Acórdão nº 491/17.0T8EVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução26 de Abril de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. n.º 491/17.0T8EVR.E1 Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório BB (requerente/recorrente), intentou, na Comarca de Évora (Juízo do Trabalho) e ao abrigo do disposto no artigo 186.º-D e segts do CPT, a presente acção especial contra: 1. CC (requerida/recorrida); 2. DD (requerida/recorrida), pedindo a condenação destas a: a) colocá-la (à requerente) em posto de trabalho conforme a sua categoria profissional; b) abster-se de praticar actos discriminatórios e actos que criem ambiente intimidativo, hostil degradante, humilhante ou desestabilizador (para a requerente); c) pagar-lhe a quantia de € 16.000,00 a título de danos não patrimoniais, bem como os patrimoniais que vierem a liquidar-se em execução de sentença.

Alegou, para o efeito e muito em síntese, que em 1 de Janeiro de 2005 celebrou com a 1.ª requerida um contrato de trabalho, tendo no âmbito do mesmo sido responsável, além do mais, pelo Centro Local de Apoio ao Imigrante (CLAII), pelo Rendimento Social de Inserção (RSI), pelos Recursos Humanos e pela área de património da 1.ª requerida.

A 2.ª requerida é Presidente da 1.ª requerida desde 13-07-2015, tendo a partir de tal data passado a perseguir, vexar, humilhar e discriminar a requerente: concretamente, a 2.ª requerida proibiu a requerente de contactos com colegas da sede da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP), retirou-lhe funções que até então exercia, passando a ter apenas uma “ocupação mínima” face às funções que manteve, colocou-a num espaço sem condições para o cabal exercício das funções e pôs em causa as suas habilitações e competências.

Citadas as requeridas para, querendo, contestarem a acção, vieram a fazê-lo, por excepção e por impugnação: (i) por excepção, alegando a sua ilegitimidade passiva para a acção, por não imputação de quaisquer factos à 1.ª requerida, o que determina a absolvição da instância; (ii), por impugnação, negando, em síntese, os factos que lhes foram imputados pela requerente e, por consequência, a pugnarem pela improcedência da acção.

Seguidamente procedeu-se à produção de prova (artigo 186.º-E, n.º 2, do CPT), em 21-06-2017, que prosseguiu em 14-07-2017, e em 13-09-2017 foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu as requeridas dos pedidos.

Inconformada com o assim decidido, a requerente interpôs recurso para este tribunal, tendo a terminar as alegações formulado as seguintes conclusões: «1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Juízo do Trabalho do Tribunal da Comarca de Évora proferida no processo à margem referenciado, por com o mesmo não se poder a recorrente conformar.

  1. Na acção especial de tutela de direitos de personalidade do trabalhador que propôs as ora recorrente no Juízo do Trabalho do Tribunal da Comarca de Évora, pediu esta que as RR. CC e DD, ora recorridas, fossem condenadas a colocar a A. em posto de trabalho conforme a sua categoria profissional; que fossem as RR. condenadas a abster-se de praticar atos discriminatórios e atos que criem ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador para a A., atendendo ao facto de lhe estar a causar lesão grave e dificilmente reparável dos seus direitos referidos na Petição Inicial, por temer o seu agravamento no futuro; que fossem as RR. condenadas solidariamente a pagar à A., ora recorrente, indemnização de montante não inferior a 16.000,00 (dezasseis mil euros), a título de danos não patrimoniais por esta sofridos, bem como os patrimoniais que se viessem a liquidar em execução de sentença; bem como que, finalmente, fossem as RR. condenadas nas custas e demais encargos do processo.

  2. Foi proferida pelo Tribunal recorrido sentença que considerou a acção improcedente, por não provada, e em consequência, absolveu as Rés CC e DD dos pedidos formulados pela Autora, ora recorrente.

  3. Em face da factualidade dada como provada e com relevância para a decisão da causa, bem como em face da prova gravada prestada em sede de audiência de julgamento, o Meritíssimo Juiz do Juízo do Trabalho do Tribunal da Comarca de Évora não podia, à luz do Direito vigente e matéria de facto dada como provada, decidir como decidiu.

  4. A douta sentença recorrida padece de um erro de julgamento ao não considerar, ante os factos provados, a existência de um comportamento consubstanciador de assédio moral das Rés, ora recorridas, perante a recorrente, e fez errada aplicação do direito à factualidade apurada, da qual extraiu efeito jurídico contrário ao que esta impunha.

  5. Para concluir como concluiu, na douta sentença sub judice, diz o Meritíssimo Juiz a quo: “no caso dos autos resulta da matéria de facto provada e atento o acima exposto a inexistência de assédio moral invocado pela autora, toda a matéria de facto provada leva a considerar que existe um mau relacionamento entre a Autora e a Ré Rosália, que já vem de data anterior à Ré Rosália ter assumido as funções de Presidente.” 7. Segundo o Juiz a quo, “de toda a matéria de facto que resultou provada, não resultaram, em nosso entender, factos susceptíveis de integrar o conceito de assédio do artº. 29º do Código do Trabalho.

  6. Ora, da matéria considerada provada resulta que, desde a altura em que a R. DD passou a estar à frente da Delegação de Estremoz da R. (tomou posse em 13 de julho de 2015 – ponto 5 dos factos provados, estando a exercer de facto essas funções pelo menos desde 24 de junho de 2015 – ponto 6 dos factos provados), a recorrente vivenciou um conjunto de episódios, sucessivos, que não podem deixar de ser integrados no que consubstancia um processo em curso de “achincalhamento” da trabalhadora, ora recorrente, atentatório da dignidade desta como trabalhadora e como pessoa.

  7. A recorrente (tendo sido considerado provado que sempre teve um bom relacionamento com todos os colegas -31 dos factos provados-, que nunca desobedeceu a nenhuma ordem de superior hierárquico, nem foi alvo de qualquer reclamação por parte dos utentes, colegas ou superiores hierárquicos (32 dos factos provados), passou a ser objeto de decisões da nova Presidente da … que se deram como provadas e que são atentatórias da dignidade da trabalhadora.

  8. A recorrente, que, no exercício das suas funções tinha à sua responsabilidade a formação, o CLAII, RSI e os projectos (2 da matéria provada), sendo ainda responsável os Recursos Humanos, onde geria os processos do pessoal, contratos, mapas de férias, mapas de faltas justificadas e injustificadas e as formações obrigatórias do pessoal (3 dos factos provados), mediante carta de 14 de Outubro de 2015 da R. DD, sem lhe ser dada qualquer explicação para o efeito, foi informada de que lhe eram retiradas aquelas que eram as suas atribuições normais, nomeadamente a coordenação da ação social, a responsabilidade pelos recursos humanos (ponto 7 da matéria de facto provada), 11. E foram-lhe atribuídas (genericamente) funções correspondentes a categoria profissional para a qual a recorrente, como bem sabiam as RR., não tinha habilitações, a saber, a categoria de técnica superior de serviço social (pontos 7, 8 e 9 da matéria provada).

  9. Foram sendo distribuídos à recorrente tarefas manifestamente correspondentes a categorias profissionais inferior à sua, nomeadamente foi considerado provado que lhe foi pedido para elaborar uma relação dos sócios da CVP Estremoz, moradas e contactos (ponto 10 da matéria assente).

  10. Dos autos resulta abundante prova documental que dá conta de um tratamento da trabalhadora atentatório da dignidade profissional e pessoal desta, sendo esse o caso dos factos constantes dos pontos 11, 12 e 13 da matéria de facto provada.

  11. Esses factos evidenciam a existência de uma relação entre a Recorrida DD e a Recorrente, trabalhadora subordinada àquela, marcada pela sujeição desta a um tratamento infligido por aquela, que é hostil, degradante, desrespeitoso e vexatório.

  12. Os comentários depreciativos do trabalho da recorrente, escritos a vermelho sobre o seu trabalho (em vez de discutidos salutarmente numa reunião), pontuados por conjuntos de pontos de interrogação e de exclamação, com perguntas que não serviam objetivo que não fosse o de vexar a trabalhadora, ora recorrente, consubstanciam um tratamento indigno da trabalhadora, desrespeitoso e humilhante.

  13. Da mesma forma têm que ser interpretada a forma de tratamento da Recorrente através de expressões como “nunca, e volto a dizer nunca, deve falar em erradicar a violência de género (ninguém tem objetivos tão ousados)”, “volto a dizer-lhe, quero as coisas mais concretas e de fácil leitura, como aliás é a terceria vez que lhe digo e o que também a Drª…o lhe teve oportunidade de enviar em e-mail”, “faça o favor de cumprir as orientações que tem”.

  14. A forma de tratamento que segundo os documentos juntos aos autos supra citados dá a Recorrida DD à Recorrente, é claramente identificada, por qualquer homem/mulher médio(a) como tratamento incorreto e ilícito, não correspondendo a um relacionamento aceitável de hierarquia ou liderança, já que não se vê que propósito sirvam os relatados comentários, questões, pontuação ou expressões (bem como a cor e o meio por que foram exarados no trabalho da A.) que não seja a intenção de diminuir, desafiar, humilhar, degradar a trabalhadora ora Recorrente.

  15. “O assédio moral, no local de trabalho, é levado a cabo através de vários comportamentos, como por exemplo, os que passamos a indicar: (…) produzem-se ataques verbais, criticando negativamente os trabalhos realizados pelo assediado, (…) questionam-se as decisões tomadas pelo assediado; avalia-se o trabalho e desempenho do assediado, sistematicamente, de forma negativa.” – Mago Graciano da Rocha Pacheco, in “O Assédio Moral no Trabalho, o Elo Mais Fraco, Almedina, 2007, pag. 81 a 89.

  16. Esta factualidade foi considerada provada, conforme pontos 11 a 13 da factualidade considerada provada.

  17. Na escalada de perseguição da trabalhadora por parte da R. DD, ora...

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