Acórdão nº 418/15.4T8ALR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução26 de Abril de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – RELATÓRIO O Ministério Público instaurou a presente ação declarativa comum contra AA e outros, todos devidamente identificados, pedindo que sejam anuladas as divisões efetuadas aos prédios descritos no artigo 1º da petição inicial, sob as designações A, B e C, consubstanciadas na escritura de partilha lavrada no Cartório Notarial de Salvaterra de Magos no dia 13 de Dezembro de 2012, ordenando-se o respetivo cancelamento.

Alegou, em síntese, que através daquela escritura os réus procederam à divisão dos aludidos prédios rústicos em parcelas distintas e independentes, a qual é proibida pelo art. 1376º, nº 1, do Código Civil, uma vez que as parcelas resultantes da divisão têm área inferior à área mínima de unidade de cultura que, no distrito de Santarém é de 4 hectares, conforme dispõe o art. 1º da Portaria nº 202/70, de 21 de Abril.

Os réus contestaram, contrapondo que se encontram na posse dos prédios da qual resultou a divisão operada pela escritura pública de partilha há mais de cinquenta anos, sendo que esta apenas visou dar forma legal a situações de facto consolidadas há quase 50 anos, o que lhes permite invocar a usucapião como forma de aquisição originária sobre as parcelas que vêm possuindo de forma legítima, pacificamente e de boa-fé.

Alegam ainda os réus que a proibição de fracionamento não é aplicável às três parcelas de terreno onde se encontram edificadas as três casas de habitação descritas na contestação, uma vez que os solos circundantes não são aptos para cultura, constituindo os quintais ou logradouros das referidas casas de habitação.

Notificado para o efeito, veio o Ministério Público pronunciar-se sobre a exceção invocada pelos Réus, tendo impugnado os factos alegados por estes.

Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido o despacho saneador tabelar com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e a final foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente e absolveu os réus do pedido.

Inconformado, o Ministério Público apelou do assim decidido, tendo rematado a respetiva alegação com as seguintes conclusões: «1.ª - As normas vigentes que visam a proibição de fracionamento de prédios rústicos são normas imperativas que visam a preservação do ambiente, o ordenamento do território e a qualidade de vida, 2.ª - são erigidos em normas que defendem os interesses de toda a coletividade e são exemplos de interesses difusos (art. 52º, nº 3, al. a) da Constituição), cuja defesa incumbe ao M. Público.

  1. - Na sentença recorrida, conferiu-se prevalência aos interesses dos particulares intervenientes na escritura de partilha de bens, e dando-se como provado que a aquisição das parcelas fraccionadas ocorreu por usucapião, admitindo-se a aquisição por usucapião de prédios rústicos ainda que com violação das normas de proibição de fracionamento, em detrimento das normas imperativas a que subjazem interesses de ordem pública, que proíbem o fracionamento de prédios rústicos.

  2. - Tal interpretação não é, porém, consentânea com a regra definida no artigo 9.º do Código Civil, que prevê que na interpretação, deve ponderar-se a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

  3. - Na verdade, na ponderação das normas em confronto (por um lado, as normas que regem o instituto de aquisição por usucapião e, por outro lado, as normas que proíbem o fracionamento de prédios rústicos), o fulcro da questão está em saber o valor que a posse invocada para aquisição por usucapião tem, se a mesma se impõe mesmo contrariando normas de interesse público de valor constitucional (art. 66.º da Constituição).

  4. - A pergunta que se coloca é: os atos de posse baseados num facto proibido pelas leis imperativas de interesse público permitem a aquisição por usucapião? 7.ª - Sufragamos o entendimento que não é assim atualmente - como já se admitia que não o fosse no âmbito do Código de Seabra - «não obstante o artigo 1287.º do Código Civil excluir a usucapião quando haja “disposição em contrário” - no Código de 1867, o artigo 506.º, excluía do objeto da usucapião as coisas “que não forem exceptuadas por lei” - que o seu âmbito de aplicação é mais vasto, não sendo de excluir a usucapião apenas quando uma disposição legal o determine. Mencionava-se já no âmbito do Código de Seabra que a lei consentia exceções implícitas, tal o caso das coisas incorpóreas.» 8.ª - Na verdade como se referiu supra «A exclusão da usucapião sobre parcelas de propriedade justifica-se quando dela resulte ofensa de princípios de direito público; justifica-se igualmente noutros casos no sentido em que a usucapião, enquanto instrumento legal de aquisição originária de um direito, não pode servir, qual esponja que apaga o ato constitutivo da aquisição derivada da propriedade, para afastar normas imperativas que sujeitam quem adquiriu a coisa por aquisição derivada.» 9.ª - Não é, destarte, admissível a aquisição por usucapião de parcelas de prédios rústicos resultantes de fracionamento ilegal, por desrespeitar as regras proibição de fracionamento de prédios com a área mínima correspondente à unidade de cultura para a região.

  5. - Já que, tal aquisição, contendendo com normas de caráter imperativo, que visam a tutela de interesses predominantemente públicos por traduzirem o reconhecimento jurídico de um bem que, em primeira linha, compete à comunidade, não pode considerar-se eficaz.

  6. - Ao decidir em sentido contrário, a Mma Juiz a quo violou o disposto nos artigos 1376.º e 1379.º do Código Civil e Portaria n.º 202/70 de 21/04 (vd. atualmente a Portaria 219/2016, de 09/08) e o artigo 66.º da CRP e o artigo 294.º do Código Civil.

  7. - A partilha que os Réus formalizaram através de escritura traduz-se em negócio contrário às normas legais imperativas que proíbem o fracionamento pretendido.

  8. [1] - Assim, in casu, quer a partilha operada pela escritura impugnada quer a invocada aquisição por usucapião são ilegais (contrária a normas legais imperativas) 15.ª - Pelo exposto, é manifesto que estando demonstrado nos factos provados na sentença recorrida que os Réus operaram um fracionamento contrário a normas legais imperativas de três prédios rústicos, a única decisão compatível com os factos apurados é a declaração de invalidade da escritura, bem como da aquisição das parcelas destacadas de forma ilegal por usucapião e consequente cancelamento do respetivo registo.

  9. - Nestes termos e nos demais de direito, deve julgar-se procedente o presente recurso e, em consequência, ser a ação intentada pelo Ministério Público ser julgada procedente com todas as consequências legais.

Assim decidindo farão V.Exas. Justiça!» Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a única questão a decidir é a de saber se a situação de usucapião configurada em benefício dos réus permite reconhecer a propriedade destes sobre as parcelas de terreno em causa, apesar de estas terem área inferior à unidade de cultura, fazendo assim prevalecer as regras que contemplam a aquisição da propriedade por usucapião sobre as que impedem o fracionamento de prédios rústicos aquém daquela unidade de cultura.

III - FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS A 1ª instância deu como como provada a seguinte factualidade: 1 – No dia 13 de Dezembro de 2012, no Cartório Notarial de Salvaterra de Magos, foi lavrada escritura pública de partilha dos seguintes prédios rústicos: Prédio A: Prédio rústico, sito em Vale João Viegas, freguesia de Fazendas de Almeirim, concelho de Almeirim, composto de vinha e de cultura arvense, com a área total de 9 600,00 m2, inscrito na matriz cadastral da mesma freguesia, sob o artigo … da secção … (anterior … da secção …), descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim sob o nº …/Fazendas de Almeirim, com o valor patrimonial de 38, 24€ (trinta e oito euros e vinte e quatro cêntimos); Prédio B: Prédio rústico, sito em Paços de Manica, freguesia de Fazendas de Almeirim, concelho de Almeirim, composto de eucaliptal, oliveiras, figueiras, pinhal, vinha, cultura arvense e dependência agrícola, com a área total de 62 080,00 m2, inscrito na matriz cadastral da mesma freguesia, sob o artigo … da secção … (anterior … da secção …), descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim sob o nº …/Fazendas de Almeirim, com o valor patrimonial de 477, 23€ (quatrocentos e setenta e sete euros e vinte e três cêntimos); Prédio C: Prédio rústico, sito em Paço dos Negros, freguesia de Fazendas de Almeirim, concelho de Almeirim, composto de vinha e cultura arvense, oliveiras e pomar de pronóideas, com a área total de 21 760,00 m2, inscrito na matriz cadastral da mesma freguesia, sob o artigo … da secção … (anterior … da secção …), descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim sob o nº …/Fazendas de Almeirim, com o valor patrimonial de 55, 08€ (cinquenta e cinco euros e oito cêntimos).

  1. Por tal instrumento notarial, os Réus procederam à divisão do Prédio A em cinco novos prédios, da seguinte forma: Prédio Um: Parcela de terreno, com a área de 2400 m2, composta por vinha e cultura arvense, sita em Vale João Viegas, freguesia de Fazendas de Almeirim, concelho de Almeirim, a confrontar de norte com Herdeiros de José …, de sul com José Manuel …, do nascente e poente com estrada, inscrita na matriz predial rústica da freguesia de Fazendas de Almeirim sob parte do artigo …, da secção …, pendente de resolução, ao qual atribuíram o valor de 437, 50€ (quatrocentos e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos); Prédio Dois: Parcela de terreno, com a área de 2400 m2, composta por vinha e cultura arvense...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT