alegou, em síntese, que, no dia 29 de Agosto de 2008, outorgou uma escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, na qualidade de comprador, relativamente ao prédio urbano destinado à habitação, sito em …, concelho de Tomar; para garantia do capital mutuado, que ascendeu a € 100.000, e que correspondeu ao preço da compra, o Autor constituiu uma hipoteca voluntária a favor do Banco …, SA, aqui segundo Réu; o A. obrigou-se ainda a contratar um Seguro Multiriscos do bem hipotecado em Companhia Seguradora idónea, pelas importâncias que o Banco indicar, e em que o mesmo figure nas apólices como beneficiário e/ou parte interessada; para o efeito, o segundo Réu já tinha procedido à avaliação do prédio urbano inscrito na matriz com o artigo 27... (agora artigo 38...) em 26/6/2008, através de perito por si nomeado, que elaborou o relatório em que indicou "Seguro - Valor Final: 260.300,00 Euros".
Acrescenta que a primeira Ré e o segundo Réu pertencem ao mesmo grupo empresarial; o segundo Réu apresentou o contrato de seguro ao autor que o aceitou; a proposta de seguro foi fornecida pelo funcionário do segundo Réu nas instalações da agência de Tomar; tal proposta foi preenchida e assinada nas ditas instalações, tendo o funcionário do segundo Réu elucidado o Autor da forma como a proposta era preenchida e explicando o seu conteúdo; o campo de preenchimento dedicado ao capital a segurar foi preenchido com o valor de 260.300,00 Euros, conforme foi imposto contratualmente ao Autor; depois foi um funcionário do segundo Réu que encaminhou a proposta de seguro preenchida e assinada pelo Autor para a primeira Ré e, mais tarde, o Autor recebeu em sua casa as condições particulares e as condições gerais e especiais da apólice n.º 22....
Disse ainda que, no dia 7 de Dezembro de 2010, o concelho de Tomar foi fustigado por um tornado, que causou avultados danos no prédio do A., cuja reparação importa em montante de € 104.802,25, mas a seguradora apenas declarou aceitar o pagamento de € 18.086,53, invocando que apurou, em virtude da peritagem efectuada na sequência do sinistro, que o bem segurado tem um valor de € 1.414.400, existindo um infraseguro considerável.
Mais alegou que o Autor não tem conhecimentos técnicos para poder afirmar qual das duas avaliações efectuadas está correcta e que já despendeu a quantia de € 38.952,12 em obras nas edificações que incidiram sobretudo na colocação de cobertura, vigamentos e telhas e também de portas e janelas.
-
Contestou o R. Banco (cf. fls. 190), referindo, em resumo, que exigiu um “Seguro Multirriscos Habitação”, para reforço das garantias do empréstimo, pelo montante de € 100.000, por não ter interesse num valor maior; mandou avaliar a casa de habitação e outras dependências, tendo apurado um valor de € 260.300; a avaliação deixou de fora as casas destinadas a palheiro e cavalariça e outras instalações que não integram o conceito de “uso doméstico” ou “serventia da casa” e ainda outra casa; e que a avaliação foi dada a conhecer ao autor, que a aceitou, não podendo agora invocar a ignorância do valor.
Alegou ainda que os RR. Banco e Seguradora fazem parte do mesmo grupo financeiro, mas são pessoas colectivas distintas; apenas sugeriu a contratação do seguro junto da co-ré; ignora as consequências do tornado; e que o A. invoca factos falsos.
Concluiu pedindo a sua absolvição do pedido e pediu a condenação do A. como litigante de má fé.
-
A R. Seguradora também contestou, impugnando parte da factualidade invocada. Refere que o A. contratou um seguro do ramo multi-risco/habitação, o qual prevê uma franquia de € 99,76 e que ocorreu um tornado que causou danos na habitação deste.
Disse ainda que, recebida a participação encarregou um perito de avaliar os danos, tendo este estimado a sua reparação pelo valor de € 80.237,30; que o valor em risco dos edifícios seguros é no total de € 1.414.400, pelo que apurou então o valor indemnizável de € 13.289,87, mas o A. não aceitou esta quantia.
Acrescentou que, em face das reclamações do A., a R. mandou realizar nova avaliação, concluindo que o valor final a indemnizar era de € 20.353,00, deduzida a franquia de 10%.
Terminou peticionando a sua absolvição relativamente ao pagamento de quantia que exceda os € 20.353.
-
O A. respondeu à contestação do R. Banco a fls. 281 e da R. Seguradora a fls. 301, reiterando que foi avaliado o prédio urbano indicado na petição; que só teve conhecimento do relatório do perito depois do sinistro e não tem conhecimentos técnicos para discordar da avaliação do perito, além de refutar a sua condenação como litigante de má fé, e pediu que fosse o R. Banco a ser condenado como litigante de má fé.
Aceitou que o montante dos danos será de 91.893,92, acrescidos de IVA.
-
Dispensou-se a audiência preliminar, proferiu-se despacho saneador e procedeu-se à selecção dos factos assentes e à elaboração da base instrutória.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condenar a R. COMPANHIA DE SEGUROS …, SA, a pagar ao A. AA a quantia já liquidada de € 62.291,25, acrescida de juros vencidos e vincendos desde a data da citação (9/2/2012) até efectivo e integral pagamento à taxa legal que estiver em vigor; b) Condenar a R. COMPANHIA DE SEGUROS …, SA, a pagar ao A. AA a quantia que se vier a liquidar correspondente aos danos do sinistro cobertos pelo seguro e que exceda o valor supra liquidado, com a dedução da franquia de 10%; c) Absolver a R. COMPANHIA DE SEGUROS ..., SA, de tudo o mais que foi peticionado pelo A. AA; e, d) Absolver o R. BANCO …, SA, de tudo o que foi peticionado pelo A. AA.
-
Inconformada veio a R. Companhia de Seguros …, S.A., interpor recurso, visando a reapreciação da matéria de facto e de direito, nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]: I. Após o julgamento, deu o Tribunal a quo como provada - sob os pontos BBB) e HHH) dos factos provados constantes da douta sentença recorrida - a seguinte matéria que ora se transcreve: “BBB) O A. aceitou celebrar o contrato conforme solicitado, pelo capital definido pelo R. BANCO;” “HHH) O A. aceitou subscrever a proposta de seguro mediante os valores indicados pelo R. BANCO;” II. Por seu turno, deu o Tribunal a quo como não provado – sob o ponto 2.3. da fundamentação de facto da decisão os factos não provados constantes da douta sentença recorrida - que: 7 “- O BANCO, SA. apenas exigiu que o seguro multirriscos incidisse sobre a casa de habitação, própria e permanente do A, pelo montante de €260.300, por não ter interesse para a cobrança do seu crédito um valor maior;” 8 “- O A. concordou e aceitou com o referido supra;” 9 “- O descrito em 13) e 14) foi comunicado e aceite pelo A., que entendeu o teor da avaliação, os seus objectivos e critérios, tendo tido o apoio dos empregados do BANCO, SA., que lhe prestaram todos os esclarecimentos necessários, não os tendo questionado.” III. Atenta a prova produzida em juízo, deverá o Venerando Tribunal ad quem alterar a matéria de facto julgada provada e não provada nos termos ora impugnados e requeridos, dando como [a recorrente não completou esta conclusão, mas é manifesto no texto das alegações que pretende que os factos impugnados que o tribunal a quo deu como provados tenham resposta contrária e que os considerados como não provados sejam dados como provados, e o recorrido assim o entendeu] IV. Pois que o que resultou, cremos que inequivocamente, da prova testemunhal aportada pelas testemunhas que sobre esta matéria mais se debruçaram: A..., C... e F..., testemunhas com depoimentos homogéneos, desassombrados e, no seu total, verdadeiros, que a matéria de facto deve ser alterada no sentido acima proposto, dado o peso, não só dos seus depoimentos, que se transcrevem nas partes mais emblemáticas, mas que, seguramente serão ouvidos na íntegra pelo Venerando Tribunal ad quem.
-
À luz da matéria de facto provada, não pode o tribunal evadir-se à conclusão da ocorrência de um caso de subseguro (ainda que à sombra dos critérios dispostos nos artigos nos art.ºs 428.º, § 1.º, 433.º, proémio e § 1.º e 439.º, § 1.º do Código Comercial – cf. os correspondentes e actuais art.ºs 43.º, n.º 1, 47.º, n.º 1, 128.º e 134.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008); VI. Não é legítimo ao tribunal presumir que, por pertencerem ao mesmo grupo empresarial, a 1.ª Ré Seguradora e o 2.º Réu Banco prosseguem o mesmo interesse; VII. Na verdade, o Banco 2.º Réu, agiu na prossecução de um interesse pessoal e directo, a concessão de um crédito, e o Autor, outrossim, na prossecução de um interesse também pessoal e directo, a obtenção desse mesmo crédito, não havendo neste negócio...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO