Acórdão nº 182/13.1TBGLG.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelRUI MACHADO E MOURA
Data da Resolução09 de Novembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

P.182/13.1TBGLG.E1 Acordam no Tribunal da Relação de Évora: (…) veio propor a presente acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra (…), pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 14.047,84, já líquida, e de quantia a liquidar em sede de execução de sentença.

Alegou, em resumo, ser proprietário de duas éguas, as quais acordou vender ao R. pelo preço de € 21.500,00. Pelo acordo referido, o R. deveria pagar o valor remanescente de € 11.500,00 após confirmação de que as éguas estivessem prenhes ou após três tentativas de fecundação das mesmas. Apesar de ter havido confirmação de que as éguas estavam prenhes, o R. nunca procedeu ao pagamento do valor de € 11.500,00, descontando o valor de € 1.000,00, correspondendo ao penso e ensino de um poldro, que não chegou a ocorrer; O R. não se apossou das éguas em questão, pelo que o A. custeou a estadia das éguas no valor de € 3.339,84. O A. teve ainda de proceder à alteração da localização das éguas, pelo que despendeu o valor de € 208,00.

Devidamente citado para o efeito veio o R. apresentar a sua contestação e deduziu ainda pedido reconvencional. Assim, invocou a anulabilidade do contrato de compra e venda com base em erro sobre o objecto do negócio, considerando que havia sido condição essencial do contrato que a idade das éguas não excedesse os 10 anos e que pudessem emprenhar normalmente, sendo que uma das éguas já atingira os 13 anos de idade e parira pela última vez há dois anos. Entende ainda que não ocorreu a condição de verificação de que o aparelho reprodutivo das éguas não apresentava problemas de impossibilidade reprodutiva, que foi estabelecida como condição para o pagamento de parte do valor. Mais impugna a verificação da condição fixada para o pagamento do remanescente do preço, sendo que uma das éguas em causa não veio a parir. Considerando que umas das éguas não preenchia as condições do acordado e o negócio apenas lhe interessava quanto às duas, pretende ver declarada a anulação total do contrato, com consequente restituição do valor de € 10.000,00 por si já entregue ao A.

O A. veio apresentar articulado de resposta, mantendo, no essencial, o já por si alegado na petição inicial.

Posteriormente foi elaborado saneador, definindo-se o objecto do litígio e fixados os temas de prova.

De seguida foi realizada a audiência de julgamento com observância das formalidades legais, tendo sido proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condenou o R. a pagar ao A. as seguintes quantias: - € 10.500,00 correspondente ao remanescente do preço acordado no âmbito do descrito em 1.2. dos factos provados; - € 3.318,00 correspondente a despesas já liquidadas que o A. suportou; - montante a liquidar em sede de execução de sentença correspondente aos valores despendidos pelo A. com a estadia das éguas (…) e (…) desde Julho de 2013 (inclusive) até à data em que o R. proceda ao levantamento daquelas; - montante a liquidar em sede de execução de sentença relativa às despesas de deslocação das éguas entre (…) e (…), com o limite de € 229,84.

No mais, foi o R. absolvido do pedido formulado pelo A.

Por outro lado, foi ainda julgado improcedente o pedido reconvencional deduzido pelo R., absolvendo-se do mesmo o A.

Inconformado com tal decisão dela apelou o R., tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminado as mesmas com as seguintes conclusões: I) 1ª - Consta do documento que titularia a compra e venda dos animais que a obrigação do pagamento de € 10.000,00 apenas se venceria «após ecografias para controlo da fase reprodutiva e verificação de que o aparelho reprodutivo não apresenta problemas de impossibilidade reprodutiva».

  1. - Mais consta do mesmo documento que a entrega, pelo Autor, dessa quantia de € 10.000,00 ocorreu por ocasião da respectiva subscrição (cfr. seu último parágrafo), que não no momento, atrás referido, acordado para o efeito.

  2. - Daí resulta que, quando ocorreu a entrega dessa importância, por parte do Réu, já aí este estava a ser enganado: por um lado, fez tal entrega sem a verificação da condição suspensiva a que a mesma – e a própria validade do contrato – ficara submetida.

  3. - E por outro, não havia qualquer possibilidade de aquele «primeiro momento» se verificar, uma vez que, e consoante consta do ponto 1.18 dos «Factos Provados», «A verificação de que o aparelho reprodutivo não apresenta problemas de impossibilidade reprodutiva não pode fazer-se apenas por meio de ecografia».

  4. - Ou seja, segundo o documento, as partes submeteram a sua validade, assim como a obrigação do pagamento da primeira prestação de € 10.000,00, a uma condição que, por ser impossível de ocorrer, fere o negócio em causa de nulidade, nos termos do art. 271º, nº 2, do Cód. Civil. Nulidade essa que é do conhecimento oficioso (ibidem, art. 286º).

  5. - A sentença recorrida atém-se ao «segundo momento» que cita, entendendo que se teria verificado a segunda hipótese alternativa para o vencimento da obrigação de pagamento da segunda prestação do preço (as três tentativas de inseminação da égua «…») olvidando que apenas se deverá passar a esse «segundo» momento após a análise do «primeiro», de cuja verificação dependeria a própria validade do negócio.

  6. - Atentar-se-á, a este propósito, que o Réu, embora tenha defendido (e continua a fundadamente defender, como infra se dirá), que apenas se considera que uma égua está prenhe quando o embrião se mantiver, pelo menos, durante 45 dias, e consoante consta do facto 1.20, já «em 26 ou 27 de Julho de 2012 o Réu indicou ao Autor não pretender fazer a compra dos animais, tendo-lhe exigido a restituição do cheque de € 10.000,00 que entretanto entregara, o que o Autor recusou».

  7. - A declaração de nulidade do contrato implicará a reposição do «statu quo ante», ou seja, a restituição, ao Réu, do que ele entregara ao Autor como primeira prestação do preço, e a propriedade das éguas na esfera jurídica do Autor. Sem prescindir: II) 9ª - Consta dos pontos 1.16 e 1.17 da enumeração dos «Factos Provados», na esteira do conteúdo do documento subscrito por Autor e Réu, que este, ao acordar o referido em 1.2, pretendia as éguas em causa para reprodução e que estas pudessem emprenhar normalmente, o que era do pleno conhecimento do Autor.

  8. - Ora, não se encontra demonstrado em parte alguma dos autos essa condição essencial do acordo de compra e venda.

  9. - Na verdade, quanto a este aspecto, encontra-se tão-só provado que «Em 24 de Julho de 2012, a égua “…” apresentava diagnóstico de gestação positivo de 15 dias, reconfirmada no dia 24 de Agosto de 45 dias» (ponto 1.6), que «Em 24 de Agosto de 2012, a égua “…” apresentava diagnóstico de gestação positivo de 14 dias, tendo sido observada uma ampola embrionária de aspecto pouco regular» (ponto 1.7) e que «A égua “…” não veio a parir na sequência do referido em 1.7 (ponto 1.19).

  10. - Ora, nenhum destes factos permite concluir que as éguas «pudessem emprenhar normalmente» – e impendia sobre o Autor a prova desta circunstância, que por forma alguma demonstrou, pois, por ele ter «pleno conhecimento» de que o Réu pretendia as éguas «para reprodução e que estas pudessem emprenhar normalmente», cabia-lhe comprovar que esta condição efectivamente se preenchia – o que não fez.

  11. - E já se viu que, consoante consta do ponto 1.18 dos «Factos Provados», «A verificação de que o aparelho reprodutivo não apresenta problemas de impossibilidade reprodutiva não pode fazer-se apenas por meio de ecografia», e dos autos, quanto a este aspecto, apenas consta a realização de uma ecografia e as asserções de Veterinário do doc. de fls. 14 que ficaram a constar dos pontos 1.6 e 1.7.

  12. - Asserções essas que de forma alguma atestam ou certificam que os animais em causa estavam efectivamente em condições de «emprenhar normalmente», pois que nada dizem de concreto, quer quanto à prenhez (mormente afirmando que as éguas se podem efectivamente considerar prenhes) nem quanto à «capacidade reprodutiva» (mormente afirmando que elas efectivamente a possuíam).

  13. - Aliás, a Médica Veterinária Sra. Dra. (…) (depoimento áudio registado sob 20150206142319_2142324_2871723), que ao diante se citará para efeitos de alteração de matéria de facto, claramente refere, por um lado, que para se considerar que uma égua «está apta» a ficar prenhe, tal implica pelo menos um exame de ecografia, um de bacteriologia e uma biópsia (minutos 35:00 e seg.s do seu depoimento) – o que no caso não se verificaram.

  14. - Assim como que o uso do vocábulo «prenhes» no relatório de fls. 14 está impropriamente utilizado (minutos 26:00 e seg.s: «falar em prenhês [nesta fase] é incongruente, é facilitismo»).

  15. - A existência da citada pretensão do Réu e o seu pleno conhecimento por parte do Autor, acompanhados da sua não demonstração por parte deste (mais: tendo falsamente inculcado ao Réu que a ecografia atestaria a que «o aparelho reprodutivo não apresentaria problemas de impossibilidade reprodutiva»), redunda em que o Réu, ao subscrever o documento, actuou em erro sobre o objecto do negócio, nos termos dos artigos 251º e 247º do Código Civil.

  16. - Na verdade, estatui o primeiro dos citados normativos que «o erro que atinja os motivos determinantes da vontade quando se refira (…) ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247º».

  17. - Ora, no caso, a essencialidade desse erro era conhecida do Autor, ou seja, ele sabia que a efectiva e real capacidade reprodutiva das éguas era condição essencial para a sua vontade de as comprar.

  18. - O erro sobre o objecto conduz à anulabilidade do negócio, a qual tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado – artigo 287º, nº 1, do Código Civil – ou seja, se o negócio não padecer de nulidade, consoante atrás se referiu, sempre o mesmo será anulável, com as referidas consequências. Sempre sem prescindir: III) Alteração da matéria de facto: 21ª - O Tribunal...

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