Acórdão nº 2823/16.0T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Dezembro de 2017
Magistrado Responsável | PAULA DO PA |
Data da Resolução | 06 de Dezembro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
P.2823/16.0T8STB.E1 Recurso Penal Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora I. Relatório BB, S.A., CC, DD, EE e FF, todos com os demais sinais identificadores nos autos, impugnaram judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições de Trabalho (doravante designada ACT) que os condenou no pagamento da coima única de 500 UC’s (€ 51.000) e na sanção acessória de publicidade, por violação do disposto no artigo 29.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
O tribunal de 1.ª instância julgou improcedente a impugnação e manteve a condenação, tendo, porém, reduzido a coima para 300 UC’s (€30.060), sendo solidariamente responsáveis pelo seu pagamento os impugnantes individuais, na qualidade de administradores da sociedade. Manteve a sanção acessória aplicada.
Inconformados com esta decisão, vieram os impugnantes interpor recurso da mesma, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: «1. A ACT, no auto de notícia datado de julho de 2015, veio imputar à recorrente a alegada prática de uma contraordenação por violação, a título negligente, do art.º 29.º, 1 do CT.
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A ACT, nos termos devidos, informou a recorrente que poderia pagar imediatamente a coima no valor de € 9.180,00, equivalente a 90UC, em que vinha condenada, ou apresentar resposta escrita.
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A recorrente, por entender não ter cometido o facto ilícito que lhe vinha imputado, optou por apresentar defesa, o que fez tempestivamente.
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Estranhamente, a ACT, sem informar a recorrente acerca de quaisquer novos factos, veio, na sua decisão final, condenar a recorrente por violação do art.º 29.º, 1 do CT e condená-la a título de dolo.
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A coima aplicada à recorrente aumentou exponencialmente, passando de € 9.180,00 para € 51.000,00, mais sendo aplicado uma sanção acessória de publicidade.
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As realidades fáticas que sustentam uma atuação dolosa e uma atuação com mera negligência são, necessariamente, distintas.
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A alteração do elemento subjetivo da infração imputada à recorrente de negligência para dolo depende, assim, de uma alteração substancial dos factos.
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Essa alteração substancial dos factos não foi dada a conhecer à recorrente.
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A recorrente não teve oportunidade de contraditar os novos factos nem de requerer produção de prova, tudo em violação do direito a audiência e defesa que lhe reconhece o art.º 32.º, 10 da CRP.
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A decisão administrativa que, inadmissivelmente, agravou o tipo de condenação aplicada à recorrente é nula.
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Sendo nulos todos os atos a esta subsequentes e que dela dependem, nos termos do art.º 122.º, 1 do CPP.
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A alteração do elemento subjetivo da infração, de negligência para dolo, e o consequente agravamento da moldura penal são factos notórios, que decorrem da mera leitura dos autos e aos quais o tribunal tem necessariamente acesso pelo simples exercício das suas funções.
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O tribunal, mal, não conheceu da nulidade assim identificada.
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O que sempre lhe cabia, oficiosamente, fazer.
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Nos termos do art.º 410.º, 2 do CPP, a Relação deve conhecer de vícios referentes à matéria de facto quando tal seja necessário para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto claramente insuficiente ou fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias.
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Vertendo ao caso sub judice, resulta do texto da sentença recorrida conjugada com as regras da experiência comum que o tribunal cometeu erro notório na apreciação da prova ao dar como facto provado o que escreveu sob o ponto u).
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Ali em causa está um juízo de valor, uma conclusão, e não um facto.
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O ponto u) da matéria de facto deve ser dado por não escrito.
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O tribunal cometeu também erro notório que prejudica a decisão de direito ao não incluir na matéria de facto assente que a recorrente, como se fez prova em juízo, deu início em julho de 2014 a um processo de despedimento coletivo no qual integrou o trabalhador GG.
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Deve ser aditado à matéria de facto o ponto mm) nos seguintes termos: ‘Em julho de 2014, a arguida iniciou um procedimento de despedimento coletivo, sendo um dos trabalhadores abrangidos o Eng.º GG’.
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A recorrente não adotou qualquer comportamento em relação ao trabalhador GG suscetível de integrar a previsão do art.º 29.º, 1 do CT.
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A atuação da recorrente em relação ao trabalhador GG não teve qualquer objetivo final ilícito nem sequer eticamente reprovável.
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O próprio tribunal reconhece que o esvaziamento de funções do trabalhador se ficou a dever a uma extinção de posto de trabalho motivada por uma legítima necessidade de reestruturação da recorrente.
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O próprio tribunal reconhece que o trabalhador não cumpriu a ordem de serviço 1/2014, não tendo a recorrente insistido no cumprimento nem iniciado qualquer procedimento disciplinar motivado por tal circunstância.
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A recorrente não se encontra legalmente obrigada a dispensar do dever de assiduidade um trabalhador envolvido num processo de extinção de posto de trabalho.
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É normal, e não pode ser imputado à recorrente, que um trabalhador abrangido por um processo de extinção de posto de trabalho se sinta triste e deprimido.
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A recorrente não violou o direito de ocupação efetiva do trabalhador.
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A recorrente não privou o trabalhador de benefícios que faziam parte da sua remuneração.
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A recorrente não promoveu o isolamento social do trabalhador.
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A recorrente não criou um ambiente de trabalho intimidativo, hostil, humilhante ou desestabilizador.
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A recorrente não adotou para com o trabalhador qualquer comportamento suscetível de integrar o tipo assédio moral, nos termos em que o prevê o art.º 29.º, 1 do CT.
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A situação em discussão nos autos não teve por intenção, nem sequer por consequência, humilhar ou desestabilizar o trabalhador e não se prolongou no tempo.
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A recorrente e o trabalhador acordaram na revogação do contrato de trabalho em maio de 2015.
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No limite, a recorrente atuou com mera negligência.
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Como, aliás, decidiu inicialmente a ACT.
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O dolo, nos termos em que o define o art.º 14.º do CP, sempre pressupõe, em qualquer uma das suas modalidades (direto, necessário e eventual), uma consciência de ilicitude.
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Como, bem, reconhece o tribunal, a recorrente não atuou com intenção de violar o art.º 29.º, 1 do CT nem sequer equacionou que a sua atuação podia redundar nessa violação.
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Se a consciência da ilicitude não ficar comprovada, como não ficou no caso concreto, o facto só pode, no limite, ser punido a título de negligência.
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A recorrente não praticou qualquer contraordenação.
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A sentença recorrida deve ser alterada no sentido de absolver a recorrente ou, no limite, havendo ainda lugar a condenação, condená-la por atuação negligente, em coima não superior a 90 UC, atento o princípio da reformatio in pejus, sempre se anulando a sanção de acessória de publicidade.
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A decisão da autoridade administrativa e a sentença recorrida violam, entre outros, os arts. 50.º e 58.º, 1 b) e c) RGCO, o art.º 25º, 1 b) e c) do RCOLSS, os arts. 122.º, 1 e 242.º, 1 do CPP, os arts. 14.º e 15.º do CP, os arts. 32.º, 10, 61.º, 1 e 268.º, 3 da CRP, o art.º 101.º, 2 do CPA e o art.º 412.º do CPC.» Devidamente notificado da interposição do recurso, o Ministério Público respondeu e concluiu: «1. Não existe qualquer norma que imponha que o auto de notícia contenha os elementos subjetivos do tipo. (cf . art. 243.º do CPP, aplicável ex vi dos arts. 60.º da Lei 107/2009 de 14 de Setembro e 41.º, n.º 1 do DL 433/82 de 27 de Outubro) 2. Não houve em concreto qualquer alteração substancial de factos pelo que a decisão administrativa não enferma de qualquer nulidade.
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A afirmação de que «A arguida não podia ignorar que, face à categoria e posição que GG ocupava na estrutura da empresa, o esvaziamento funcional e a ordem de serviço n.º 1/2014 eram suscetíveis de afetar a sua dignidade, humilhá-lo, constrangê-lo e pressioná-lo a aceitar o acordo de rescisão do contrato» reconduz-se à descrição do dolo, pelo que a pretensão da recorrente deve ser rejeitada.
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Provado que a arguida comunicou ao trabalhador em 25/06/2014 a intenção de proceder ao seu despedimento, não faz qualquer sentido aditar que «Em julho de 2014, a arguida iniciou um procedimento de despedimento coletivo, sendo um dos trabalhadores abrangidos o Eng.º GG» 5. A arguida extinguiu o posto de trabalho do Eng.º GG - que tinha a categoria profissional de diretor -, em Julho de 2013.
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Só em Março de 2014, no regresso deste após um período de baixa de cerca de um ano, é que deu conhecimento dessa realidade ao visado.
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Depois de propor ao trabalhador visado um acordo de revogação do seu contrato de trabalho e de este o ter rejeitado, a arguida emitiu a ordem de serviço 1/2014 que tinha o visado como único destinatário.
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Nessa ordem de serviço o visado era instado a entregar o seu veículo Audi A6, que mantivera enquanto estivera de baixa médica, recebendo em substituição em Ford Focus; entregaria os cartões de abastecimento “GALP Frota” e “Repsol Solred”, o cartão de crédito da empresa e passaria a tomar as refeições na cantina; 9. Pela mesma ordem foi-lhe atribuída uma única tarefa - procurar fabricantes e fornecedores internacionais para o produto “Talco Tipo A”, claramente abaixo das suas qualificações e competências (facto notório) e que não o ocupava a 100%; 10. Não lhe foi atribuída qualquer outra tarefa até Agosto de 2014 altura em que o trabalhador foi dispensado do dever de assiduidade.
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Os outros trabalhadores da arguida com a categoria de diretores tinham veículos de marca Mercedes e BMW; 12. O teor da ordem de serviço 1/2014, no contexto em que foi emitida, tinha como finalidade forçar o trabalhador a aceitar um acordo de revogação do contrato de trabalho; 13. O esvaziamento de funções do trabalhador, por via das opções da arguida aliado ao teor da ordem de serviço determinou objetivamente o isolamento do trabalhador - privado de equipa e confinado a uma única tarefa durante 5 meses – traduzindo-se objetivamente num ambiente de trabalho intimidativo, hostil, humilhante e desestabilizador.
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