Acórdão nº 165/16.0PBBJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Dezembro de 2017
Magistrado Responsável | ANA BACELAR CRUZ |
Data da Resolução | 21 de Dezembro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora I.
RELATÓRIO No processo comum n.º 165/16.0PBBJA do Juízo Local Criminal de Beja da Comarca de Beja, o Ministério Público acusou MLC, viúva, reformada, nascida a 29 de novembro de 1939, em Nossa Senhora da Torega, Évora, filha de …, residente na Rua …, em Beja pela prática - de um crime de injúria agravado, previsto e punível pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º, por referência à alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal; - de um crime de ameaça agravado, previsto e punível pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal.
ALF, devidamente identificada nos autos, pediu a condenação da Arguida a pagar-lhe, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 2 000,00 (dois mil euros), acrescida de juros de mora, desde a ocasião da notificação até integral pagamento Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular, por sentença proferida e depositada em 3 de maio de 2017, foi decidido: «A) Julgo parcialmente procedente a acusação pública e, em consequência: A1.) Absolvo a arguida MLC da autoria material de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal; A2.) Condeno a arguida MLC, como autora material de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º, do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), num total de € 585,00 (quinhentos e oitenta e cinco euros); A3.) Condeno a arguida no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça individual em três unidades de conta - artigos 513.º e 514.º do GP.P. -, bem como nos demais encargos a que tenha dado azo, sem prejuízo do beneficio de apoio judiciário de possa beneficiar.
*** B) Julgo parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por ALF e, em consequência, condeno a arguida/demandada MLC no pagamento de € 1.000,00 (mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, valor a que deverão acrescer juros de mora calculados desde a data da notificação do pedido e vincendos até efetivo e integral pagamento, a calcular às taxas legais supletivas e sucessivamente em vigor.
Sem custas cíveis, por o valor do pedido de indemnização civil não exceder vinte unidades de conta, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea n) do Regulamento das Custas Processuais.
» Inconformada com tal decisão, a Arguida dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: «1ª - É nula, por violação do disposto nos artigos 355º, n.º 1, e 356º, n.ºs 1, aI. b), 2, aI. b), 3 e 5, do CPP, a sentença que fundamenta a decisão condenatória em depoimento prestado por testemunha - presente em audiência - perante órgão de polícia criminal e lido em audiência sem o consentimento/acordo do arguido.
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- O princípio da livre apreciação da prova inscrito no artigo 127º do CPP não fica preenchido por uma convicção que assente em subjetivismos, estados emocionais, impressões e/ou ideias, sob pena de traduzir uma decisão arbitrária; sem factos concretos que corporizem logicamente essa convicção, a decisão condenatória que assim é proferida viola o princípio geral inscrito na norma, tornando a condenação carecida de fundamentação.
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- Apresenta-se ferida dos vícios de erro notório na apreciação da prova e de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão - CPP, artigo 410º, n.º 2, als. c) e b), normativos que assim resultam violados - a sentença que, não obstante afirmar "que se verificou a impossibilidade de articulação ou concatenação de toda a prova indicada na acusação com as testemunhas inquiridas", ainda assim, condena a arguida como autora do crime por cuja prática vinha acusada.
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- É nula, por falta de fundamentação - CPP, artigos 374º, n.º 2, e 379º, n.º 1, aI. a) -, a sentença que, na questão civil, condena a demandada a pagar à demandante uma indemnização, fundamentando-se numa "perturbação emocional" desta sem qualquer facto provado que tanto concretize.
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- Não tendo sido validamente produzida em audiência de julgamento prova alguma de que a recorrente praticou os factos por cuja prática foi acusada, deve a sentença condenatória, na parte penal e na parte civil, ser revogada e substituída por decisão absolutória.
Termos em que, concedendo provimento ao recurso, farão V. Ex.ªs, senhores Desembargadores, Justiça!» O recurso foi admitido.
Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]: 1º - Inconformada com a douta sentença proferida nos presentes autos e que a condenou pela prática de um crime de Injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181º, nº 1 e 184º, por referência ao disposto no artº 132º, nº 2, alínea l), todos do Código Penal, vem a arguida dela interpor o presente recurso pugnando pela sua absolvição alegando, em síntese, que a douta sentença recorrida sofre dos vícios de erro notório na apreciação da prova e de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, vícios que entende preencherem o previsto no artº 410º, nº 2, alíneas b) e c) do Código Penal.
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- A matéria de facto dada como provada na douta sentença e que conduziu à condenação da arguida resultou da ponderação, avaliação e análise crítica de toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, bem como da prova documental junta aos autos, e que o Tribunal de acordo com a sua livre convicção e as regras de experiência comum, tal como impõe o artigo 127.º do Código de Processo Penal, tarefa essa que lhe permitiu concluir pela credibilidade dos relatos da ofendida e das testemunhas produzidos em audiência de discussão e julgamento.
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- A recorrente alega que a convicção do Tribunal não se mostra firmada em nenhum facto concreto o que é manifestamente falso se atentarmos na matéria de facto dada como provada nos pontos 1 a 5 da douta sentença recorrida e que a recorrente transcreve no texto do seu recurso.
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- O que parece resultar das alegações da recorrente no ponto II, alíneas a., b. e c. é uma notória confusão entre os elementos objetivos do tipo de crime de Injúria, por cuja prática a recorrente foi condenada e os elementos objetivos do crime de Difamação.
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- Na verdade, a recorrente insiste que resultou dos depoimentos das testemunhas ouvidas que ninguém, para além da ofendida/assistente, ouviu as expressões que a recorrente terá proferido e, como tal, a conduta da arguida/recorrente não integra a prática do crime.
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- Ora, como é consabido, para o preenchimento do tipo legal do crime de Injúria basta que o agente dirija à vítima expressões idóneas a ofender a sua honra ou consideração, pessoal ou profissional, não exigindo o tipo de crime que tais expressões sejam ouvidas por terceiros.
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- Aliás, no art.º 183º, nº 1, alínea a) e nº 2 do Código Penal está prevista agravação da moldura penal estatuída no art.º 180º para as situações em que as expressões sejam divulgadas ou publicitadas o que significa que tal circunstância é agravante mas não faz parte do tipo legal.
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- Se é verdade que nenhuma das testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento ouviu as concretas expressões proferidas também é verdade que todas ouviram os gritos da arguida no interior do gabinete médico da ofendida e já no seu exterior e, atento o local - gabinete da ofendida que é médica e no interior do qual atende os seus doentes - tal facto corrobora a versão apresentada pela ofendida e retira toda a credibilidade às declarações da arguida que negou perentoriamente ter sequer falado alto naquele local.
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- A douta sentença considerou, a nosso ver bem, que as declarações da assistente eram consistentes e mereciam credibilidade.
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- Não é verdade que tenha sido violado o disposto no art.º 356º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Penal quanto à leitura das declarações da testemunha ET em sede de inquérito pois a mandatária da arguida não se opôs a tal leitura e houve consentimento por parte do Ministério Público e da mandatária da assistente... E se não é audível na gravação áudio da audiência o exprimir de tal consentimento é certamente porque tal foi expresso por um simples acenar de cabeça, como é frequente, e as audiências ainda não são sujeitas a vídeo gravação...
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- Além disso, ao contrário do que a recorrente alega, a douta sentença não fundamentou a matéria que considerou como provada exclusivamente no depoimento da testemunha ET.
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- Assim sendo, não tem qualquer fundamento o alegado na petição de recurso quanto à violação do disposto no artº 356º do Código de processo Penal.
Por todo o exposto, deverá ser negado provimento ao recurso e mantida na íntegra a duta sentença recorrida.
Assim se fazendo JUSTIÇA!» Enviados os autos a este Tribunal da Relação, a Senhora Procuradora Geral Adjunta, manifestando adesão aos fundamentos de facto e de direito constantes da sentença recorrida e acompanhando a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1.ª Instância, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.
Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.
II.
FUNDAMENTAÇÃO De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito –, por obstativas da apreciação de mérito, como são os vícios da sentença previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo...
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