Acórdão nº 1536/17.0T8BJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução07 de Dezembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 1536/17.0T8BJA.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Beja – Juízo Local de Competência Cível de Beja – J2 * Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: * I – Relatório: Na presente providência cautelar de restituição provisória de posse proposta por “(…) – Comércio de Carnes e Frescos, Lda.” contra “(…) Carnes, SA”, a requerente veio interpor recurso da decisão final.

* A requerente pedia que, de imediato, lhe fosse devolvida a posse do estabelecimento dos autos.

Para tanto, em síntese, alega que tinha a posse da loja cuja exploração lhe foi transmitida legal e pacificamente e que está impedida de aceder ao local.

* Procedeu-se à inquirição das testemunhas indicadas pela requerente, sem audição da parte contrária.

* O Tribunal «a quo» julgou improcedente a providência cautelar.

* * Inconformada com tal decisão, a recorrente apresentou recurso de apelação e formulou as seguintes conclusões: 1 – Parece-nos inequívoco que a requerente tinha a posse da loja dos autos. E posse pacifica. Nela entrava e saia a qualquer hora do dia ou da noite, sem qualquer oposição.

2 – Liquidou valores de renda que lhe foram pedidos pela senhoria.

3 – Estava vedado à requerida recorrer aos meios privados, e pela força, para fazer cessar a posse da requerente. Verificada está, no caso, a violência e o esbulho.

4 – Não podemos concordar que o Tribunal acolha e valide estes comportamentos.

5 – Com a agravante que acarretou um enorme prejuízo para a requerente e para um significativo número de trabalhadores.

Termos em que, e por errónea interpretação do estatuído no artigo 377º do CPC, se deve revogar a douta sentença, decidindo-se pela procedência da requerida providência».

* II – Objecto do recurso: É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC).

Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da existência de erro na aplicação do direito aos factos.

* III – Factos apurados em sede de julgamento: 3.1 – Factos indiciariamente provados: Encontram-se indiciariamente provados os seguintes factos com relevância para a decisão da presente providência: 1 – A requerida “(…) Carnes, SA”, celebrou com a sociedade comercial “Talhos (…) e (…), Lda.”, nipa (…), a 1 de Dezembro de 2011, um contrato denominado “concessão de exploração” pelo qual lhe cedeu a exploração de um estabelecimento comercial de Talho, sito nas instalações da requerida, instalado no edifício onde se encontra o (…), inscrito na matriz predial urbana da freguesia de São João Batista, em Beja, sob o artigo (…).

2 – Prevê-se na cláusula quarta do aludido contrato que a sociedade comercial “Talhos (…) e (…), Lda.”, no uso da concessão, utilizar-se-á de todos os móveis, utensílios e objectos que se encontram no referido estabelecimento que sejam propriedade da requerida.

3 – Ficou a “Talhos (…) e (…), Lda.” obrigada ao pagamento de uma contraprestação mensal, que inicialmente era de oito mil quinhentos e trinta seis euros e sessenta e sete cêntimos, e desde Fevereiro do corrente ano no montante de cinco mil trezentos e cinquenta e quatro euros e sessenta e um cêntimos.

4 – Esta sociedade “Talhos (…) e (…), Lda.” desde 2016 que atravessava grave problemas económicos e financeiros, tendo perdido o crédito na praça, em especial junto dos fornecedores de carne.

5 – Por acordo escrito, datado de 13/07/2017, denominado “Contrato de Cedência de Posição Contratual”, a sociedade “Talhos (…) e (…), Lda.” e a requerente acordaram que aquela cedia a esta a posição contratual que a primeira detinha no contrato celebrado com a requerida.

6 – À frente da designação de “A primeira outorgante” mostra-se aposta assinatura “(…)” e por cima da mesma o carimbo da sociedade “Talhos (…) e (…), Lda.” – A Gerência.

7 – À frente da designação “A segunda outorgante” mostra-se aposta assinatura “(…)” e por cima da mesma o carimbo da requerente – A Gerência.

8 – Prevê-se na cláusula primeira deste acordo que a sociedade “Talhos (…) e (…), Lda.” detém o direito de exploração de um estabelecimento comercial destinado a talho, peixaria, frutas e legumes instalado em Beja, na Estrada Nacional (…), Km (…), fazendo parte do prédio urbano inscrito na matriz sob o n.º (…), pertencente à “(…), Carnes, SA”, que por contrato de 2011 lhe concedeu tal direito.

9 – Consta da cláusula segunda do acordo referido em 5 que a requerente fará a gestão e exploração comercial desse espaço com todos os direitos e obrigações que detinha a cedente.

10 – Consta da cláusula quarta do acordo referido em 5 que a liquidação dos salários e demais encargos respeitantes com o pessoal são da responsabilidade da requerente.

11 – Consta da cláusula quinta do acordo referido em 5 que a requerente deverá pagar à requerida a renda e demais encargos relacionados com a exploração da loja.

12 – Prevê a cláusula 6º do acordo referido em 5 que a cedente obriga-se a dar conhecimento e a obter o respectivo consentimento da Senhoria (…) para inteira validade do contrato. Contudo, se não colher esse acordo, compromete-se a proceder ao contrato de trespasse da loja a que este contrato respeita, que será pelo preço do saldo devedor da cedente, que a sua conta corrente registar à data em que ocorrer esse contrato.

13 – Em Julho de 2017 já na loja se comercializava não só carne mas também peixe congelado, frutas e legumes, cafetaria, takeaway e restauração.

14 – A requerente iniciou a comercialização de produtos no talho em 10 de Agosto de 2017.

15 – Os funcionários ao serviço do talho tinham as chaves de acesso ao local, livremente e a qualquer hora do dia ou da noite, sem oposição de quem quer que fosse.

16 – Em Julho do corrente ano a requerida informou a requerente que se encontravam rendas e despesas da loja em atraso, por liquidar.

17 – A administração da (…) falou com um dos responsáveis da requerente, (…), e acertaram os montantes a liquidar.

18 – Em 14 de Julho de 2017 a requerente fez uma transferência bancária para a requerida do montante que esta considerava em falta, no valor de € 9.725,74 (nove mil, setecentos e vinte e cinco euros e setenta e quatro cêntimos).

19 – Tal montante destinou-se ao pagamento das facturas nº (…), (…) e (…) emitidas pela requerida em 06/07/2017, com vencimento em 14/07/2017, em nome da sociedade “Talhos (…) e (…), Lda.” relativas, respectivamente, a energia – período de 03/06 a 06/07, no valor de € 2.845,42; contrato de concessão de exploração (…), no valor de € 6.586,17 e recolha de resíduos sólidos – Junho de 2017, no valor de € 294,15.

20 – Em Agosto, a requerida comunicou haver valores por liquidar.

21 – Contudo, como a requerente havia assumido a loja, com activos e passivos que lhe haviam sido transmitidos pela “Talhos (…) e (…), Lda.”, informou a requerida que também esta estava devedora de uma significativa quantia, mais de onze mil euros.

22 – Agosto é um mês tradicionalmente de férias, levando à ausência de parte dos funcionários e administradores durante alguns dias.

23 – Requerente e requerida entregaram o assunto aos respectivos advogados, no pressuposto de que considerados créditos e débitos da requerida, o seu saldo, a existir, não era significativo e em Setembro tudo seria arrumado.

24 – A mandatária da requerente informou o seu responsável, (…), que estava bem encaminhado o assunto e poderia ir de férias descansado.

25 – Em Setembro é informado que as negociações se tinham gorado totalmente.

26 – Mais vem a saber pelos trabalhadores do talho que a administração da (…), em particular pelo administrador (…), há muito vinha dizendo que não os queria lá no talho e mais mês, menos mês, era para fechar.

27 – No dia 25 de Setembro de 2017, a requerida desligou a energia eléctrica que abastecia o talho impedindo que este pudesse trabalhar. 28 – Nesse mesmo dia, horas após o corte de energia, um responsável da requerente, (…), vai junto do administrador da (…), (…), e pede-lhe para restabelecer a energia.

29 – Prontificou-se a pagar o que estivesse em falta, porém o mesmo administrador recusou-se a receber qualquer quantia alegando que não podia receber quantias da requerente mas apenas da sociedade “Talhos (…) e (…), Lda.”.

30 – A requerida informou os trabalhadores da requerente de que se insistissem em trabalhar fechava a porta do talho e o portão de acesso ao mesmo.

31 – Os mandatários das partes não lograram chegar a acordo.

32 – Em consequência do corte de energia eléctrica, uma grande quantidade de produtos que estavam nas arcas, particularmente carne, acabou derramada nos subprodutos da (…), para destruição.

33 – A administração da requerida comunicou à requerente que a utilização de fonte de energia alternativa seria impedida com a mudança das fechaduras de acesso à loja.

34 – A requerente expectava atingir € 100.000,00 de facturação no mês de Agosto.

35 – A requerente e os funcionários do talho, havendo entre elas duas grávidas, vivem angustiados pois nem a requerente tem hoje estabelecimento onde os colocar, nem a maioria deles tem hipótese de trabalho, pelo menos a curto prazo.

36 – Uma loja fechada afasta clientela e mais dificulta à requerente o recebimento de crédito que tem nos clientes.

37 – Mesmo após o fecho da loja, a requerente e todos os trabalhadores compareceram no local. Nem eles nem os clientes podiam entrar por decisão da requerida.

38 – E souberam desta que a loja não era para abrir.

39 – A requerida colocou no local seguranças privados que apenas permitiam a retirada de pertences pessoais.

40 – A requerente é uma sociedade por quotas que tem como objecto social, entre o mais, o comércio de carnes.

41 – Pela AP. …/2017.05.16 foi inscrita na Conservatória de Registo Comercial de Setúbal a constituição da requerente, tendo...

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