Acórdão nº 1865/13.1TBSTR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução12 de Abril de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 1865/13.1TBSTR-A.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Central de Comércio de Santarém – J2 * Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório: O “Banco (…) (…), SA” e outros vieram requerer a qualificação da insolvência de “(…) e (…), Lda.” como culposa, pedindo a afectação de (…) e de (…), sendo que este interpôs recurso da sentença que o julga afectado pela procedência do incidente.

* A sentença recorrida teve o seguinte sentido decisório:

  1. Qualifica a presente insolvência como culposa.

  2. Julga afectados pela qualificação da insolvência os gerentes (…) e (…), inibindo-os quer para administrarem patrimónios de terceiros, quer para exercerem o comércio bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 5 (cinco) anos.

  3. Determina a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.

  4. Condena a pessoa afectada a indemnizar os credores no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património.

    * O recorrente (…) não se conformou com a referida decisão e nas suas alegações apresentou as seguintes conclusões: «1. O Tribunal recorrido decidiu em manifesta contradição com a matéria de facto e a prova de todos os elementos constantes do processo que permitem e impõem a alteração de matéria de facto provada, por contraditório com esses elementos do processo.

    1. A prova documental, junta aos autos pelo recorrente impunha decisão contraditória, por ter ficado provado e demonstrado que o recorrente, em 30/04/2013 cedeu a sua quota na insolvência à empresa (…), que esta empresa assumiu a responsabilidade pelas dividas, obrigações e responsabilidades contraídas pela empresa insolvente, que todos os livros de actas e documentos contabilísticos referentes aos anos de 2011 e 2012, que antecederam a assinatura do contrato de cessão de quotas ficaram depositados no escritório da sede da adquirente “(…), Lda.”, sendo todos os documentos certificados da empresa insolvente entregues por TOC competente na data desse contrato (30/04/2013).

    2. Mais ficou provado, em sede de julgamento no processo-crime Comum Singular nº 175/13.9IDSTR do Juízo Local Criminal de Santarém – Juiz 2, que o contrato de cessão de quotas prevê expressamente (artº 5º) provisão para impostos, em préstimos e garantias que a adquirente “(…), Lda.”, assumiu e tomou conhecimento, que esta é uma empresa de distribuição, munida de capacidade plena para ser titular e para exercer a actividade da insolvente, que o recorrente, com a celebração desse contrato em 30/04/2013, renunciou, com efeito imediato, à gerência que vinha exercendo na empresa insolvente e que o IVA do período de 2013/04 passou para a responsabilidade da nova gerência.

    3. Mais existe prova, por documento autêntico no processo, constituído por contrato / título de compra e venda celebrado em 21/12/2015 na 1ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal, pelo qual o credor Banco (…), adquiriu o imóvel onde a insolvente deste processo laborava, noutro processo de insolvência de outra sociedade do grupo “(…) Tejo (…), Lda.” processo de insolvência P. colectivo nº 13692/14.4T2SNT do Juízo de Comércio de Santarém – Juiz 2 e que através do crédito hipotecário foi dispensada da parte do preço nos termos dos artigos 164º do CIRE e 815º, sendo o preço deste imóvel de um milhão seiscentos e oitenta mil e três autos e onze cêntimos.

    4. O Tribunal recorrido fez “tábua rasa” de toda a documentação autêntica e processos indicados nas conclusões anteriores e, de forma “inquinada”, seguiu a visão dos factos apresentada pelo credor Banco (…), que não “cruzou” com a posição deste credor hipotecário e adquirente do valioso imóvel onde laborava a insolvente no outro processo de insolvência da outra empresa e atrás identificado.

    5. O Tribunal recorrido não pesou o facto essencial que esteve na origem do contrato de cessão de quotas da insolvente outorgado pelo recorrente com a empresa “(…), Lda.”. A contrapartida pela aquisição desta por um preço simbólico foi o facto de ter de assumir todos os ónus, encargos, responsabilidades pelas dívidas e obrigações contraídas a qualquer título pela sociedade insolvente.

    6. O Tribunal recorrido não atendeu, como devia, à prova (resultante do documento autêntico) do teor da certidão da sentença proferida em 19/02/2016, transitada em julgado em 29/03/2016, no proc. comum singular nº 175/13.9 IDSTR – Juízo Local Criminal de Santarém – Juiz 2, no qual o recorrente viria a ser absolvido do crime de abuso de confiança fiscal relacionado com a insolvente, atenta a matéria de facto provada em sede deste julgamento criminal, em especial de que o ora recorrente só foi gerente de facto e de direito na insolvente até 30/04/2013.

    7. Também o Tribunal recorrido não pesou como devia o facto, público e notório, relacionado com a “origem” da crise financeira mundial e com estrondosa repercussão em Portugal desde 2008 a 2012/2013 e que assolou a empresa insolvente e agravou (exacerbadamente) a conjuntura económica mundial e foi um “campo fértil” para insolvências em série, de pequenas e médias empresas e, no caso particular, da insolvente.

    8. O Tribunal recorrido deu ainda como não provados factos que já foram, antes, dados como provados no processo-crime atrás indicado e que vão em sentido oposto ao constante da decisão recorrida que violou, assim, a força probatória plena dos documentos autênticos e confundiu “livre apreciação da prova”, com “livre arbítrio”.

    9. O Tribunal recorrido decidiu com erro de julgamento de facto, decidindo mal e, pior, contra factos já antes provados, infringindo norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais e violando o direito substantivo e com interpretação e aplicação incorrectas de normas reguladoras no caso ajuizado.

    10. Além do que a decisão recorrida é injusta por resultar de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes e utilizados abusivamente dos poderes discricionários mais ou menos amplos confiados ao Tribunal.

    11. O devedor deve requerer a sua declaração de insolvência se a situação não puder ser ultrapassada, em ponderação dos elementos de hermenêutica interpretativa disponíveis. Mas, no caso concreto, tal decisão caberia à adquirente / cessionária (da insolvente), à empresa “(…), Lda.”, e ao gerente por esta indicado para essas funções na insolvente.

    12. No caso dos autos, não se vislumbra a descrição e concretização dos comportamentos de insolvência culposa, por parte do ora recorrente, enquanto exerceu funções na insolvente, para se poder concluir, como o fez o Tribunal recorrido, pela qualificação da insolvência como culposa, olvidando toda a factualidade envolvente e atrás indicada não se podendo, assim, atribuir uma presunção ao ora recorrente, que é excepcional.

    13. Da sentença recorrida, não se alcança prova dos pressupostos da culpa por o património da insolvente, garantia geral dos credores, se ter tornado insuficiente para a satisfação das obrigações, sendo esta prova (inexistente “ in casu”) o fundamento legal para a qualificação culposa na presente insolvência, no que concerne ao ora recorrente.

    14. Não houve, pois, extravio de quaisquer bens pelo ora recorrente ou qualquer intenção deste de criar (ou agravar), propositadamente, a insolvência da “sua própria” empresa, até à data em que a vendeu / cedeu (30/04/2013).

    15. As presunções estabelecidas no artigo 186º, nºs 2 e 3, do CIRE são elidíveis, mediante prova do contrário, o que o está plasmado nos documentos referidos nas conclusões anteriores.

    16. A sentença recorrida não discrimina, nem descreve os comportamentos (do ora recorrente) devidamente documentados e fundamentados de modo a poder atribuir, como o fez, sem mais, uma presunção que é excepcional, contra o ora recorrente.

    17. O recorrente actuou (até 30/04/2013, repete-se), na gestão da insolvente, com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, apesar de, mesmo assim, não ter tido êxito (é que o recorrente não “fez milagres”, nem tem uma “mão invisível” para dominar a economia de um País – e até mundial – por vezes fundada em razões tão subjectivas como a “falta de confiança no mercado…”.

    18. Não pode qualificar-se uma insolvência como culposa de forma indiscriminada (como é o caso de sentença destes autos ora em crise) pois que os gerentes, na gestão das empresas, têm autonomia e livres e amplos espaços de livre apreciação nas decisões que tomam sendo que, o inêxito não pode, sem mais, ser o factor crucial de responsabilização do gerente.

    19. O panorama da responsabilização dos gerentes na insolvência é complexo e difícil no plano técnico jurídico, implicando a articulação de regras gerais contidas no Código das Sociedades Comerciais, com regras especiais do CIRE.

    20. Só, pois, a experiencia e o “bom senso”, contudo, permitirão, aplicar este regime e a respectiva qualificação jurídica da insolvente “caso a caso”, pelos profissionais do foro e não, de forma “literal” como o fez o Tribunal recorrido, 22. Nos presentes autos não ficou provado que o recorrente (até 30/04/2013, quando cessou funções) deixasse de actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade.

    21. A sentença recorrida qualificou a presente insolvência como culposa, sem ponderar toda a factualidade subjacente e (mais parecendo ditada pelo não êxito da gestão, ora recorrente, enquanto exerceu funções na insolvente.

    22. Motivo, porque a presente insolvência, atentas todas as conclusões anteriores, deveria ser qualificada como fortuita.

    23. Foram pois, violados, entre outros, os artigos 350º, nº 2 e 371º, do Código Civil, o artigo 607º, nº 5, CPC, os artigos 18º, 186º, nºs 1, 2 e 3...

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